Debate no Arayara Climate Hub expõe a contradição fóssil do Brasil.
Enquanto líderes globais na COP30 debatem o fim dos combustíveis fósseis, o Brasil segue consolidando uma política energética que privilegia o gás e o carvão em detrimento das renováveis, impondo altos custos ambientais e econômicos ao consumidor. Essa contradição foi o tema central do evento “From Coal to Gas: Same Old Trap”, realizado na terça-feira, 18 de novembro, no Arayara Amazon Climate Hub.
O painel, que reuniu especialistas internacionais, reforçou que o gás não é uma energia de transição e que a manutenção de subsídios bilionários ao carvão é uma crise moral e econômica. A atividade culminou no lançamento de um novo estudo do Instituto Internacional Arayara e em um apelo multissetorial pelo abandono imediato dos fósseis.
A Conta Suja Imposta ao Consumidor
A permanência dos fósseis na matriz energética brasileira, muitas vezes disfarçada de “reserva de capacidade”, onera diretamente o bolso do cidadão. Lourenço Moretto, representante do IDEC, detalhou como os custos da infraestrutura de gás são transferidos de forma invisível para o consumidor, um processo que mina o direito à escolha e encarece a eletricidade.
“O gás no Brasil precisa de toda uma infraestrutura, e esse custo também é considerado na tarifa. O consumidor nem sabe que está pagando por isso”, alertou Lourenço, que defendeu que esse valor investido seria mais proveitoso em fontes sustentáveis.
Nicole Oliveira, Diretora Executiva do ARAYARA, quantificou o absurdo em um ano de crise social:
“Pagamos 1 bilhão de reais por ano em subsídios ao carvão, a segunda conta de luz mais cara no mundo”, em crítica à política fiscal, evidenciando que o problema não está no orçamento. Segundo Nicole Oliveira, no ano da reforma da previdência, isentamos as petroleiras de impostos de renda,”. Nicole reforça ainda que a “zona de sacrifício é ampla, e acaba englobando todos nós”. O painel destacou que o Pará, estado sede da COP30, tem uma das maiores contas de luz do Brasil, enquanto também tem uma alta insegurança energética.
Litigância e a luta contra a expansão fóssil
John Wurdig, gerente de transição energética do Instituto Internacional Arayara, destacou que a organização é a maior ONG de litigância climática e ambiental da América Latina. John reforçou que é importante expor as falácias do gás, que não é uma energia de transição, diferente do que grandes campanhas tentam argumentar.
Ele denunciou a chamada “armadilha do gás” no Brasil, exemplificada pela UTE Brasília, que foi pensada para ser instalada em Samambaia, no coração do Cerrado, onde não existe gasoduto. Este é um cenário de especulação que forçaria a construção de uma mega-infraestrutura de São Paulo até o Distrito Federal. A Arayara solicitou a suspensão do licenciamento do projeto no CNDH, que previa a remoção de uma escola sem consulta alguma à comunidade escolar.
John refutou os argumentos de que a geração fóssil é essencial para a segurança energética, apontando que a promessa de geração de emprego é enganosa e que as emissões dessas usinas agravam problemas de saúde, como os gerados pela baixa qualidade do ar em Brasília, principalmente durante o período de seca.
O painel expôs a gravidade da política energética nacional. O leilão de reserva de capacidade (LRCAP26) para 2026 tem 311 projetos de usinas térmicas a gás, carvão, óleo e biodiesel cadastrados. Esses números, citados por John, mostram que 83% desses cadastros são para novas usinas térmicas, o que contraria o discurso de descarbonização global.
Em meio aos enfrentamentos, o Instituto Arayara tem obtido resultados relevantes. O especialista citou a importante vitória obtida no início da COP30, com o arquivamento, pelo IBAMA, do projeto da UTE Ouro Negro (carvão), no Rio Grande do Sul, anunciada em 10 de novembro. Segundo a organização, este era o último projeto para um empreendimento a carvão em análise pelo órgão federal, marcando o fim de novos projetos de usinas térmicas a fossil no país.
Carvão: sujo, caro e subsidiado
A mesa destacou o lançamento do estudo “A sobrevida do Carvão Mineral Brasileiro: Entre subsídios, impactos e retrocessos climáticos no ano da COP30”, produzido pela equipe de transição energética da Arayara.
O estudo detalha como se consolidou a política de subsídios ao carvão – uma energia cara, suja e ineficiente – concentrada principalmente em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. John Wurdig explicou que o carvão brasileiro tem baixa qualidade, alto índice de contaminação e que o uso dessa matriz é uma fonte de contaminação generalizada de solo e rios no Sul.
A energia gerada nessas termelétricas subsidiadas, como em Candiota (RS), é muitas vezes exportada. Alertando que, apesar do fim de novos projetos, o lobby carvoeiro tenta prorrogar os subsídios e as outorgas para usinas já existentes, como a UTE Candiota, o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda e a UTE Pampa Sul, até 2050, por meio do Projeto de Lei de Conversão nº 10/2025.
O lançamento e exibição do documentário, “Transição Injusta”, foi outro destaque da noite. O projeto foi produzido pelo Instituto Internacional Arayara, em parceria com a Chao Carbon, do Chile, e o Observatório do Carvão Mineral. O filme mostrou o impacto da exploração de carvão no Chile, ligando doenças e mortes em comunidades à contaminação local.
O painel foi encerrado com o lançamento de uma Carta pelo Fim de Novas Usinas no Brasil, que exige o phase out efetivo, o fim dos subsídios ao carvão e a inclusão dos trabalhadores do setor em um plano de transição energética justa. O painel foi encerrado com a exibição da faixa que resume a principal crítica do dia: “O Brasil gasta mais de um bilhão por ano de subsídio ao carvão mineral.”
Fotos: Odaraê Filmes










