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Exploração de petróleo na Foz do Amazonas gera tensão e ameaça ativistas ambientais

Exploração de petróleo na Foz do Amazonas gera tensão e ameaça ativistas ambientais

A Foz do Rio Amazonas, uma das áreas mais ricas em biodiversidade do Brasil, está no centro de uma intensa disputa ambiental. Em meio ao debate sobre a liberação do bloco petrolífero FZA-M-59, comunidades locais, pescadores e ambientalistas têm buscado apoio para tentar barrar a expansão da exploração predatória de petróleo na região.

Diante desse cenário, o Instituto Internacional ARAYARA, em parceria com lideranças locais e outras organizações, uniu forças para mobilizar pescadores, indígenas, ribeirinhos e quilombolas em seis municípios do Amapá. Entre os dias 11 e 22 de novembro, foram realizadas oficinas e encontros que buscaram amplificar as vozes das comunidades tradicionais ameaçadas pela expansão da indústria petrolífera. Essa coalizão de organizações dedicadas à defesa do meio ambiente também alertou sobre os potenciais impactos socioambientais que ameaçam a Costa Amazônica.

O avanço da indústria petrolífera

São intensas as pressões sobre a região Amazônica, tornando-se cada vez mais evidente que o preço a ser pago por quem decide interferir nesse caminho vai muito além da perda da biodiversidade. Durante a excursão, equipes e participantes do evento sentiram esse dilema na pele, enfrentando riscos durante as atividades programadas que aconteceram nas localidades de Oiapoque, Calçoene, Cunani, Amapá e Bailique.

Em uma oficina realizada no município de Calçoene, uma representante da ARAYARA, relatou momentos de tensão após um grupo favorável à exploração de petróleo aparecer repentinamente no local e interromper as atividades de maneira intimidatória.

Ela relatou ainda que em outra ocasião, durante uma oficina no município do Amapá, um político que se identificou como ex-delegado interferiu diretamente na apresentação conduzida por ela, onde eram discutidos dados sobre a pesca artesanal e os impactos da exploração petrolífera na região. Inclusive, o político tentou desqualificar os estudos apresentados, criando um clima hostil. 

Diante dos episódios de intimidação, que comprometeram os objetivos educativos das oficinas e colocaram em risco a segurança dos participantes, Fernanda Coelho, gerente do departamento jurídico da ARAYARA, enfatizou a responsabilidade dos parlamentares como representantes do Estado. Ela destacou que é dever desses agentes proteger o direito humano a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme assegurado pelo Artigo 225 da Constituição Federal e pela Resolução 76/300 da ONU, em vez de agir em sentido contrário.

“Existem indícios de uma articulação destinada a obstruir as oficinas, incluindo a disseminação de informações falsas e tentativas de sabotar o evento”, afirmou Fernanda Coelho.

 

Informação e conscientização 

 

O Estudo Impactos do avanço do petróleo na pesca da Costa Amazônica, apresentado pela pesquisadora da ARAYARA, alertou as comunidades visitadas para os riscos de danos ambientais ao ecossistema complexo e sensível dos manguezais e dos recifes amazônicos, assim como a ameaça direta às comunidades que dependem dessa biodiversidade para sobreviver. 

 

A pesquisadora destacou que, além de apresentar dados, o estudo serve como um importante instrumento para as comunidades, ao evidenciar a relevância essencial da região para a pesca e para o modo de vida de milhares de pessoas diretamente conectadas a essa atividade. “Trabalhadores e trabalhadoras que já enfrentam diariamente os riscos do mar agora encaram novas preocupações, como a disputa por espaço marítimo e os conflitos em seus territórios”, alertou.

 

Os estudos apresentados durante as oficinas destacaram os graves impactos da exploração petrolífera, incluindo a poluição irreversível dos manguezais, da água e do ar. “Os pescados da Costa Amazônica, além de servirem como fonte de alimento, sustentam uma indústria pesqueira significativa, tanto no mercado interno quanto no global, gerando empregos diretos e indiretos ao longo de suas cadeias produtivas”, ressaltou.

 

Tensão nas comunidades locais 

 

“Porque não investir numa energia permanente, limpa e que temos tanto aqui na região?”, questionou o professor de uma comunidade ribeirinha do Bailique que participou de uma das oficinas.“Em pleno século 21 estão pensando na exploração de petróleo e combustível na Costa do Amapá, local que poderia estar sendo usado para o desenvolvimento de energia solar, eólica, com um potencial econômico enorme e um impacto ambiental muito menor”, afirmou. 

