A Foz do Rio Amazonas, uma das áreas mais ricas em biodiversidade do Brasil, está no centro de uma intensa disputa ambiental. Em meio ao debate sobre a liberação do bloco petrolífero FZA-M-59, comunidades locais, pescadores e ambientalistas têm buscado apoio para tentar barrar a expansão da exploração predatória de petróleo na região.
Diante desse cenário, o Instituto Internacional ARAYARA, em parceria com lideranças locais e outras organizações, uniu forças para mobilizar pescadores, indígenas, ribeirinhos e quilombolas em seis municípios do Amapá. Entre os dias 11 e 22 de novembro, foram realizadas oficinas e encontros que buscaram amplificar as vozes das comunidades tradicionais ameaçadas pela expansão da indústria petrolífera. Essa coalizão de organizações dedicadas à defesa do meio ambiente também alertou sobre os potenciais impactos socioambientais que ameaçam a Costa Amazônica.
O avanço da indústria petrolífera
São intensas as pressões sobre a região Amazônica, tornando-se cada vez mais evidente que o preço a ser pago por quem decide interferir nesse caminho vai muito além da perda da biodiversidade. Durante a excursão, equipes e participantes do evento sentiram esse dilema na pele, enfrentando riscos durante as atividades programadas que aconteceram nas localidades de Oiapoque, Calçoene, Cunani, Amapá e Bailique.
Em uma oficina realizada no município de Calçoene, uma representante da ARAYARA, relatou momentos de tensão após um grupo favorável à exploração de petróleo aparecer repentinamente no local e interromper as atividades de maneira intimidatória.
Ela relatou ainda que em outra ocasião, durante uma oficina no município do Amapá, um político que se identificou como ex-delegado interferiu diretamente na apresentação conduzida por ela, onde eram discutidos dados sobre a pesca artesanal e os impactos da exploração petrolífera na região. Inclusive, o político tentou desqualificar os estudos apresentados, criando um clima hostil.
Diante dos episódios de intimidação, que comprometeram os objetivos educativos das oficinas e colocaram em risco a segurança dos participantes, Fernanda Coelho, gerente do departamento jurídico da ARAYARA, enfatizou a responsabilidade dos parlamentares como representantes do Estado. Ela destacou que é dever desses agentes proteger o direito humano a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme assegurado pelo Artigo 225 da Constituição Federal e pela Resolução 76/300 da ONU, em vez de agir em sentido contrário.
“Existem indícios de uma articulação destinada a obstruir as oficinas, incluindo a disseminação de informações falsas e tentativas de sabotar o evento”, afirmou Fernanda Coelho.
Informação e conscientização
O Estudo Impactos do avanço do petróleo na pesca da Costa Amazônica, apresentado pela pesquisadora da ARAYARA, alertou as comunidades visitadas para os riscos de danos ambientais ao ecossistema complexo e sensível dos manguezais e dos recifes amazônicos, assim como a ameaça direta às comunidades que dependem dessa biodiversidade para sobreviver.
A pesquisadora destacou que, além de apresentar dados, o estudo serve como um importante instrumento para as comunidades, ao evidenciar a relevância essencial da região para a pesca e para o modo de vida de milhares de pessoas diretamente conectadas a essa atividade. “Trabalhadores e trabalhadoras que já enfrentam diariamente os riscos do mar agora encaram novas preocupações, como a disputa por espaço marítimo e os conflitos em seus territórios”, alertou.
Os estudos apresentados durante as oficinas destacaram os graves impactos da exploração petrolífera, incluindo a poluição irreversível dos manguezais, da água e do ar. “Os pescados da Costa Amazônica, além de servirem como fonte de alimento, sustentam uma indústria pesqueira significativa, tanto no mercado interno quanto no global, gerando empregos diretos e indiretos ao longo de suas cadeias produtivas”, ressaltou.
