A votação do Projeto de Lei 576/2021, que estabelece o marco regulatório da geração de energia eólica offshore, foi adiada novamente na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) do Senado Federal. O texto, relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), enfrenta forte resistência de senadores da base do governo, especialmente por conta dos artigos que fornecem subsídios aos geradores fósseis de energia.
Um dos pontos mais polêmicos é o Artigo 23, que inclui um “jabuti legislativo”, beneficiando diretamente o setor de carvão mineral da Região Sul do Brasil, especialmente a UTE Candiota III, localizada no estado do Rio Grande do Sul. A medida, prevista para votação nesta terça-feira (3), será revisada após o pedido de vista do senador Otto Alencar (PSD-BA), líder do governo na Casa.
Dentre os “jabutis” inseridos no texto do PL 576/2021 pelo lobby do carvão, o Instituto Internacional ARAYARA destaca os subsídios previstos até 2050 para a compra de carvão mineral da CRM, estatal gaúcha com histórico de multas ambientais e processos de corrupção, que abastece 100% a UTE Candiota III, da Âmbar Energia. Esta é apenas uma das usinas beneficiadas diretamente por este projeto de lei, que poderá causar um aumento de 11% na conta de luz dos consumidores brasileiros, que já enfrentam uma das maiores tarifas do mundo.
Atualmente, o Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR) da UTE Candiota III, localizada em Candiota (RS), está previsto para expirar em 31 de dezembro de 2024. Caso o PL 576/21 seja aprovado, a partir de 1º de janeiro de 2025, essa termelétrica passará a se beneficiar da extensão contratual prevista no inciso I do § 4º do Artigo 23 do PL das Offshore, garantindo, assim, por mais 25 anos, o acesso a subsídios de aproximadamente R$ 3,5 bilhões, que serão financiados pelos consumidores brasileiros por meio da conta de luz. Isso equivale, na prática, a um “décimo terceiro” destinado à queima de carvão mineral para a geração de energia elétrica de forma ineficiente e poluidora.
Vale destacar que, mesmo enfrentando problemas técnicos e permanecendo inativa entre abril e setembro de 2024, a termelétrica de Candiota III ainda recebeu mais de R$ 78 milhões em subsídios provenientes da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Esses recursos foram destinados à compra de carvão mineral”, ressalta John Wurdig, Engenheiro Ambiental Pesquisador Técnico e Científico do Instituto Arayara.
Debate no Senado e próximos passos
Durante a sessão, o senador Otto Alencar destacou a necessidade de revisar os subsídios previstos no PL, especialmente aqueles relacionados às usinas térmicas. Eduardo Braga (MDB-AM), também alinhado ao governo, apoiou o pedido de adiamento, mesmo sem estar presente na sessão.
O relator, Weverton Rocha, embora contrário ao adiamento, afirmou que está disposto a dialogar com os parlamentares para ajustar o texto final. Segundo Alencar, a exclusão dos artigos que tratam de incentivos às térmicas (21 a 24) será prioridade nas discussões.
Além disso, há esforços para incluir no texto demandas de outros setores, como os pescadores, que seriam impactados por empreendimentos offshore. Organizações como a ARAYARA, que lidera campanhas contra os subsídios ao carvão, avaliam positivamente a possibilidade de exclusão dos incentivos às térmicas no relatório final.
Impactos sociais e econômicos
Um levantamento realizado pelo Instituto Internacional Arayara revelou que a Companhia Riograndense de Mineração (CRM), estatal gaúcha vinculada à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, acumulou 24 multas ambientais emitidas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (FEPAM) nos últimos seis anos.
Os autos de infração aplicados à mineradora somam mais de R$ 1,1 milhão. Apesar disso, a empresa estatal do governo gaúcho continua fornecendo mensalmente 150 mil toneladas de carvão mineral para a Usina Termelétrica (UTE) Candiota.
A ARAYARA alerta que esta é a terceira tentativa do lobby do carvão mineral na Região Sul do Brasil de incluir “jabutis” em Projetos de Lei. Um exemplo recente foi o Projeto de Lei nº 4.051/23, que tramitou na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. O PL, de autoria do deputado Bibo Nunes (RS), buscava incluir empreendimentos a carvão mineral do Rio Grande do Sul no Programa de Transição Energética Justa. No entanto, o relator, deputado Benes Leocádio, emitiu parecer contrário, rejeitando a proposta.
“A nova discussão sobre o PL 576/21 será decisiva para definir se o Senado optará por um modelo energético mais sustentável ou pela perpetuação de subsídios ao carvão mineral”, completou Wurdig.
“Investindo no Caos Climático”, plataforma pública que monitora os investimentos em combustíveis fósseis em todo o mundo, recebeu sua atualização anual, demonstrando a participação de mais de 7.500 investidores globais, comprometidos com obrigações ou ações de empresas de combustíveis fósseis que somam 4,3 trilhões de dólares. Valor é maior do que o PIB de países como Reino Unido, França ou Itália.
A plataforma Investing in Climate Chaos (“Investindo no Caos Climático”, em tradução livre) revela as participações em combustíveis fósseis de mais de 7.500 investidores institucionais em todo o mundo. Os dados de investimento foram atualizados em maio de 2024 e mostram que os investidores detêm atualmente 4,3 trilhões de dólares em obrigações e ações de empresas de combustíveis fósseis.