 

O professor também falou sobre a preocupação da comunidade onde vive com a possibilidade de haver mais uma exploração de grande escala na região Amazônica, local de grande importância, mas também de muita sensibilidade às mudanças climáticas e também humanas.

 

“Primeiro eles diziam que era só um ponto de exploração, atualmente, são mais de 50 pontos e isso não é dito na mídia”. De acordo o seu relato, ao longo dos anos, a comunidade tem se dado conta de que esses empreendimentos não trazem grandes benefícios. “Eles só enriquecem, enquanto que nós, que estamos aqui na base somos deixados de lado, herdando possíveis prejuízos ambientais, sociais e culturais, que só tendem a prejudicar ainda mais a convivência em comunidade”, declarou. 

 

Violência contra ativistas


O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de assassinatos de defensores ambientais, segundo relatório da Global Witness. Em 2022, 25 ativistas foram mortos no país. Apesar de uma redução em relação ao ano anterior, quando 34 mortes foram registradas, a violência contra aqueles que protegem o meio ambiente permanece uma grave realidade.

No panorama global, 196 defensores da terra e do meio ambiente foram assassinados em 2022, com a Colômbia liderando o ranking. No Brasil, a violência está intrinsecamente ligada a problemas estruturais, como a concentração fundiária, o desmatamento desenfreado e a falta de reconhecimento legal dos territórios indígenas e quilombolas. Além dos homicídios, ativistas brasileiros enfrentam perseguições constantes, campanhas de difamação e processos judiciais abusivos, conhecidos como SLAPP (litigância estratégica contra a participação pública).

Na Amazônia, por exemplo, foram identificados 11 assassinatos de indígenas apenas em 2022. Globalmente, os povos indígenas estão entre os mais ameaçados: 36% dos ativistas assassinados pertenciam a essa categoria, somando 39 vítimas. Pequenos agricultores (22%) e afrodescendentes (7%) também aparecem entre os alvos frequentes.

“Infelizmente, o Brasil continua no topo desse ranking,” lamenta Nicole de Oliveira, diretora executiva da ARAYARA. “Essa situação já se arrasta há anos e, até agora, não foi enfrentada de maneira efetiva pelo governo. Casos emblemáticos, como os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, ganharam repercussão internacional, mas muitos defensores permanecem invisíveis em suas lutas e mortes. É ainda mais alarmante que o Brasil sequer tenha ratificado o Acordo de Escazú, que busca proteger os direitos dos ativistas,criticou.

Oliveira também destacou os riscos enfrentados pelos defensores ambientais durante o lançamento do relatório da Global Climate Legal Defense (CliDef), As Vidas Perigosas dos Defensores do Clima, na Climate Week deste ano. “A indústria de combustíveis fósseis tenta silenciar os que protegem territórios ameaçados. Eu mesma enfrento processos criminais por defender o meio ambiente e as comunidades afetadas,” revelou.

Recomendações do MPF

 

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ibama que exija complementações aos estudos da Petrobras antes de decidir sobre a licença para o bloco FZA-M-59. Entre as pendências está a revisão do Plano de Emergência Individual (PEI), que atualmente não contempla adequadamente fenômenos meteorológicos extremos nem apresenta garantias de resposta eficaz a acidentes.

 

A diretora da ARAYARA explica que a disputa pelo futuro da Foz do Amazonas vai além da questão ambiental: é também uma luta pelos direitos humanos e pela proteção de um dos ecossistemas mais ricos e importantes do mundo. Segundo Oliveira, ações de intimidação são estratégias para desacreditar os movimentos ambientais e intimidar lideranças comunitárias.

 

“Enquanto o Brasil permanece em destaque nas estatísticas globais de violência ambiental, a negligência governamental e o avanço da exploração fóssil predatória continuam colocando em risco tanto os defensores da natureza quanto os ecossistemas que tentam proteger”, declara Oliveira.

Comunidade de Volta Redonda exige ação contra descumprimentos ambientais da CSN e flexibilização do INEA

Comunidade de Volta Redonda exige ação contra descumprimentos ambientais da CSN e flexibilização do INEA

No dia 27, a Câmara Municipal de Volta Redonda (RJ) sediou mais uma audiência pública para discutir o descumprimento de compromissos ambientais pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Com o tema “CSN e fiscalização do INEA: descumprimento do TAC, inoperância e omissão”, o evento foi convocado pelo vereador Raone Ferreira e reuniu representantes da sociedade civil, movimentos sociais e políticos locais, como os deputados Lindbergh Farias (PT-RJ) e Jari Oliveira (PSB-RJ).