Tensão nas comunidades locais
“Porque não investir numa energia permanente, limpa e que temos tanto aqui na região?”,questionou o professor de uma comunidade ribeirinha do Bailique que participou de uma das oficinas.“Em pleno século 21 estão pensando na exploração de petróleo e combustível na Costa do Amapá, local que poderia estar sendo usado para o desenvolvimento de energia solar, eólica, com um potencial econômico enorme e um impacto ambiental muito menor”, afirmou.
O professor também falou sobre a preocupação da comunidade onde vive com a possibilidade de haver mais uma exploração de grande escala na região Amazônica, local de grande importância, mas também de muita sensibilidade às mudanças climáticas e também humanas.
“Primeiro eles diziam que era só um ponto de exploração, atualmente, são mais de 50 pontos e isso não é dito na mídia”. De acordo o seu relato, ao longo dos anos, a comunidade tem se dado conta de que esses empreendimentos não trazem grandes benefícios. “Eles só enriquecem, enquanto que nós, que estamos aqui na base somos deixados de lado, herdando possíveis prejuízos ambientais, sociais e culturais, que só tendem a prejudicar ainda mais a convivência em comunidade”, declarou.
Violência contra ativistas
O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de assassinatos de defensores ambientais, segundo relatório da Global Witness. Em 2022, 25 ativistas foram mortos no país. Apesar de uma redução em relação ao ano anterior, quando 34 mortes foram registradas, a violência contra aqueles que protegem o meio ambiente permanece uma grave realidade.
No panorama global, 196 defensores da terra e do meio ambiente foram assassinados em 2022, com a Colômbia liderando o ranking. No Brasil, a violência está intrinsecamente ligada a problemas estruturais, como a concentração fundiária, o desmatamento desenfreado e a falta de reconhecimento legal dos territórios indígenas e quilombolas. Além dos homicídios, ativistas brasileiros enfrentam perseguições constantes, campanhas de difamação e processos judiciais abusivos, conhecidos como SLAPP (litigância estratégica contra a participação pública).
Na Amazônia, por exemplo, foram identificados 11 assassinatos de indígenas apenas em 2022. Globalmente, os povos indígenas estão entre os mais ameaçados: 36% dos ativistas assassinados pertenciam a essa categoria, somando 39 vítimas. Pequenos agricultores (22%) e afrodescendentes (7%) também aparecem entre os alvos frequentes.
“Infelizmente, o Brasil continua no topo desse ranking,” lamenta Nicole de Oliveira, diretora executiva da ARAYARA. “Essa situação já se arrasta há anos e, até agora, não foi enfrentada de maneira efetiva pelo governo. Casos emblemáticos, como os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, ganharam repercussão internacional, mas muitos defensores permanecem invisíveis em suas lutas e mortes. É ainda mais alarmante que o Brasil sequer tenha ratificado o Acordo de Escazú, que busca proteger os direitos dos ativistas,criticou.
Oliveira também destacou os riscos enfrentados pelos defensores ambientais durante o lançamento do relatório da Global Climate Legal Defense (CliDef), As Vidas Perigosas dos Defensores do Clima, na Climate Week deste ano. “A indústria de combustíveis fósseis tenta silenciar os que protegem territórios ameaçados. Eu mesma enfrento processos criminais por defender o meio ambiente e as comunidades afetadas,” revelou.
Recomendações do MPF
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ibama que exija complementações aos estudos da Petrobras antes de decidir sobre a licença para o bloco FZA-M-59. Entre as pendências está a revisão do Plano de Emergência Individual (PEI), que atualmente não contempla adequadamente fenômenos meteorológicos extremos nem apresenta garantias de resposta eficaz a acidentes.
A diretora da ARAYARA explica que a disputa pelo futuro da Foz do Amazonas vai além da questão ambiental: é também uma luta pelos direitos humanos e pela proteção de um dos ecossistemas mais ricos e importantes do mundo. Segundo Oliveira, ações de intimidação são estratégias para desacreditar os movimentos ambientais e intimidar lideranças comunitárias.
