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Mundo precisa quadruplicar esforços para conter mudanças climáticas, diz estudo

Para evitar um aumento ainda maior da temperatura média global e cumprir seus compromissos climáticos, os países precisam fazer quatro vezes mais esforços e em menos tempo do que o imaginado anteriormente, segundo análise publicada nesta quarta (4), na revista Nature.

A necessidade de ações mais drásticas se dá em parte por conta do aumento de emissões ao invés da redução planejada nos últimos anos. Entre 2008 e 2018, as emissões cresceram 14%.

Em 2010, planejava-se conter o aumento médio da temperatura global em até 2ºC. A partir do Acordo de Paris, em 2015, passou a se ambicionar não ultrapassar os 2ºC e, preferencialmente, ficando no 1,5ºC de crescimento até o fim do século.

Os autores do artigo afirmam que, levando isso em conta, em 2010 considerava-se necessária uma diminuição anual de emissões, até 2040, de 2%. O cenário atual mostra que isso não é mais suficiente e que o mundo precisa diminuir suas emissões em 7% ao ano, até 2030, para conseguir manter o planeta no caminho para um aumento de temperatura de 1,5°C até o fim deste século.

A necessidade de cortar agora para que não haja aumento no futuro um pouco mais distante ocorre porque as emissões continuam a ter efeito a longo prazo. Ou seja, mesmo que se interrompa totalmente agora a emissão de gases-estufa, o planeta continuará aquecendo.

Para chegar a essa conclusão, os autores utilizaram o relatório Emissions Gap produzido pelo braço ambiental da ONU e que coloca na balança os compromissos e as ações reais que os países tomaram em relação às suas emissões.

“Os países não estão fazendo aquilo que deveriam”, diz Roberto Schaeffer, de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e um dos autores do artigo.

O Brasil, inclusive, é um dos exemplos negativos, junto com a Indonésia e com os EUA (que declarou que deixará o Acordo de Paris e já iniciou o processo isso). Mesmo em crise econômica nos últimos anos, as suas emissões cresceram. E o grande responsável por isso é o desmatamento, que, em 2019, bateu o recorde da última década e teve o maior aumento percentual desde 1998 (e é o terceiro maior da história).

O governo Bolsonaro respondeu ao acentuado aumento afirmando que o desmatamento é cultural e não acabará. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, afirmou que o desmatamento ilegal zero não deve ser alcançado.

Com o crescimento do desmatamento, Schaeffer teme que o Brasil poderia, inclusive, não cumprir sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), o compromisso autodeterminado, firmado na assinatura do Acordo de Paris, de diminuição de emissões. O país se comprometeu a reduzir, até 2025, 37% de suas emissões e, até 2030, 43%, ambos os dados com base nas emissões de 2005.

A possibilidade de não cumprimento se torna ainda mais marcante pelo fato de que os compromissos de redução são pouco ambiciosos, considerando o cenário de baixo crescimento econômico atual, são “quase não fazer nada”, diz Schaeffer.

Em 2009, pela Política Nacional sobre Mudança do Clima, o Brasil também se comprometeu a reduzir, até 2020, suas emissões em 36% a 39%. Pesquisadores do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), projeto do Observatório do Clima, com projeções para as emissões de 2020 e, mesmo considerando a tendência de aumento do desmatamento apontada pelos dados do Deter, do Inpe, estimam que o Brasil deve chegar perto de cumprir essa meta.

Mas a meta de redução de 80% do desmatamento na Amazônia, considerando a média entre os anos de 1996 a 2005, não deve ser alcançada.

O pesquisador da Coppe/UFRJ também está preocupado com a COP26, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, na qual os países devem apresentar novas NDCs mais ambiciosas do que as atualmente em prática.

“Não estamos vendo grande movimento do governo brasileiro para preparar uma NDC”, diz Schaeffer. “A questão da mudança climática no Brasil ou perdeu totalmente a importância ou de fato há céticos no governo que questionam se ela existe ou não. Não tenho a menor ideia do que o Brasil vai apresentar, se é que vai apresentar alguma coisa. Gostaria de me surpreender se o país apresentasse algo bom, digno, ambicioso. Mas não me parece que vai acontecer. Espero estar enganado.”