O Instituto Internacional Arayara participou com análises técnicas que fortaleceram a luta de moradores, há décadas prejudicados pela poluição na região. Apesar da significativa presença da população diretamente impactada, a audiência foi marcada pela ausência de órgãos e entidades relevantes. A Secretaria de Meio Ambiente Municipal não compareceu, assim como a CSN, que alegou falta de equipe técnica. O Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEA), que havia prometido enviar dois técnicos remotamente, deixou de responder no horário marcado e, apenas no final, alegou problemas técnicos como justificativa para a ausência.

Durante a audiência pública, a engenheira ambiental Daniela Barros, representando o Instituto Internacional Arayara, apresentou dados técnicos em conjunto com o vereador Raoni, para abordar o descumprimento dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a leniência do Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEIA). Barros destacou a desorganização do órgão e os impactos ambientais negligenciados.

Problemas enfrentados pela população

Depoimentos de moradores ilustraram os problemas enfrentados pela população, como a poluição gerada pelo “pó preto”, que cobre residências e compromete a qualidade de vida. “Uma professora relatou como sua casa fica coberta de sujeira rapidamente ao deixar as janelas abertas. Além disso, há graves impactos das pilhas de rejeitos próximas ao Rio Paraíba do Sul, que prejudicam o ecossistema local”, afirmou Barros.

Nos últimos 30 anos (1994-2024), a CSN assinou quatro TACs para atender à legislação ambiental e mitigar os danos de suas operações, mas, de acordo com o relatório do MPF,, nenhum foi efetivamente cumprido. A população de Volta Redonda segue exposta a contaminações no solo e a níveis de poluentes atmosféricos superiores aos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), agravando os riscos à saúde pública. Esses problemas estão diretamente ligados ao processo siderúrgico da CSN, que utiliza carvão mineral, um emissor significativo de partículas e gases nocivos.

Apesar da ausência de representantes da CSN e de órgãos reguladores, o evento trouxe encaminhamentos importantes, como a notificação do Ministério Público Federal (MPF), a judicialização do caso e a proposta de transferir o licenciamento ambiental da CSN para o IBAMA, medidas apontadas por Barros  como essenciais para buscar soluções efetivas.

Entenda o caso

A prorrogação dos prazos para o cumprimento de ações ambientais pela CSN foi respaldada pelo parecer do Processo INEA nº 50/2024 – LDQO, aprovado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE). O engenheiro ambiental da ARAYARA, Urias de Moura Bueno Neto, questiona o uso da pandemia como justificativa apresentada pela CSN para adiar o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Ele destaca que a área técnica do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) não identificou nexo causal entre a pandemia e a necessidade de se prorrogar o TAC.

A análise da ARAYARA constata que durante o período crítico da pandemia (2020-2022), quando havia mais ações a serem cumpridas, todas foram entregues. “Curiosamente, a prorrogação foi solicitada para ações com prazo original entre julho e agosto de 2024, sendo que 8 das 10 ações pendentes estão relacionadas ao controle de emissão de poeira”, explicou o engenheiro ambiental Urias Neto.

Além disso, o engenheiro apontou que, em uma carta protocolada pela CSN, a empresa apresentou cronogramas adiando ações consideradas essenciais para 2025 e 2026, o que reforça as críticas sobre a falta de compromisso com os prazos estabelecidos.

Segundo Neto, o termo aditivo oficializando essa prorrogação foi publicado pelo INEA em 9 de setembro de 2024, concedendo mais dois anos para que a siderúrgica regularize suas pendências. “Essa decisão, que claramente favorece a CSN, suscita preocupações sobre a flexibilidade no cumprimento das metas ambientais e os impactos prolongados que isso pode trazer para as comunidades e o meio ambiente”, concluiu.

Documentos sob sigilo

Após análise, a ARAYARA ressaltou a existência de um documento sigiloso — a carta 79452520 — mencionada no 9º relatório de acompanhamento do TAC realizado pelo INEA, que serviu de base para os pedidos de prorrogação. “O uso de informações restritas em um processo que impacta diretamente a população levanta questionamentos sobre a transparência e a imparcialidade do acompanhamento técnico e jurídico”, pontuou Fernanda Gomes Coelho, gerente jurídica da ARAYARA.

Segundo Coelho, “esses pontos se somam a um histórico de atrasos e justificativas questionáveis, evidenciando fragilidades na governança ambiental e no cumprimento dos compromissos assumidos pela CSN”.

