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O Rio Grande do Sul em um cenário de mudanças climáticas

O Rio Grande do Sul em um cenário de mudanças climáticas

Fonte: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Reportagem: Bibiana Davila (Estudante de Jornalismo da UFRS)
Ilustrações: Clara Santi (capa) / Tábata Costa

Há uma ameaça global que promete dizimar a humanidade — mas não se trata de nenhum vírus mortal. Há anos vista apenas como uma verdade inconveniente, a mudança climática já começou a destruir a realidade que conhecemos, mas ainda vai piorar. E muito.

Não são apenas os ursos polares que devem sentir o chão se desmanchando sob seus pés — a arenização do solo gaúcho, intensificada pelo desmatamento da Amazônia, já avança no sudoeste do estado. Enquanto isso, ano após ano, as temperaturas mínimas sobem, os dias frios diminuem e os pomares sofrem. Acordar com a expectativa de ver um mundo branco de geada? Não mais. No Rio Grande do Sul, o futuro será pintado com cores de chuva e tempestade.

Podemos esperar mais ondas de calor, seguidas por perdas agrícolas; mais ciclones, vendavais e enxurradas; aumento das temperaturas, das doenças tropicais; até a chegada da fome, do colapso econômico. Podemos ver dias de migração e conflitos climáticos. Tudo pontuado pela injustiça da desigualdade social, de gênero, racial.

É provável que você já acredite em tudo isso: 92% dos brasileiros estão cientes das mudanças climáticas, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) de 2020. É até possível que você esteja preocupado, como 61% da população. Mas, como 75% das pessoas no país, talvez você também esteja mal informado.

Por isso, apresentamos a seguir a atual história do futuro climático do Rio Grande do Sul. Há tendências em curso e projeções do que está por vir, baseadas no que a ciência nos mostra. Lembre-se, porém: isto não é uma profecia. É um sinal de alerta.

A MUDANÇA CLIMÁTICA

Maíra Suertegaray, professora de Geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estuda o clima e escreve livros infantis que abordam a temática.

“As pessoas normalmente relacionam o aquecimento global e mudanças climáticas a catástrofes, mas não, as mudanças estão acontecendo gradualmente e já trazem consequências”, destaca.

Existe, no entanto, um bom número de catástrofes possíveis. Olhando um pouco mais à frente, principalmente para as últimas duas décadas do século 21, não faltam cenários assustadores para a humanidade — como descrito em detalhe nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

É importante saber sobre o quinto e último relatório do Painel, de 2013, que: 1) há 95% de certeza que a ação humana está causando o aquecimento global, graças à queima de combustíveis fósseis, desmatamento e agropecuária, entre outras atividades industriais que emitem gases responsáveis pelo atual “efeito estufa”; 2) há modelos otimistas e pessimistas sobre o que nos espera, baseados nas taxas de emissão destes gases e medidas de mitigação, em um futuro próximo; 3) a temperatura média global pode registrar, até o final do século, um aumento entre menos de 2ºC (otimista) até mais de 4,8°C (pessimista).

Mantendo o ritmo atual, sem diminuir a emissão dos gases do efeito estufa ou sem dar um jeito no que já jogamos na atmosfera desde que aprendemos a queimar carvão durante a Revolução Industrial, caminhamos a passos largos para o aumento acima de quatro graus até 2100.

Neste futuro, a combinação de temperaturas altas e umidade transformará certas regiões das Américas, Ásia, África e Oceania em locais inabitáveis para seres humanos em partes do ano, com impossibilidade de plantio de alimentos ou mesmo de trabalho ao ar livre. O aumento exponencial dos desastres climáticos, do nível dos oceanos, da poluição do ar e falta de água ainda devem gerar uma instabilidade social que ameaça economias, governos e a própria democracia. Não haverá recursos para todos, e os refugiados chegarão a milhões de pessoas.

A catástrofe, no entanto, não é um destino em que esbarraremos no futuro, mas o caminho que estamos trilhando até lá. Antes de chegar a ele, vamos passar por todas as pequenas mudanças graduais no dia a dia, como alerta Maíra. Quando se presta atenção, é possível ouvir o gelo quebrando sob nossos pés. Escute.

Arte: Tábata Costa

CHOVER MUITO E, DEPOIS, NADA

O sol não vai brilhar no futuro do Rio Grande do Sul — ou quase isso. Pesquisadores já observaram que a duração do brilho solar vem diminuindo ao longo do tempo, sendo que, de 1950 a 2009, os gaúchos perderam 248 horas de sol no ano. No horizonte, há nuvens de chuva, literalmente: o estado registrou 10% de aumento da precipitação pluvial entre 1980 e 2009, comparado ao período de 1950 a 1979.