Fonte: Folha Press

A crise das cidades e o fim da independência do Brasil

Sem resolução das crises urbanas, sem adaptação da gestão urbana às novas condições ambientais planetárias, não sobreviverá a soberania nacional. Estamos vivendo um constante estado urbano de emergência.

Tanto se esfacelam as qualidades “abstratas” da vida brasileira — liberdade, democracia, diálogo, racionalidade — como destróem-se as condições físicas para que tais princípios possam se desenvolver e ampliarem-se, criando ciclos de prosperidade duradoura.

Àquilo falado e expressado corresponde um modo de vida e de convivência.

A forma territorial brasileira está se deteriorando velozmente. Abandonamos o ciclo da industrialização, entramos na era dos serviços, sem contudo produzir cidades eficientes o suficiente para assegurar o pleno desenvolvimento do capital humano, condição sine qua non para existir com autonomia na era da informação.

Não haverá soberania brasileira sem cidades boas.

Um urbanismo de base universal é necessário: habitação, saneamento, segurança, mobilidade, espaço público. Ou seja, direito à cidade, conceito presente em toda a legislação nacional e repetido à exaustão inclusive em documentos internacionais onde o Brasil é sempre signatário e líder.

Por que não implementamos o que pregamos?

A perda de independência futura da sociedade brasileira deveria preocupar nossos representantes e líderes, mas negar a realidade e prometer mundos irreais é a prática comum entre fundamentalistas à esquerda e à direita.

A crise climática impõe desafios cada vez maiores a todos e custos inviáveis para uma sociedade que não consegue enriquecer com tecnologia, ou inovação, ou serviços. Nem a informalidade econômica consegue ser vencida para pelo menos contarmos com impostos, uma invenção da era moderna. Pior, o porto seguro aparente das commodities será tanto destruído por catástrofes ambientais, como Brumadinho prova; cada vez mais produtos sem origem sustentável serão boicotados por compradores, como respondeu o mercado europeu aos incêndios na Amazonia; e novos competidores surgirão, como revela a construção de uma nova rede logística pela China, conectando-a mais eficientemente ao continente africano, futuro celeiro do mundo. Mas em Davos, o inteligente Ministro da Economia diz que o pior inimigo do meio ambiente é a pobreza. Não, é a ignorância.

Enquanto o novo ano anuncia o retorno da corrida espacial, o Rio tem água podre saindo das torneiras, Belo Horizonte enfrenta inundações e a pequena Iconha, no estado do Espirito Santo, é arrasada por enxurrada de lama.

Nem o ciclo da água, conteúdo no ensino fundamental, parece fazer sentido para lideranças políticas cada vez mais abraçadas ao messianismo ideológico e analfabetos das leis da física que regem o universo.

A gravidade não tem ideologia.

Ela acelerará a massa dos corpos de famílias encosta abaixo em direção à morte, uma condição natural relativa, pois até cadáveres adubam a terra, e metafisicamente absoluta, seja qual for a sua crença religiosa. Contudo os corpos pobres e pretos são os preferidos da gravidade. E a repetição da história escravista parece ser uma constante universal no Brasil.

O eterno urbanismo em estado de emergência vigente no país inviabilizará nossa democracia.

Corpos hídricos são ocupados por assentamentos informais pois a gestão da terra urbana é feita de modo medíocre pelos municípios, onde técnicos não podem se opor aos conluios que elegem vereadores e prefeitos. Leis e planos são feitos mas não executados. Obras de mobilidade para a Copa de 2014 baterão recorde de abandono na Copa do Qatar. Habitação social é ignorada por políticos progressistas ou autoritários. Único tema onde os radicais do espectro político concordam: favela é solução. O “slogan” mais conveniente para a omissão pública.

País tropical, abundante em águas e matas, o Brasil insiste no asfaltamento de ruas como realização de prefeitos medíocres. Rios convertidos em canais de concreto, lagoas em latrinas de bairros ricos e baías em paisagens fétidas. Árvores caem e nunca são plantadas. Arborização urbana inexiste e ilhas de calor transformam as cidades em fritadeiras humanas.

As rotineiras imagens de carros afundando em enchentes são como carrascos atacados pelas vítimas no cadafalso de concreto armado.

No Brasil, com a maior taxa de urbanização do mundo e com uma sociedade que acredita na positividade da vida urbana, nem pequenas cidades oferecem mais o bucólico como podem nos dizer os 13.860 iconhenses.