No 10º relatório, o INEA apontou que 84,43% das ações previstas no TAC foram cumpridas (103 ações), 5,74% estão em cumprimento (7 ações), 1,64% perderam objeto (2 ações) e 8,2% (10 ações) tiveram prazo prorrogado. Dentre estas, 8 visam a redução de emissões de partículas atmosféricas, e duas buscam reduzir rejeitos e resíduos.

A análise realizada pela ARAYARA também destaca controvérsias relacionadas a alguns itens, inicialmente considerados não cumpridos pelo INEA, que alegou não ser mais possível realizar análise técnica. No entanto, no mesmo relatório, o INEA atestou o cumprimento dessas ações, justificando que a empresa implementou as adequações indicadas nos estudos (que, inicialmente, não atendiam às exigências do INEA), embora com atraso.

Documentos como o 10º relatório e a Notificação nº SUPCONNOT/01133202 registram o histórico das ações, com o INEA reafirmando o não cumprimento inicial dos itens antes de validar o cumprimento tardio.

Histórico de descumprimentos e intimidações

No dia 9 de julho, em Brasília, foi realizada uma audiência pública para debater os impactos ambientais e sociais causados pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). No final do mesmo mês, outra audiência ocorreu em Volta Redonda (RJ). Ambas contaram com a participação ativa do Instituto Internacional Arayara, que defende maior rigor na fiscalização, o cumprimento integral dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e a implementação de um plano efetivo de descarbonização pela CSN.

Além dos problemas ambientais persistentes, a CSN enfrenta acusações de intimidação contra ativistas e de processar ex-colaboradores que denunciam irregularidades, incluindo o descumprimento de normas ambientais e condições insalubres de trabalho. Antes da audiência em Volta Redonda, movimentos populares da região realizaram um grande ato de mobilização para denunciar esses problemas.

Alexandre Fonseca, liderança do Movimento Sul Fluminense contra a Poluição de Volta Redonda, destacou a necessidade de avanços legislativos para responsabilizar empresas poluidoras, especialmente a CSN, e assegurar contrapartidas sociais pelos danos causados. “É fundamental pressionar o Executivo para que as leis ambientais já existentes, mas que permanecem inativas, sejam efetivamente aplicadas”, afirmou.

Ele também reforçou o compromisso com a mobilização popular e institucional: “Seguiremos trazendo atenção a esses problemas, seja nas ruas, por meio de movimentos sociais e atos, seja em espaços institucionais como esta audiência pública, que reconhecemos como uma oportunidade crucial para fortalecer nossa presença e reafirmar nosso compromisso com a causa.”

Em setembro, a CSN obteve mais uma prorrogação no acordo firmado com o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) para reduzir a poluição em Volta Redonda. A empresa tinha até o dia 19/09/2024 para modernizar equipamentos e minimizar emissões de poluentes, mas novamente não cumpriu as medidas estabelecidas.

Audiência pública discute poluição da CSN em Volta Redonda

Audiência pública discute poluição da CSN em Volta Redonda

Comunidade e Câmara Municipal de Caçapava unidas contra a instalação da maior termelétrica de gás fóssil da América Latina

Comunidade e Câmara Municipal de Caçapava unidas contra a instalação da maior termelétrica de gás fóssil da América Latina

No dia 29 de outubro, a geógrafa e doutora Raquel Henrique, especialista em Planejamento Urbano e Regional, foi à Tribuna Livre da Câmara Municipal de Caçapava para atualizar a comunidade e os vereadores sobre o avanço da oposição à Usina Termelétrica São Paulo. 

Proposta pela empresa Natural Energia, a usina  Termelétrica São Paulo de 1,74 GW, enfrentou forte resistência local devido a potenciais riscos ambientais e à previsão de emissão significativa de poluentes na região.

Entenda o caso

 

Em julho deste ano, duas audiências públicas sobre a instalação da UTE São Paulo foram suspensas após protestos organizados pela Frente Ambientalista do Vale do Paraíba, com o apoio do Instituto Internacional Arayara e da sociedade civil. Falhas no processo foram apontadas, incluindo mudanças de última hora no local das audiências, o que dificultou o acesso e a participação da comunidade.

Apesar das contestações do Ministério Público Federal (MPF), de especialistas e da sociedade civil, a 3ª Vara Federal de São José dos Campos decidiu manter as audiências para discutir o projeto da termelétrica. O MPF avaliou que essa decisão contradiz uma determinação judicial anterior. Embora o parecer técnico do IBAMA tenha sido desfavorável ao projeto, indicando riscos socioambientais no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (EIA-RIMA), a Natural Energia, empresa responsável pelo empreendimento, conseguiu a autorização do órgão ambiental para continuar com as audiências, gerando ainda mais polêmica e resistência na região.