Mas há uma pegadinha: a chuva é cada vez mais intensa e concentrada, o que é ruim para cidades, humanos e para o solo. Isto é especialmente verdadeiro para a região da Campanha, onde os areais assombram a população há tempos. Não, não se trata de um deserto nascendo na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Porém, os regimes de chuvas intensas, intercalados com períodos de estiagem, resultam nesta arenização, que remete ao Saara ou ao Atacama.

Como tantos outros processos naturais, tal arenização está sendo intensificada pela mudança climática. A conclusão é do pesquisador Fabio Sanches, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que analisou quase um século de registros pluviais da região e percebeu que há uma intensificação na frequência e magnitude dessas chuvas.

E há mais nuvens a caminho: a partir de projeções feitas considerando um cenário intermediário de emissão de gases do efeito estufa, ele constatou que de 2011 a 2099, a região dos areais pode ver um incremento na ordem de 52,4 milímetros para os meses de janeiro, 72,8 milímetros para março e 52,2 milímetros para outubro. É a receita perfeita para favorecer a dinâmica de arenização natural.

As mudanças que têm ocorrido nas condições climáticas não são tão imediatas. Você não vai dormir em uma condição e acordar em outra”

Fabio Sanches, pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Mas de onde vem tanta água? “Vem da Amazônia. E daí você tem que ir lá para o Norte e entender a relação que ocorre na floresta, da circulação atmosférica, e o transporte dessa umidade pelos ventos, os chamados jatos de baixos níveis, popularmente conhecidos como os rios voadores”, explica Fabio.

Como num efeito dominó, o desmatamento da Amazônia piora o cenário da mudança climática de inúmeras formas. Há o carbono liberado pelas árvores queimadas e o carbono que elas deixam de consumir uma vez mortas. A floresta desmatada também deixa de capturar a umidade do Atlântico, impactando o regime de chuvas de todo o sudeste da América do Sul. E, quase sem perceber, é algo que já estamos registrando há mais de 40 anos no estado.

Fonte: Ana Paula Assumpção Cordeiro; 2010

“Quando você fala em mudança do clima, o senso comum leva a crer que você vai abrir uma porta e estar em outro ambiente”, comenta Fabio. “As mudanças que têm ocorrido nas condições climáticas não são tão imediatas. Você não vai dormir em uma condição e acordar em outra”, ressalta. Ou seja, as transformações já estão em curso, e as escolhas que tomamos hoje impactam o quão distópico será o amanhã.

A Campanha, no entanto, não é a única região que está sofrendo com dias em que chove o esperado para um mês inteiro. No extremo leste do estado, a pesquisadora Venisse Schossler, do Centro Polar e Climático da UFRGS, também se preocupa com estes níveis de precipitação intensa. Em parte, pelos desastres em potencial que eles carregam consigo; e, também, porque eles acabam mascarando certos dados.

Ao analisar o impacto das mudanças climáticas na região Costeira do Rio Grande do Sul, a pesquisadora constatou que tanto o litoral médio quanto o sul estão entrando em períodos de estiagem, potencializados por processos como o La Niña e a Oscilação Antártica positiva. Ora, o clima do estado sempre esteve suscetível a essa dinâmica — com o El Niño sendo uma figurinha carimbada na hora da previsão do tempo na TV. Mas a amplificação de ambos os ciclos, à medida que o Oceano Pacífico se aquece, preocupa. Principalmente quando o resultado são secas prolongadas, como Venisse constatou.

“A gente tem uma intensificação desses El Niños e La Niñas a partir da metade da década de 1980, tem a Oscilação Antártica em fase positiva preponderantemente há 50 anos. Então, realmente, caminhamos para um período de maior estiagem na nossa região”, explica a pesquisadora. “Mas por que não percebemos isso nos nossos volumes de precipitação? É porque temos eventos de precipitação extremos em contrapartida, como constatamos em nosso laboratório”, esclarece.

Assim, estamos caminhando para um ciclo em que dias de falta d’água serão intercalados com dias em que a água desce em cidades como em um novo dilúvio.

DESASTRES NÃO NATURAIS

Para onde vai tanta água? Principalmente, para a conta dos desastres nem tão naturais. Karina Lima, doutoranda também do Centro Polar e Climático da UFRGS, concluiu que o estado teve cerca de R$11,436 bilhões de prejuízo entre 2011 e 2018 por causa dos eventos causados por tempestades e elevados índices pluviométricos. E a tendência, ela avisa, é piorar.