“Enquanto o Brasil permanece em destaque nas estatísticas globais de violência ambiental, a negligência governamental e o avanço da exploração fóssil predatória continuam colocando em risco tanto os defensores da natureza quanto os ecossistemas que tentam proteger”, declara Oliveira.
Grupo formado por manifestantes, representantes de organizações em defesa do meio ambiente e de pescadores diz que foi proibido de estar na CCJ e de expor cartazes nos corredores do Senado
Sociedade civil e representantes de organizações socioambientais foram nesta quarta-feira (4/12) ao Congresso Nacional para manifestação contra a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 3 de 2022, conhecida como PEC das Praias, que seria votada nesta tarde pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A matéria foi adiada após um pedido e vista feito por parlamentares contrários ao texto, pouco antes de entrar em pauta, mas os ativistas já estavam na Casa para pressionar pela não aprovação do texto.
A secretária executiva do PainelMar, Carolina Cardoso, conta que os manifestantes contrários à PEC foram barrados, proibidos de entrar na CCJ, de protestar e transitar livremente pelo Congresso. “Isso já era esperado. Então, nos concentramos próximo à entrada da Comissão, mas tivemos uma abordagem complicada. Fomos proibidos de mostrar cartazes e, depois, até mesmo de ficar ali, mesmo sem utilizar cartazes, sem manifestar. Fomos proibidos de ficar no corredor o que indignou bastante os movimentos e a sociedade civil”, relata.
O grupo contrário à PEC alega que entregar as áreas litorâneas aos estados, municípios e particulares pode limitar o acesso a esses locais pela população local, e apresentar uma ameaça à conservação ambiental dessas regiões. Segundo a Constituição, os chamados “terrenos de marinha”, que são lotes de terra litorâneas, com 33 metros de comprimento contatos a partir do mar, são propriedades da União.
Carolina Cardoso diz que, mesmo com o adiamento da votação, o grupo vai continuar pressionando os senadores para que a PEC não volte à pauta na Casa: “Agora, a estratégia é aumentar a mobilização para o [Rodrigo] Pacheco não pautar, pois a proposta tem chances de ser aprovada quando for para votação na CCJ”.
Fazem parte desta mobilização as organizações: PainelMar, Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional (GT-Mar), Instituto Internacional Arayara, Euceano; e os movimentos dos Pescadores Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).
A responsável pelas ações de advocacy do Instituto Mar Adentro, Mariana Clauzet, que trabalha para promover e gerenciar o conhecimento de ecossistemas aquáticos, destaca a insuficiência de estudos e pesquisas que garantem que a PEC possa trazer algum benefício econômico ou social. “A gente não tem hoje um dado confiável da quantidade de pessoas que vivem nesses terrenos de marinha, de quanto se arrecada. Então, a gente considera que é preciso mais estudos para poder justificar a aprovação de uma proposta que vai trazer um impacto ambiental da magnitude que essa PEC vai ter.”
O principal argumento do relator da PEC, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), é que a proposta irá gerar uma arrecadação maior para o governo, e que não irá alterar o acesso da população às praias, “a forma como se encontram hoje as praias, o seu regime jurídico, o seu tratamento para a Constituição e para a legislação não mudarão”.
E reforça: “As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica, não sendo permitida qualquer forma de utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso da população às praias, nos termos do plano diretor dos respectivos municípios”.
Impactos ambientais
O Instituto Mar Adentro alerta para os impactos ambientais que a aprovação da PEC pode causar. “A gente tem certeza que o impacto é negativo, que vai interferir em áreas adjacentes às praias, áreas de elevada biodiversidade, áreas de manguezal, por exemplo, que precisam hoje, mais do que nunca, estarem saudáveis”, pontua Mariana Clauzet. Segundo ela, “antes de estudos, antes de debates com a sociedade, essa aprovação não faz sentido”.