 

Falhas graves no projeto e potenciais impactos 

 

Entre os novos projetos de geração termelétrica no Brasil, o empreendimento em Caçapava se destaca pela sua escala: se entrar em operação total, a usina poderá emitir até 6 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, aumentando as emissões da matriz elétrica brasileira em um momento em que elas deveriam cair para ajudar a conter as mudanças climáticas. O montante é 2.000 vezes maior do que todas as emissões da cidade de Caçapava entre 2000 e 2022.

 

Os dados citados fazem parte do relatório “Regressão energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática”, lançado pela Coalizão Energia Limpa, este ano.

 

Moções de repúdio em 11 municípios

Durante a sessão na Câmara, a Dra. Raquel Henrique, ativista, educadora ambiental e membro da ONG Ecovital e da Frente Ambientalista do Vale do Paraíba, destacou erros e falhas graves no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) conduzido pela empresa Natural Energia, responsável pelo projeto da termelétrica.

Dentre os problemas apontados, Raquel destacou inconsistências na modelagem da dispersão de poluentes e omissões em relação ao fenômeno de inversão térmica durante o inverno. Esse fenômeno, comum em regiões montanhosas como o Vale do Paraíba, tende a concentrar poluentes na atmosfera, piorando a qualidade do ar e comprometendo a saúde dos moradores. Raquel também criticou a falta de diálogo direto com as comunidades que seriam diretamente impactadas pelo empreendimento.

A oposição ao projeto não se limita a Caçapava. Diversos municípios da região, como Taubaté, São José dos Campos e Campos do Jordão, emitiram moções de repúdio ao projeto em suas Câmaras Municipais. Em Caçapava, a vereadora Dandara Gissoni (PSB-SP) liderou a apresentação de uma moção de repúdio, que recebeu o apoio da maioria dos vereadores, com exceção de Wellington Felipe, cuja decisão gerou forte reação entre a comunidade e nas redes sociais.

Paula Guimarães, consultora jurídica da ARAYARA, alertou para os impactos ambientais e à saúde pública caso o projeto avance. “A geografia da região favorece a retenção de poluentes, colocando em risco o ecossistema e a saúde de mais de 2 milhões de pessoas. Até agora, mais de 11 municípios, incluindo Caçapava, Taubaté, São José e Campos do Jordão, aprovaram moções de repúdio ao projeto. Além dos impactos na Serra da Mantiqueira e na qualidade do ar, o Rio Paraíba do Sul, que abastece as regiões do Rio de Janeiro e de São Paulo, também pode ser prejudicado”, afirmou.

Um ponto central das críticas é a localização escolhida para a termelétrica. Diferente das grandes usinas de metano do Brasil, normalmente situadas em áreas costeiras ou planas com ventos fortes, Caçapava está em uma região montanhosa, cercada por encostas e com baixa circulação de ventos. Essa configuração dificulta a dispersão de poluentes, expondo potencialmente mais de 2 milhões de pessoas a níveis elevados de poluição atmosférica e agravando os riscos para a saúde pública e o meio ambiente no Vale do Paraíba.

 

Créditos da foto:  Marcelo Caltabiano

Biodiversidade em perigo: aquecimento dos oceanos e branqueamento dos corais

Biodiversidade em perigo: aquecimento dos oceanos e branqueamento dos corais

Entrevistada pelo Instituto Internacional Arayara, a bióloga responsável Biofábrica de Corais, Maria Gabriela Moreno Ávila, explica fenômeno que ameaça a vida marinha na costa brasileira

A Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB) ocorre a cada dois anos, constituindo o principal fórum internacional para promover a cooperação em prol da conservação e do uso sustentável da biodiversidade.

Esta edição do evento é a primeira após a adoção do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, firmado na COP15 em dezembro de 2022. Esse acordo global estabelece um plano de ação para que os 196 países signatários avancem em metas nacionais, visando deter e reverter a perda de biodiversidade até 2030. Entre os compromissos propostos pela ONU estão:

– Proteger ao menos 30% das áreas terrestres, marinhas e costeiras do planeta;

– Restaurar ao menos 20% dos ecossistemas degradados de água doce, marinhos e terrestres, com foco em ecossistemas prioritários;

– Reduzir pela metade a introdução de espécies invasoras conhecidas ou com potencial de ameaça;

– Diminuir em 50% a perda de nutrientes e em dois terços o uso de produtos químicos prejudiciais à biodiversidade, em especial pesticidas, além de erradicar o despejo de resíduos plásticos no meio ambiente;

– Mitigar o impacto das mudanças climáticas na biodiversidade e fomentar soluções baseadas na natureza e em ecossistemas para adaptação e resiliência;

– Elevar em 200 bilhões de dólares os fluxos financeiros internacionais destinados aos países em desenvolvimento.