Maiores investidores da indústria mundial de petróleo e gás
Segundo a pesquisa, os quatro maiores investidores do mundo em combustíveis fósseis estão sediados nos EUA. Em primeiro lugar está a empresa de fundo de investimento Vanguard, com participações em carvão, petróleo e gás no valor de 413 bilhões de dólares.
Em segundo lugar está a maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock, com investimentos em combustíveis fósseis de 400 bilhões de dólares.
O terceiro maior investidor em combustíveis fósseis é a State Street, com US$ 171 bilhões. É seguido de perto pelo Capital Group, que detém 165 bilhões de dólares em empresas de carvão, petróleo e gás.
Coletivamente, estes quatro gestores de ativos detêm e gerem investimentos em combustíveis fósseis no valor de 1,1 bilhão de dólares.
Além dos EUA (US$ 2,8 trilhões), Canadá (US$ 254 bilhões), Japão (US$ 168 bilhões), Reino Unido (US$ 152 bilhões), Índia (US$ 115 bilhões), China (US$ 87 bilhões), Noruega (US$ 86 bilhões), Suíça (US$ 80 bilhões), França (71 bilhões de dólares) e Alemanha (70 bilhões de dólares) formam o grupo dos 10 primeiros países de onde saem os responsáveis por 91% dos investimentos na indústria de combustíveis fósseis detectados no estudo. Só os investimentos dos EUA representam 65% do total de investimentos em empresas de combustíveis fósseis.
Os trilhões das empresas produtoras de combustíveis fósseis
São 2.048 produtores de combustíveis fósseis entre as 2.928 empresas de combustíveis fósseis que estão no escopo desta pesquisa. Essas empresas produtoras de combustíveis fósseis estão explorando novas reservas de petróleo e gás ou planejando construir novas infraestruturas de combustíveis fósseis, tais como oleodutos, terminais de GNL ou centrais elétricas alimentadas a carvão e gás.
De acordo com os dados, quase 4 trilhões de dólares dos investimentos institucionais identificados são em empresas produtoras, que estão a desenvolver novos ativos de combustíveis fósseis.
Muito em petróleo e gás, ainda muito em carvão
Esta pesquisa abrange as empresas incluídas na Lista Global de Saída de Carvão (GCEL) e na Lista Global de Saída de Petróleo e Gás (GOGEL), ambas monitoras pela Urgewald*.
Carvão
Em Maio de 2024, 5.260 investidores institucionais ainda detinham obrigações e ações de empresas do carvão que totalizavam 1,2 bilhões de dólares.
Mais de 95% das empresas na Lista Global de Saída de Carvão, o GCEL, não conseguiram definir uma data de saída do carvão e 40% ainda planejam desenvolver novos ativos de carvão.
Petróleo e Gás
7.245 investidores institucionais ainda investiram numa indústria de petróleo e gás, com um valor total de 3,8 bilhões de dólares.
A Lista Global de Saída de Petróleo e Gás, o GOGEL, mostra que 96% dos produtores de petróleo e gás estão a explorar e desenvolver novas reservas de petróleo e gás e que a indústria aumentou as suas despesas de capital anuais na exploração de petróleo e gás em mais de 30% desde 2021.
Crise Climática e os combustíveis fósseis
Inundações gigantescas, furacões catastróficos, incêndios devastadores e horríveis ondas de calor estão acontecendo em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os investidores obtêm lucros gigantescos investindo em empresas de combustíveis fósseis que estão a causar exatamente esta crise climática.
Na COP 28, em Dubai, a comunidade internacional concordou em fazer a transição dos combustíveis fósseis. Em Maio de 2024, contudo, mais de 7.500 investidores institucionais ainda detinham obrigações e ações de empresas do carvão, do petróleo e do gás, alcançando o valor de 4,3 trilhões de dólares.
2024 é o ano do financiamento climático. Foi o tema número um na reunião das Nações Unidas sobre o clima em Bonn, na Alemanha, em Junho, e continuará a ser na COP 29 em Baku, Azerbaijão, em Dezembro. Mas os dados mostram que o financiamento climático ainda é uma pequena parcela em comparação com a onda gigantesca de bilhões que os investidores continuam a canalizar para a indústria dos combustíveis fósseis.
2024 precisa se tornar o ponto de virada, o ano em que os bancos centrais e os reguladores finalmente agirão de acordo com o Artigo 2.1(c) do Acordo de Paris e tomarão medidas para garantirem que os fluxos financeiros estejam alinhados com o Acordo de Paris, em vez de serem confrontados por ele. Os investidores institucionais precisam começar a transferir bilhões para impulsionar a transição energética e não para alimentar a expansão dos combustíveis fósseis.
Sobre a ONG por trás do estudo “Investindo no Caos Climático”
*Urgewald é uma organização ambiental e de direitos humanos sem fins lucrativos, com sede na Alemanha. Há 25 anos, a organização luta contra a destruição ambiental e pelos direitos das pessoas prejudicadas pelos interesses lucrativos das empresas.
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