“Não podemos considerar que vão beneficiar a economia porque a conta não é tão simples assim — um prejuízo ambiental, um prejuízo social que a instalação de um grande empreendimento na área costeira vai trazer pode ser muito maior do que o benefício econômico vai gerar. E isso precisa ser discutido muito bem com todos os atores antes de se pensar em aprovar uma PEC como essa.”
Carolina Cardoso, do PainelMar, manifesta preocupação com a proteção dessas áreas, se elas deixarem de ser de responsabilidade da Federação. “Sem a prerrogativa de gestão desse patrimônio, a União terá muito mais dificuldades de implantar políticas socioambientais de enfrentamento às mudanças climáticas. Estas áreas podem proteger mais da metade da população brasileira (54,8% — 111,2 milhões de pessoas, segundo Censo 2022), que vivem próximas ao litoral no país”, informa.
Na última semana, representantes dos movimentos sociais de pescadores artesanais, povos e comunidades tradicionais dos estados do Maranhão, Ceará e Piauí reuniram-se no seminário “Transição Energética e os Impactos das Renováveis nas Comunidades Tradicionais Pesqueiras: Ceará, Piauí e Maranhão”. O evento, promovido pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), aconteceu entre os dias 28 e 31 de outubro, na Quadra Poliesportiva da Praia da Pedra do Sal, em Parnaíba, Piauí, e debateu os impactos das energias renováveis na vida e nos territórios dessas comunidades.
O seminário reuniu pescadores artesanais, povos indígenas, quilombolas, pesquisadores e entidades ligadas à causa para tratar dos efeitos de projetos de energia renovável, como parques eólicos onshore e offshore e a produção de hidrogênio verde, que tem afetado os territórios pesqueiros. Segundo os organizadores, o evento foi uma oportunidade de fortalecer o diálogo e elaborar estratégias de resistência diante dos impactos socioambientais das novas formas de geração de energia.
Para Luciano Galeno, agente do CPP Regional Ceará/Piauí, o seminário foi uma oportunidade crucial de incidência política e social, reunindo as comunidades dos três estados para compartilharem com os órgão públicos as realidades que enfrentam em relação aos prejuízos trazidos pelos grandes empreendimentos que chegam à região.
“Estamos diante de uma intensificação da exploração dos recursos naturais, muitos dos quais estão localizados em terras indígenas, áreas de conservação e no mar. Isso tem acirrado os conflitos com os povos que protegem esses territórios. Por isso, acreditamos que o tema precisa ser aprofundado e que são necessárias articulações para garantir o bem viver das comunidades e a preservação do próprio planeta,” destaca Luciano Galeno.
Durante os quatro dias de evento, os participantes se engajaram em mesas-redondas, discussões abertas e trocas de experiências. Representantes de órgãos públicos também estiveram presentes para ouvir as demandas das comunidades, que buscam a preservação de suas culturas, conhecimentos ancestrais e direitos — frequentemente desconsiderados por projetos de energia que não levam em conta as particularidades e necessidades dessas populações tradicionais.
Monitor Oceano: democratização e transparência
Representando o Instituto Internacional Arayara, Kerlem Carvalho, apresentou o Monitor Oceano, ferramenta essencial para a compreensão dos impactos socioambientais da exploração de petróleo e gás no Brasil.
A oceanógrafa explicou que o objetivo da ferramenta é democratizar o acesso a dados o que permite uma visualização clara dos impactos potenciais na costa brasileira. “ O Monitor Oceano é também um instrumento das comunidades, uma vez que destaca a importância crucial da região para a pesca, e o modo de vida de milhares de pessoas que estão ligadas intrinsecamente a essa atividade”.
Apresentação do Monitor Oceano, por Kerlem Carvalho, oceanógrafa do Instituto Internacional Arayara.
A indústria pesqueira desempenha grande papel na balança comercial brasileira, movimentando toneladas de produtos para a subsistência, distribuição nacional e exportação para diversos países das Américas, Ásia e Europa.