Ecossistemas marinhos em risco

As discussões da COP16 destacam a urgente necessidade de ações coordenadas para mitigar o aquecimento global e proteger ecossistemas marinhos frágeis, vitais tanto para a biodiversidade quanto para as comunidades que dependem deles. 

Entre os temas centrais está o aquecimento dos oceanos, provocado pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa, que causa impactos devastadores sobre os recifes de corais. O fenômeno do branqueamento, um dos sinais mais alarmantes das mudanças climáticas e da degradação dos ecossistemas marinhos, ameaça a sobrevivência desses corais, essenciais para a saúde dos oceanos.

De acordo com dados da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e UOL, o aumento recorde da temperatura do oceano em 2024 causou uma destruição sem precedentes nos corais da costa de Alagoas. Cientistas da UFAL relataram a morte de mais de 90% das comunidades de corais, consequência direta das mudanças climáticas e do fenômeno El Niño. A temperatura da água atingiu 34°C, ultrapassando o limite de tolerância dos corais, como o coral-de-fogo e o coral-couve-flor, exclusivos do Brasil. 

Buscando reverter esse cenário, no litoral de Ipojuca (PE), a Biofábrica de Corais começou a atuar em 2017 na recuperação dos recifes de Porto de Galinhas. Com autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Startup lidera um projeto de restauração inovador, coordenado pela bióloga María Gabriela Moreno. 

Em entrevista para o Instituto Internacional Arayara, a bióloga compartilha sua visão sobre as causas e os impactos do branqueamento dos corais ao longo da costa brasileira e explica como a Biofábrica de Corais trabalha para restaurar esses recifes, essenciais para a biodiversidade e a resiliência das comunidades costeiras.

Cópia de Biofabricante fazendo manutenção no berçário (Reprodução_ Filipe Cadena, Biofábrica de Corais)
Cópia de Pacote de corais biofabricados pela Biofábrica de Corais (Reprodução_ Filipe Cadena _ Biofábrica de Corais)
Cópia de Corais branqueados da espécie Millepora alcicornis (Reprodução_ Ronaldo Guillen, Biofábrica de Corais)
Cópia de Turista cultivando coral(Reprodução_ Filipe Cadena _ Biofabrica de corais)
Cópia de Turista observando o berçário (Reprodução_ Filipe Cadena, Biofábrica de Corais) 5
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Cópia de Biofabricante fazendo manutenção no berçário (Reprodução_ Filipe Cadena, Biofábrica de Corais)
Cópia de Pacote de corais biofabricados pela Biofábrica de Corais (Reprodução_ Filipe Cadena _ Biofábrica de Corais)
Cópia de Corais branqueados da espécie Millepora alcicornis (Reprodução_ Ronaldo Guillen, Biofábrica de Corais)
Cópia de Turista cultivando coral(Reprodução_ Filipe Cadena _ Biofabrica de corais)
Cópia de Turista observando o berçário (Reprodução_ Filipe Cadena, Biofábrica de Corais) 5
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ARAYARA – Você poderia explicar o que é o branqueamento dos corais e por que isso acontece?

Maria Gabriela – O branqueamento de corais é um fenômeno que ocorre quando o coral, que é um animal marinho, expulsa microalgas chamadas zooxantelas, que vivem no interior de seu tecido. Essas algas são muito importantes para a sobrevivência dos corais, pois fornecem a maior parte da energia que eles precisam por meio da fotossíntese. Elas também são responsáveis pela cor característica desses organismos. Sem essas microalgas, os corais perdem essa coloração e ficam brancos. É por isso que o fenômeno é conhecido como branqueamento de corais. Se o estresse ambiental persistir, os corais podem morrer, pois ficam enfraquecidos pela falta de energia e nutrientes que as zooxantelas fornecem.

ARAYARA – Há décadas está acontecendo o fenômeno de branqueamento dos corais e pesquisadores brasileiros achavam que isso estava longe de acontecer no Brasil. Mas, o que mudou para esse cenário se transformar desta maneira?