Enquanto cariocas com diarréia sofriam o governador Witzel celebrava o rato Mickey. Poderia ter aproveitado para estudar como Walt Disney fez o planejamento urbano dos seus parques preocupado com o futuro e inspirado por cidades projetadas utópicas como Brasilia. Poderia até se lembrar do Plano Metropolitano do Rio, abandonado.

Seu correspondente paulista faz propaganda que São Paulo é um “Estado Nação” mas parece ignorar o alto percentual de favelas daquela unidade da federação, ou a desigualdade de oportunidades da capital como mostra o estudo recente do IPEA, fruto de planejamento urbano tacanho e investimentos em mobilidade piores ainda. Mas ele pode contar com helicópteros e jatinhos, como mostrou recentemente a Folha de São Paulo.

Nitidamente a anemia urbana pós redemocratização do Brasil pariu uma geração disfuncional de políticos, que circulam em espaços privados com desenvoltura, mas ignoram a realidade comum do povo no espaço público.

Por que não melhoraram as cidades brasileiras depois de boas leis urbanas?

Porque fazer leis perfeitas é manifestação de uma democracia abstrata, enquanto melhorar a realidade urbana é a marca de sociedades concretas.

Lideranças oriundas de partidos comprometidos historicamente com a Reforma Urbana, como o PT, ignoraram o tema quando no poder por quase 15 anos. O Minha Casa Minha Vida não apenas torrou uma fortuna de mais de 400 bilhões de reais — são necessários 508 bilhões para universalizar os serviços essenciais de saneamento, segundo o instituo Trata Brasil — como aumentou a expansão das cidades e por consequência da necessidade de infraestrutura e de mobilidade. Os repetidos casos de controle de conjuntos habitacionais por bandidos ou milicianos, pelo país inteiro, mostra a decadência urbana em sua forma mais aguda. O programa federal entretanto foi muito bom para a construtora MRV cujo dono que investe agora no mais novo canal de notícias, o CNN Brasil.

O espraiamento urbano financiado pelo Estado tem como consequência indireta um veículo de mídia que noticiará a violência social das periferias produzidas pelo Estado. É muita pós-modernidade.

Este é um mistério brasileiro que precisa mais atenção e dedicação, de todos. Especialmente de quem se sente responsável pelos rumos do país.

A dissolução das cidades em terrores de existência urbana está alimentando práticas políticas nefastas no momento, como o discurso nazista do secretário nacional de cultura, mas em breve implicará no esfacelamento dos fundamentos da vida em comum, onde ataques com coquetel molotov serão apenas uma memória pequena diante de brutalidades maiores.

Uma sociedade independente e autônoma precisa de uma forma urbana correspondente.

Conservar e melhorar as cidades brasileiras é uma agenda nacional crítica e estratégica.

Uma política habitacional de médio e longo prazo, a ampliação dos espaços públicos, a reabilitação dos centros históricos brasileiros com moradias, o equacionamento dos desafios de mobilidade metropolitana, a universalização do saneamento e a conservação dos recursos naturais, com manejo coerente e inovador das águas e matas tropicais, podem se converter em uma agenda econômica abrangente, atraindo capitalistas brasileiros, acolhendo talentos técnicos experientes e jovens, empregando operários, criando novos negócios, com prosperidade inclusiva e diversa. Permitiria a adoção de tecnologias novas, mesmo que primeiro por importação, mas depois por pesquisa e desenvolvimento local, se os centros de conhecimento olharem também para a vida prática nacional com atenção, produzindo mais fatos e dados quantitativos.

Ou seja, consertar a experiência urbana do Brasil, uma das mais antigas das Américas, pode também corrigir a qualidade da nossa democracia, aumentando a nossa soberania e, quem sabe, fazendo um jardim na Terra, enquanto outras sociedades buscam respostas no espaço sideral.

Precisamos de vontade genuína para renovar as cidades brasileiras, unindo-as à natureza, com a sabedoria dos povos originais, integrando e criando oportunidades para todos, evitando a ruína de um povo por uma urbanização insensível e destruidora da vida humana e da natureza.

A democracia é um lugar real. Sem lugares bons e justos é só um sonho. Ou pesadelo.

Washington Fajardo
Harvard GSD Loeb Fellow’19
DRCLAS Visiting Researcher