Um dado preocupante revelado pelo Monitor Oceano: 22% da pesca comercialmente conhecida no litoral brasileiro está sobreposta à indústria fóssil, são 1.271 áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural, afetando diretamente 78% do esforço de pesca das espécies “abrotea, galo e merluza”; 66% do caranguejo-vermelho; 64% do “dourado, atuns e afins”, além de 63% do esforço do “bonito-listrado”, sobreposto por projetos da indústria fóssil. Para a balança comercial, os pescados em destaque movimentaram quase US$ 6 milhões no ano de 2023 em exportação (Comex Stat, 2024).
Segundo Kerlem, a ARAYARA planeja expandir a ferramenta Monitor Oceano para abranger as eólicas offshore, ampliando o debate e a transparência sobre essa fonte de energia.
“Esse seminário contribui para a construção de um futuro energético mais sustentável e justo, fortalecendo a luta por uma transição energética limpa, justa e inclusiva”, afirmou a oceanógrafa.
Resistência e avanço das fontes renováveis
A participação de comunidades tradicionais, pesquisadores e ativistas enriqueceu o debate sobre a necessidade de alternativas energéticas que respeitem os direitos e as tradições das populações pesqueiras.
Com o avanço das fontes renováveis, cresce o apelo por uma transição que priorize práticas justas e inclusivas, levando em conta os impactos sobre os modos de vida locais e assegurando que a energia limpa seja implementada sem comprometer o bem-estar e a cultura dessas comunidades.
“Esse encontro reafirma a necessidade de uma transição energética justa, que ouça e respeite as comunidades tradicionais e trabalhe em prol de soluções que beneficiem a todos e todas”, declarou o diretor-presidente da Arayara, Juliano Bueno de Araújo.
Apesar do papel crucial na transição energética do país, um projeto de lei brasileiro que regulamenta a energia eólica offshore está paralisado por emendas relacionadas a usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis, atrasando investimentos e negligenciando impactos socioambientais.
Originalmente publicado em gasoutlook.com por Amanda Magnani 14.10.2024
Um dos países com a matriz elétrica mais descarbonizada do mundo, o Brasil caminha para o acordo global de triplicar a produção de energia renovável até 2030, tendo ativado 13 novas usinas solares fotovoltaicas e 25 parques eólicos somente em 2023.
Na América Latina, a capacidade eólica instalada em 2022 ultrapassou 44,7 GW , e o Brasil tem papel de liderança. Embora o continente seja atualmente responsável por pouco mais de 5% da produção global de energia eólica, o país está entre os dez primeiros do mundo em capacidade instalada.
Os 316 MW de energia eólica adicionados em 2023, no entanto, são apenas a ponta do potencial iceberg eólico offshore. De acordo com um estudo do World Bank Group, ele ultrapassa 1.200 GW no país. O mesmo estudo estima que, até 2050, a indústria de energia eólica pode gerar mais de 516.000 empregos e render pelo menos R$ 900 bilhões para a economia brasileira.
Apesar de ser uma indústria fundamental para a transição energética, a produção de energia eólica também traz impactos e conflitos socioambientais. Questões como contratos de ocupação de terras que afetam comunidades tradicionais, ameaças à vida selvagem e desmatamento são alguns exemplos.
A exploração offshore ainda não ocorreu no país, que atualmente discute seu arcabouço regulatório. No entanto, minimizar os impactos socioambientais dessa indústria não é o foco do debate legislativo.
Aprovado pelo Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados em agosto de 2022, o Projeto de Lei 576/2021 , conhecido como Projeto de Lei da Eólica Offshore, ainda está longe de alcançar consenso para ratificação.
Conforme tramitava na Câmara dos Deputados, a proposta original para regulamentar a alocação de áreas para exploração de energia offshore recebeu as chamadas emendas “jabuti” — termo usado no Brasil para se referir a propostas incluídas em um projeto de lei que não têm relação com o tópico principal. Na maioria das vezes, procedimentos legislativos importantes são usados para contornar decisões impopulares ou controversas.
