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Legislação brasileira é vista como “antilei” de transição energética justa

  • Crítica consensual em debate promovido pelo Instituto Arayara e OAB-DF teve como alvo a continuidade dos subsídios ao carvão mineral e a expansão de combustíveis fósseis na matriz

     

  • Presidente do Ibama participou do evento, reforçando a importância do regramento dos licenciamentos ambientais para atender aos acordos climáticos e de direitos humanos


No Dia Nacional de Conscientização sobre Mudanças Climáticas, celebrado nessa quinta-feira (16/3), o Instituto Internacional Arayara, em parceria com a Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), promoveu um seminário, para aprofundar o debate sobre litigância climática e de transição energética justa como ferramentas para avanços efetivos nos compromissos globais de descarbonização e, também, para a inclusão da sociedade na formulação das políticas públicas de transição energética e de enfrentamento das mudanças climáticas.

O evento, que trouxe reflexões importantes sobre a contribuição das organizações da sociedade civil na litigância climática e o conhecimento da advocacia sobre o que precisa ser legislado no âmbito das mudanças do clima, teve como pano de fundo duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 7095 e 7332) contra as leis 14.299 e 18.330, publicadas no ano passado, que instituíram o Programa de Transição Energética Justa (TEJ), em âmbito federal e em Santa Catarina, respectivamente. 

Contraditoriamente, as legislações, que deveriam promover a substituição gradativa dos combustíveis fósseis, prorrogam o funcionamento de termelétricas a carvão (as maiores emissoras de gases de efeito estufa na matriz), mantendo os subsídios à produção dessa energia, e incentivam a expansão da mineração, atividade de alto impacto socioambiental. As ações estão sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF).

As ADIs foram propostas pela Rede Sustentabilidade – partido da atual ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. A ADI 7095, que contesta a lei federal, tem ainda a participação do PSOL e PSB. Em ambas, o Instituto Araya figura como amicus curiae – termo jurídico que designa um terceiro que ingressa no processo com intuito de fornecer subsídios ao órgão julgador.

Foi consenso entre os participantes do seminário que as legislações são, na verdade, um “greenwashing” ou “antileis” da transição energética justa. Isso porque, no entendimento dos painelistas, a energia gerada a partir do carvão mineral é obsoleta, economicamente desvantajosa, pois encarece o custo para o consumidor, além de ser um desastre para o meio ambiente e para a saúde pública.

 


Direitos humanos

Outro ponto de consenso no debate foi a necessidade de considerar as questões relacionadas aos direitos humanos nos litígios climáticos e de transição energética para superar as injustiças decorrentes do racismo ambiental e do racismo energético, que ficaram ainda mais evidentes nas recentes tragédias, como a do litoral Norte de São Paulo, que deixou mortos, feridos e desabrigados.

O porta-voz nacional da Rede Sustentabilidade, Wesley Diógenes, presente no evento, destacou que, dentro do contexto de transição energética e urgência climática, “não há como pensar políticas públicas sem incluir as questões socioambientais, a questão dos povos indígenas e dos povos quilombolas”. Ele entende que o Brasil, em especial o Nordeste, tem um grande potencial para explorar tecnologias de energia renovável e citou como exemplo a usina de hidrogênio verde, inaugurada recentemente em São Gonçalo do Amarante (CE), além do avanço dos parques eólicos e solares, mas defendeu mais cautela em relação aos impactos nas comunidades. 

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, também participou do seminário e falou sobre o papel do órgão no regramento das atividades que podem ter algum impacto do ponto de vista das emissões e, também, na perspectiva dos direitos humanos, inclusive, para que acordos internacionais, como o OIT 169, sejam respeitados e a transição energética se dê, de fato, de forma justa. “A gente tem um grande desafio que é o de se preparar para que, no âmbito do licenciamento ambiental, a gente possa, cumprindo com nossa missão institucional, fazer o enfrentamento das mudanças climáticas e minimizar ao máximo eventuais litígios por conta dessa transição energética”, afirmou.

 

Litigância

O seminário também trouxe um panorama mundial e, em particular, da América Latina, sobre a litigância de transição energética justa e de enfrentamento das mudanças climáticas – resultado do trabalho de especialistas brasileiras, que desenvolvem pesquisas junto ao Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, da London School of Economics and Political Science (LSE), e ao Sabin Center for Climate Change Law, vinculado à Columbia University, dos Estados Unidos. As ADIs contra a continuidade dos subsídios ao carvão no Brasil, propostas por partidos políticos com participação da Arayara, são citadas como exemplos de litigância nesses estudos.

Ao encerrar o evento, a diretora executiva da Arayara, Nicole Oliveira, mencionou o levantamento feito pela organização quanto ao impacto da construção de empreendimentos do setor de energia no Brasil sobre comunidades tradicionais e quilombolas, que podem motivar novos litígios. Segundo ela, são 18 comunidades em 15 estados, que serão afetadas por novas termelétricas e gasodutos, 9 por oleodutos e 17 por mineração.

“Isso sem considerar os impactos das hidrelétricas e PCHs e sem considerar os povos tradicionais indígenas, de pescadores, pescadoras e marisqueiras, e todos os outros povos e comunidades tradicionais no Brasil, que estão sendo afetados pelos projetos”, reforçou Nicole, lembrando que a Arayara trabalha junto de outras organizações para propor um novo modelo de transição energética justa, que respeite os direitos humanos.

 

 

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