“Por mais que eventos extremos sempre tenham existido, o aquecimento global aumenta sua probabilidade de ocorrência”, explica Karina. “Alguns relatórios já observam mudanças nos padrões desses fenômenos severos ao redor do mundo, como a maior quantidade de eventos de chuvas intensas e secas em algumas regiões.”

Analisando a série histórica de 1972 a 2015, a gestora ambiental Stefania Hoff Ambos identificou pelo menos 132 eventos climáticos no Litoral Médio do Rio Grande do Sul que causaram efeitos desastrosos. Como esperado, a frequência deles vem aumentando nas últimas décadas, assim como o número de municípios atingidos.

Fonte: Stefania Hoff Ambos; 2016 (adaptado)

Estes eventos têm consequências diferentes. As chuvas intensas, por exemplo, foram identificadas por Karina como os desastres que mais causaram prejuízos econômicos, junto às enxurradas e inundações. Nossas cidades simplesmente não estão preparadas para receber volumes de água tão grandes, e as comunidades mais pobres tendem a ser as mais atingidas — o que coloca essas catástrofes duplamente em nossa conta.

“O Rio Grande do Sul está localizado em uma região favorável a condições de tempo severo devido a características de sua geomorfologia e circulação atmosférica. Mas o desastre, mesmo quando considerado ‘natural’, só ocorre se houver uma vulnerabilidade. Se um tornado, por exemplo, não causar danos humanos, materiais ou ambientais, ele não será considerado um desastre”, explica a pesquisadora.

NOITES QUENTES, DIAS MAIS QUENTES AINDA

O aquecimento global não vai deixar de aquecer o Rio Grande do Sul, apesar de o estado ter uma situação bem mais confortável que o resto do Brasil. Confortável, aqui, é um termo relativo: num cenário otimista, vamos ver um aumento ameno, capaz até de diminuir algumas calamidades geradas pelos meses frios; num cenário pessimista, em que seguimos emitindo carbono como se nada estivesse ocorrendo, acabamos com até 3°C extras na temperatura média regional.

Já temos mais noites quentes hoje do que há 30 anos, e as temperaturas mínimas sobem, ao passo que os dias com registro de geada diminuem. As temperaturas máximas ainda se mantêm perto do que conhecemos, mas a média sobe e a amplitude térmica é cada vez menor.

Nas nove décadas que separaram 1913 de 2003, por exemplo, o estado registrou um aumento da temperatura mínima média anual de 0,16 °C a cada 10 anos. O que parecia pouco, se transformou em um aumento médio de 1,5º C em menos de um século. Na temperatura média anual, pesquisadores apontam que passamos de 18,6ºC para 19,1ºC no curto período de 1961 a 2006 — e a tendência é continuar subindo. Aos poucos, deixamos o clima temperado para trás.

Até chegarmos a 45,72⁰C em Porto Alegre. Essa é a temperatura que a capital pode estar registrando no final do século, aponta uma pesquisa na pós-graduação em desastres naturais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As projeções, feitas a partir de modelos climáticos do Hadley Centre, centro de estudos do Reino Unido, tomando um cenário em que nada seja feito para diminuir as emissões de gases, ainda sentenciam a cidade a um aumento das ondas de calor cada vez mais intensas e duradouras.

A preocupação não é apenas com o futuro: o mesmo estudo expõe que tivemos um aumento vertiginoso dessas ondas nos últimos anos. Após 50 anos com no máximo quatro ondas de calor por década, pelo menos 11 fenômenos foram registrados entre 2010 e 2018 em Porto Alegre.

Não há uma definição unânime para as ondas de calor, que de modo geral descrevem um período prolongado de tempo excessivamente quente para determinada estação do ano. Nesta análise, foi seguida a descrição da Classificação e Codificação Brasileira de Desastres, segundo a qual uma onda de calor requer no mínimo três dias consecutivos com temperaturas 5°C acima dos valores máximos médios para a época.

Representação visual da temperatura média no RS | Fonte: Ed Hawkins, University of Reading (adaptado)

Depois da publicação da pesquisa da UFSC, Porto Alegre chegou a ser a capital mais quente do país, com 38,9°C, em dezembro de 2019. Em março de 2020, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) alertava para uma nova onda de calor, também passando dos 38º C. E, em novembro, os termômetros chegaram a 37,7º C na Grande Porto Alegre — a temperatura mais alta para o mês desde 2012. Se os casos isolados não seriam necessariamente um indício de mudança climática, o aumento na frequência deles é inquietante.

