+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

ARAYARA na Mídia: Especialista adverte – “A vida sob ataque: os riscos jurídicos e sociais do PL da Devastação ambiental”

O Senado Federal aprovou, com apoio da maioria de seus membros e liberação da bancada do governo, o Projeto de Lei nº 2159/2021 — chamado por ambientalistas de “PL da Devastação”. A proposta, que já havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados, retornou à casa iniciadora para análise de destaques e emendas de redação. A depender do desfecho, o Brasil poderá institucionalizar um dos maiores retrocessos ambientais desde a promulgação da Constituição de 1988.

O texto aprovado revoga, na prática, a estrutura do licenciamento ambiental como é hoje conhecida. Entre as mudanças mais críticas está a Emenda nº 120, que altera o artigo 10 do projeto e estabelece procedimentos “simplificados” para empreendimentos de saneamento e energia considerados estratégicos. A exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA), nesses casos, passa a ser prevista apenas como exceção, a ser “devidamente justificada” pela autoridade licenciadora.

Na prática, isso significa que grandes projetos energéticos — como termelétricas a gás, gasodutos, oleodutos, usinas hidrelétricas e até extensas fazendas solares ou eólicas — poderão dispensar análise prévia dos impactos sociais e ambientais que provocam.

É importante lembrar que tais empreendimentos, pela sua natureza, geram transformações profundas nos territórios: remoções forçadas de comunidades, poluição de rios e mares, emissões de gases de efeito estufa, fragmentação de habitats e riscos cumulativos de degradação ambiental. Ao eliminar a exigência de estudos prévios, o PL compromete não apenas a integridade dos ecossistemas e o direito das populações afetadas, mas também a segurança jurídica de todo o setor.

Do ponto de vista jurídico, a proposta viola frontalmente o artigo 225 da Constituição Federal, que consagra o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Estado o dever de exigir, por lei, estudo de impacto ambiental para atividades potencialmente poluidoras. Além disso, o texto entra em colisão com tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário — como a Convenção da Diversidade Biológica, ratificada por meio do Decreto Federal nº 2.519/1998, que determina a avaliação de impactos ambientais com participação pública em projetos que afetem a biodiversidade.

Se sancionado, o PL estará sujeito a duas frentes de contestação judicial: ações diretas de inconstitucionalidade e pedidos indenizatórios por conta de danos ocasionados por empreendimentos que necessitavam de estudos ambientais. O resultado será um ambiente de elevada instabilidade jurídica, o que afeta também a previsibilidade necessária aos próprios investidores e operadores do setor energético.

É preciso também combater um dos principais argumentos usados por defensores do projeto: a ideia de que o licenciamento ambiental “trava” o desenvolvimento nacional. O que, de fato, provoca morosidade nos processos não é o rito do licenciamento em si, mas a precarização dos órgãos ambientais. Em 2024, por exemplo, o IBAMA operava com apenas 49,2% de seu quadro efetivo de servidores especialistas em meio ambiente. Sem recomposição de pessoal e valorização das carreiras técnicas, o tempo de análise dos projetos tende a se arrastar — o que, ironicamente, o próprio PL não resolve.

A qualidade de vida da população depende tanto do acesso à energia quanto da preservação dos recursos naturais. Ar puro, água limpa e estabilidade climática não são obstáculos à prosperidade, mas seus alicerces. Sem eles, não há vida digna — nem consumo de energia.

Diante da baixa expectativa de reversão do projeto na Câmara e da provável fragilidade dos vetos presidenciais frente a um Congresso conservador, resta à sociedade civil ampliar sua mobilização e ao Judiciário cumprir seu papel como guardião da Constituição.

Não se trata de aperfeiçoamento regulatório ou modernização. O que se vê é o desmantelamento de um dos pilares da política ambiental brasileira.

Renata Prata – Coordenadora de Advocacy e Projetos do Instituto ARAYARA e Juliano Bueno – Doutor em Riscos e Emergências Ambientais, Phd em Energia e diretor técnico do Instituto Internacional ARAYARA*

Fonte: Revista Nordeste

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

ARAYARA na Mídia: Congresso ‘enterrou’ de vez as medidas ambientais que protegem os biomas brasileiros

Em vez de alinhar o Brasil a uma trajetória real de transição energética justa, o cenário interno aponta para o contrário: flexibilização normativa prejudicial, criação de atalhos para megaprojetos fósseis e minerários e, agora, a tentativa de consolidar a Licença Ambiental Especial (LAE) como um instrumento de exceção. __ Passados 10 dias do término da COP30, em Belém, o Congresso

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Petróleo em Alta Reacende Alerta Ambiental

O Brasil quebrou novamente o próprio recorde de produção de petróleo. Em outubro, o país extraiu 4,03 milhões de barris de petróleo por dia e 5,255 milhões de barris de óleo equivalente (incluindo gás natural), segundo dados oficiais divulgados ontem pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). O aumento foi de 2,9% em relação a setembro e de 23,2% na comparação

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Valuing Nature, Empowering Action – Interactive Training with the CSF Calculator Hub

Irina Cabrerizo Suaznábar | December 3, 2025 Pictures / Fotos: Oruê Brasileiro / Odaraê Filmes On November 20, 2025, during COP30, we hosted the workshop “Valuing Nature, Empowering Action: Interactive Training with the CSF Calculator Hub” at the ARAYARA, Amazon Climate Hub in Belém, Brazil. The session brought together people working in conservation for a hands-on exploration of socio-environmental and economic

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Bahia propõe reconhecer a natureza como sujeito de direito

Estado quer seguir tendência de ‘constitucionalismo ecológico’ adotado em outros países, como Equador e Bolívia Por Maristela Crispim A COP30 tornou-se palco de um movimento inédito vindo do Nordeste brasileiro. O deputado Marcelino Galo (PT-BA) apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Direitos da Natureza, iniciativa que pretende inserir no texto constitucional baiano o reconhecimento da natureza como sujeito

Leia Mais »