Maria Gabriela – Os recifes de corais do Brasil eram considerados um refúgio contra o aquecimento global e menos suscetíveis ao branqueamento, pois as costas brasileiras se caracterizam por águas muito turvas, devido ao sedimento trazido pelas correntes oceânicas do rio Orinoco e do rio Amazonas. Isso criava uma barreira biogeográfica e um alto endemismo no país. A alta turbidez causada pela sedimentação reduzia a irradiância solar, ajudando a amortecer o aumento da temperatura do mar. No entanto, nas últimas décadas, o branqueamento de corais tornou-se uma preocupação global e passou a afetar os corais em todo o mundo, inclusive no Brasil. O aumento da temperatura superou as metas globais e se manteve por períodos mais longos, afetando até águas mais profundas e provocando o branqueamento em regiões anteriormente menos impactadas.

ARAYARA – Quais as principais causas do branqueamento dos corais? 

Maria Gabriela – As principais causas do branqueamento dos corais estão relacionadas às mudanças climáticas, sendo o aquecimento global e o aumento da temperatura dos oceanos os fatores mais significativos. Quando a temperatura do mar sobe, as zooxantelas, microalgas que vivem no tecido do coral, começam a produzir substâncias tóxicas para o coral, que, em resposta, as expulsa, resultando no branqueamento.

Outra causa importante é a acidificação dos oceanos, que ocorre devido ao aumento da concentração de dióxido de carbono (CO₂) absorvido pelos mares, tornando a água mais ácida. Isso afeta a formação do esqueleto de carbonato dos corais, enfraquecendo-os e tornando-os mais vulneráveis ao branqueamento.

Além disso, a poluição também pode desencadear o branqueamento. Poluentes como pesticidas, esgotos e sedimentos causam estresse nos corais, levando à perda das zooxantelas. Alterações na qualidade da água, como mudanças na salinidade, também contribuem para esse processo.

 

ARAYARA – Qual o impacto da poluição e da exploração de petróleo na região sobre esse processo?

Maria Gabriela – O aumento da poluição costeira e o desmatamento próximo aos recifes de corais podem contribuir para o aumento de sedimentos e da carga de nutrientes na água do mar, afetando a qualidade da água e causando estresse nos corais. Altas concentrações de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, provocam a proliferação de algas em um processo conhecido como eutrofização. As algas competem com os corais por luz e espaço, o que impede as zooxantelas – algas simbióticas que vivem no tecido dos corais – de realizar a fotossíntese, enfraquecendo os corais e tornando-os mais suscetíveis ao branqueamento.

Além disso, a exploração de petróleo pode gerar impactos diretos e indiretos sobre os corais. Um derramamento de petróleo é extremamente perigoso, pois o óleo pode sufocá-los ao se depositar sobre eles, impedindo também que suas zooxantelas façam fotossíntese, o que resulta em branqueamento. Os compostos tóxicos presentes no petróleo afetam a saúde dos corais e podem danificar seus tecidos.

A combinação de poluição, exploração de petróleo e aquecimento global torna os corais menos resistentes às variações de temperatura. Um coral que já está sob estresse – causado por qualquer uma dessas razões – terá menos capacidade de se adaptar a temperaturas elevadas e de se recuperar de eventos de branqueamento. A longo prazo, isso pode levar à morte desses ecossistemas.

ARAYARA – A acidificação dos oceanos tem relação direta com esse processo? Mas e o que causa a acidificação?

Maria Gabriela – Como mencionei anteriormente, a principal causa do branqueamento dos corais é o aumento da temperatura, mas essa não é a única ameaça que eles enfrentam, nem o único fator que contribui para esse fenômeno. Existem outros fatores que atuam sinergicamente, prejudicando a saúde desses ecossistemas. Um exemplo é o aumento da acidificação dos oceanos, causada pelas emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO₂).

O que acontece? Os oceanos são grandes absorvedores de CO₂ e, à medida que as emissões aumentam, eles absorvem mais desse gás, o que afeta sua química. Isso reduz a quantidade de carbonato de cálcio disponível, o principal composto utilizado pelos corais para formar seus esqueletos calcários. Com menos carbonato de cálcio disponível, os esqueletos dos corais se tornam mais fracos, deixando essas estruturas mais vulneráveis ao branqueamento e a outras doenças.

ARAYARA – Você acredita que as metas globais de redução de emissões podem impactar diretamente esse fenômeno?

Maria Gabriela – Olha, eu acredito que sim. Essas metas foram criadas justamente para mitigar o impacto das mudanças climáticas sobre o ambiente. Então é muito importante respeitar e cumprir os compromissos internacionais como o Acordo de Paris  para limitar esse aumento da temperatura a 2 ºC . Então, para isso é necessário fazer a transição para energias renováveis, como a solar ou a energia hídrica, e para isso é necessário que o Estado invista em tecnologias e criem políticas que promovam esse uso eficiente em todo o setor, tanto industrial como residencial. Então, eu acho que esse é um caminho longo,  com muitos obstáculos, mas é possível reduzir esse aumento de temperatura e reduzir o impacto que está tendo em emissão de gás e efeito de estufa sobre os recifes de coral.