Mais do que isso: pensar que essas ondas resultam apenas em alguns dias desconfortáveis de suor é ingenuidade. Estima-se que ao menos 70 mil pessoas morreram na onda de calor mais memorável dos últimos anos, durante o verão de 2003 na Europa, quando muitos idosos perderam a vida sozinhos, dentro de suas casas, devido ao clima.

Mas como se morre de calor? Um estudo publicado no periódico Circulation: Cardiovascular Quality and Outcomes, no ano de 2017, elenca pelo menos 27 diferentes formas pelas quais altas temperaturas levam um ser humano à morte. O calor, os pesquisadores demonstraram, é capaz de desencadear pelo menos cinco mecanismos fisiológicos (isquemia, citotoxicidade ao calor, resposta inflamatória, coagulação intravascular disseminada e rabdomiólise), capazes de afetar criticamente pelo menos um entre sete órgãos vitais (cérebro, coração, intestinos, rins, fígado, pulmões e pâncreas).

MOSQUITOS, DOENÇAS E FOME

Há bem mais do que 27 maneiras de morrer por causa da mudança climática. Além dos impactos diretos já vistos, como das ondas de calor, ainda há um sem número de efeitos indiretos, que passam da poluição do ar à ameaça da fome.

Uma das preocupações no Rio Grande do Sul é o aumento da incidência de certas doenças antes refreadas pelo frio, como é o caso da dengue. Lembra do El Niño? Os pesquisadores Erika Collischonn, Vincent Dubreuil e Francisco Mendonça conseguiram relacionar o aumento da transmissão comunitária de dengue no estado com os ciclos positivos do fenômeno.

Ou seja, à medida que os termômetros sobem junto ao volume de chuvas, o Rio Grande do Sul se torna cada vez mais receptivo ao Aedes aegypt — o mosquito mais famoso do Brasil, transmissor também do vírus de zika e chikungunya. Lembra das projeções de aumento na temperatura média e das chuvas no Rio Grande do Sul? O Aedes vai se sentir em casa.

Quem não estará tão confortável são os agricultores — e todos a quem eles alimentam. Durante a vida na cidade, pode ser fácil esquecer, mas o clima é o fator ambiental chave no desempenho do setor agrícola ano a ano. E, cada vez que uma longa estiagem ou calor fora de época impactam a produção, os efeitos são sentidos na mesa de todos. Será difícil esquecer essa relação se os desastres aumentarem e as produções diminuírem.

A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para os riscos que a sociedade corre quando as lavouras de alimentos básicos são prejudicadas pela mudança climática, o que pode levar populações inteiras à desnutrição e até à morte pela fome. Na terra onde um dia “tudo que se plantava crescia”, não será diferente, com os impactos econômicos na esteira da insegurança alimentar.

Com aumento da temperatura média global em 3ºC, já não haverá mais possibilidade de plantio de soja no Rio Grande do Sul, alertam projeções da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Até em um cenário mais otimista, com apenas 1ºC de aquecimento, as perdas são expressivas, segundo dados do fascículo Desafios do Clima.

Também observando dois cenários possíveis, um pessimista e outro intermediário, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta, para toda a Região Sul, perdas na área de plantio do milho, milho safrinha, arroz, feijão, algodão e trigo, devido às mudanças climáticas.

Fonte: Assad et al.; 2016 (adaptado)

Mesmo o futuro da salada de fruta não é promissor: uva, maçã, pêssego e quivi são algumas das espécies que exigem horas e mais horas de frio para se desenvolver. Com temperaturas mínimas cada vez mais elevadas, pesquisadores da Embrapa projetam tempos difíceis pela frente para os mais de 20 mil hectares de pomares gaúchos cultivados com espécies frutíferas que dependem do inverno para “florescer”.

O que ainda pode mitigar parte dos impactos agrícolas, se as mudanças climáticas não forem refreadas, é a adaptação tecnológica e a migração de culturas. Do café arábica à cana-de-açúcar, é possível vislumbrar um futuro em que as lavouras gaúchas sobrevivam, mas com uma nova paisagem como emblema do estado. O custo econômico e social, no entanto, não será barato.

Arte: Clara Santi

E AGORA?

Eis uma resposta que os cientistas ainda não possuem. Adaptação, no entanto, parece surgir como um caminho possível. “Nós, como pessoas normais de carne e osso, temos pouco poder de interferir. Nós temos que nos adaptar. Temos que nos preparar para ser o mais resiliente possível. Então, vamos tentar ser resilientes, vamos tentar nos adaptar”, reflete o professor Fabio.

“Tentar”, veja bem, é a palavra-chave. Ecoa, na fala de todos os pesquisadores, alguma descrença em nossa capacidade de reagir à emergência climática. Integrante do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, Vaneza Pereira recorda que não há nada de novo no front: “Há mais de 50 anos os cientistas discretamente, no início, vem alertando para essas questões ambientais e climáticas, e pouco se avançou no sentido de obter resultados efetivos a esses alertas”. A professora Maíra tem questionamentos similares: “Por que não levamos a sério? Por que não mudamos?”.

Do negacionismo da ciência à conveniência de ignorá-la, não há uma resposta simples à questão, que ainda passa por interesses econômicos e políticos de diferentes corporações e nações. “Quem fica negando que há mudanças no clima é por vários aspectos. Não pense que é só econômico. É ideológico, é religioso. Para muitas pessoas é difícil aceitar que toda a ação não é de Deus. Falta conhecimento”, pondera o professor Jefferson Simões, vice-presidente do Comitê Internacional sobre Pesquisas Antárticas.

Por isso, pesquisadores como Venisse acreditam que é essencial seguir tentando alertar o público. “Qual é o nosso papel como cientista? É divulgar isso de uma maneira acessível. Vamos ter pessoas que nunca vão nos ouvir, que aquela porta está fechada em definitivo, não é? E vão ter aquelas que aos poucos talvez nos acompanhem nessa jornada”, conclui.

Ela não está sozinha. A doutoranda Karina decidiu começar um projeto de divulgação científica no Twitter relacionado à área de climatologia, enquanto Maíra publicou livros infantis como Tudo por causa do pum?, em que um grupo de vacas explicam as causas do aquecimento global. Para Fabio, trata-se de um “trabalho de formiguinha”: “Não é um trabalho de convencimento. É um trabalho de demonstração”.

O QUE PODEMOS FAZER HOJE

“Deveríamos ter consciência de quanto emitimos de carbono com as nossas escolhas. Desde que acordamos até a noite, cada ação nossa está emitindo carbono, então porque não haver uma educação para o clima para as pessoas se perceberem como os responsáveis pelo problema?”, pergunta Vaneza.

Afinal, ninguém é uma ilha, e mesmo as ilhas precisarão enfrentar as mudanças climáticas. A escolha entre carne vermelha ou vegetais, transporte público ou uma viagem de carro, um item local ou um importado, impactam diretamente nessa pegada de carbono que deixamos para trás e no futuro que encontraremos lá na frente. Assim como a decisão de consumir menos, apoiar marcas sustentáveis e produtores regionais.

“Um carbono que foi lançado no finalzinho do século 20 ainda está circulando aqui”, ressalta Fabio, apontando o caráter persistente de nossas escolhas desde já. Do reflorestamento a uma agricultura mais eficiente, passando por novos hábitos de consumo, o professor ainda defende que as medidas de contenção à emergência climática precisam vir de todos os lados. “Não é só o esforço de um. É o esforço de um grande coletivo.”

Karina argumenta que também são necessárias soluções para as mudanças que já estão em curso: “Precisamos, urgentemente, repensar nossas cidades, melhorando o saneamento básico, despoluindo corpos aquáticos e respeitando suas áreas marginais”. Ela apoia a concepção de novos planos diretores e políticas públicas atentas às novas necessidades da população.

“Cedo ou tarde nós vamos tomar essas decisões. O que nós estamos fazendo é postergando decisões sérias que, se tomadas adiantadamente, facilitariam a mitigação do impacto das mudanças climáticas”, afirma Jefferson. Uma solução seria uma revolução pelas urnas, como propõe Venisse: “O processo eleitoral, principalmente do legislativo, é um amparo muito grande nessa luta que a gente tem que travar diariamente”. De vereadores a senadores, os representantes de todas as câmaras têm uma voz importante na discussão das políticas ambientais.

“Nós vamos pagar muito caro, mas, no final, teremos que encontrar uma solução mesmo, por sobrevivência”, especula Jefferson. “Essa solução pode ter uma parte tecnológica, eu acredito que a ciência possa dar uma solução, mas ela é parcial. Porque, se não houver mudança no padrão de consumo e no que nós queremos fazer, não adianta.”

Ou seja, não existe uma saída mágica para as mudanças climáticas, mas há escolhas pela frente. Não somos uma estirpe condenada a 100 anos de solidão sobre a Terra, mas uma espécie capaz de vislumbrar o futuro e de enfrentá-lo, preparada. As projeções estão postas, é hora de agir. Não ignore as luzes de emergência ligadas.

Arte: Tábata Costa

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