ARAYARA – Quais são as principais consequências do branqueamento dos corais para a biodiversidade marinha no Brasil?

Maria Gabriela – A principal consequência será a perda de habitats para muitas espécies que dependem desse ecossistema para proteção e alimentação. Essa perda de habitat reduzirá a disponibilidade de nichos ecológicos, levando ao declínio de diversas espécies que vivem exclusivamente nesses locais. Além disso, haverá um impacto significativo nas espécies endêmicas, aquelas que só existem nessas áreas específicas, como no Brasil. O país é caracterizado por ter mais de 49% de espécies endêmicas, que são especialmente vulneráveis ao branqueamento.

Um exemplo disso é o coral Mussismilia hispida, que já foi uma das espécies mais abundantes, mas hoje é uma das mais vulneráveis ao branqueamento, além de ser uma das principais formadoras de recifes no Nordeste. Atualmente, ao mergulhar em Porto de Galinhas, Tamandaré e Maragogi, raramente encontro uma colônia de coral completamente saudável. Desde que cheguei aqui, em 2018, observei cerca de seis colônias gigantes de Mussismilia, mas agora dificilmente encontro mais de uma ou duas, e apenas alguns pólipos vivos em uma dessas colônias. Isso é um claro impacto do branqueamento e da poluição.

Outro fator que também pode influenciar é a proliferação de espécies invasoras, que afeta o equilíbrio ecológico dos recifes. Essas espécies invasoras podem alterar a dinâmica do recife e reduzir ainda mais a biodiversidade, tornando esses ecossistemas menos resilientes a impactos futuros.

ARAYARA – Você acredita que ainda há tempo para salvar os recifes, ou estamos em um ponto de não retorno? Qual é a relação dos combustíveis fósseis com essa história?

Maria Gabriela – Olha, eu acredito que ainda estamos a tempo de salvar os recifes de corais. Se não acreditasse nisso, meu trabalho perderia o sentido, né? A missão da Biofábrica de Corais é restaurar esses ecossistemas, integrando a comunidade no processo de recuperação. Acredito que atividades como a criação de áreas de conservação, a restauração ativa desses ecossistemas, a conscientização e o engajamento da comunidade, além da criação de novas fontes de renda por meio de práticas ecologicamente mais sustentáveis e a redução do uso de combustíveis fósseis, podem ajudar a mitigar os impactos das mudanças climáticas sobre esses ambientes.

ARAYARA – Em termos de soluções, o que pode ser feito para frear ou reverter o branqueamento dos corais?

Maria Gabriela – Bom, eu acho que existem dois tipos de ações que podem ser realizadas: as globais e as locais. Entre as ações globais, discutimos um pouco sobre isso anteriormente. É fundamental cumprir os acordos internacionais para limitar o aumento da temperatura a, no máximo, 1,5 graus Celsius. Para isso, é necessário realizar a transição para energias renováveis e reduzir o uso de combustíveis fósseis.

Em um nível mais local, é importante estabelecer um maior número de zonas de proteção marinha, pois é vital promover programas de restauração ativa e comunitária, diminuir a poluição, conscientizar e educar a população, além de criar fontes de renda mais sustentáveis. Bom, acho que é isso. Por isso, nós trabalhamos nessas frentes locais de mitigação.

ARAYARA Como funciona a Biofábrica de Corais?

Maria Gabriela – O processo inclui a fragmentação de corais, técnica que estimula seu crescimento e permite sua fixação em bases ecológicas para cultivo nos recifes ou em tanques do Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), em Tamandaré. Uma vez atingido o tamanho ideal, os corais são reintroduzidos nas áreas degradadas, contribuindo para a preservação dos recifes e o equilíbrio dos ecossistemas marinhos.

Maria Gabriela Moreno Ávila é bióloga e doutoranda em Ecologia pela Universidade Central da Venezuela, com mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde desenvolve pesquisas em biotecnologia aplicada ao manejo de corais. Responsável pela restauração de corais na Biofábrica de Corais, também atua como pesquisadora e consultora ambiental, com experiência em conservação marinha e soluções sustentáveis. Colabora com diversas instituições, incluindo a Academia de Ciências da Venezuela, onde contribui para o segundo relatório nacional sobre mudanças climáticas.