“Nosso parlamento tende a aproveitar projetos de lei e anexar questões não relacionadas, os chamados jabutis, para que sejam aprovados em conjunto”, disse Anton Schwyter, gerente de energia do Instituto Arayara, ao Gas Outlook .
Entre as mudanças aprovadas na Câmara está a contratação obrigatória de 4,2 GW de termelétricas movidas a combustíveis fósseis. Inflexíveis, essas usinas estariam em operação por pelo menos 70% das horas do ano, independentemente da demanda.
Esta proposta é consequência das emendas do “jabuti” que foram aprovadas juntamente com a Lei nº 14.182 de 2021, que privatizou a Eletrobras, a maior empresa de energia da América Latina. O principal ponto de controvérsia na lei era a exigência de contratação de 8 GW produzidos por termelétricas a gás inflexível.
Risco para a saúde
O texto também inclui a contratação obrigatória de 4,9 GW de pequenas centrais hidrelétricas, além de estender de 2028 a 2050 os contratos com termelétricas a carvão, a fonte de energia mais poluente e ineficiente disponível.
“Entre os minerais fósseis, o carvão é o mais prejudicial. Além da alta quantidade de gases de efeito estufa emitidos e seus efeitos ambientais e climáticos, nosso carvão nacional contém muita fuligem, que é altamente prejudicial à saúde humana”, disse Schwyter.
Ele explica que essa fonte de energia também é mais cara e menos competitiva, exigindo subsídios para sua geração. Em um contexto de crescimento de fontes renováveis, isso torna o carvão uma opção “ainda mais anacrônica”, acrescentou.
Além de prejudiciais em termos ambientais, as emendas do “jabuti” ao projeto de lei causarão atrasos em sua aprovação e, consequentemente, perda de investimentos . “O arcabouço legal para parques eólicos offshore é extremamente importante para o setor, pois dá segurança para os investidores alocarem recursos de forma eficaz”, disse Edlayan Passos, especialista em transição energética do Instituto E+, à Gas Outlook .
As emendas do “jabuti” também “reduzem a competitividade e o potencial de descarbonização da indústria brasileira, dificultando o potencial do Brasil de se firmar como fornecedor global de produtos de baixa emissão de carbono”, disse Passos.
Um debate sequestrado
Embora o Projeto de Lei da Eólica Offshore tenha sido listado como prioridade no pacto de transformação ecológica firmado pelos Três Poderes, desde a inclusão das emendas do “jabuti” pela Câmara dos Deputados, a energia eólica em si é o tema menos discutido , apesar de seu papel crucial na transição energética nacional.
Em fevereiro, a estatal Petrobras, uma das maiores empresas de óleo e gás do mundo, anunciou que aguardava uma definição da legislação para iniciar investimentos em parques eólicos offshore, um dos pilares da transição energética da empresa. Em julho, representantes do setor elétrico criticaram as emendas do “jabuti” no projeto de lei.
Até o Ministério de Minas e Energia, que continua defendendo a exploração de petróleo , apoia o veto às emendas relacionadas aos combustíveis fósseis.
“Chegamos a uma situação rara em que, durante fóruns e audiências públicas, até mesmo stakeholders do setor de gás concordaram que a proposta de contratação de termelétricas inflexíveis não faz sentido”, disse Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente, ao Gas Outlook .
Baitelo explicou que, em termos numéricos, não há déficit energético. “Na verdade, atualmente há mais contratos de venda do que consumo real, a ponto de parte da energia produzida acabar sendo desperdiçada. No entanto, há, sim, momentos específicos em que ocorre uma lacuna.”
É nesses momentos, em situações de emergência, que as termoelétricas representam uma solução. “Mas elas devem operar como um seguro de carro”, explicou Schwyter. “Elas devem permanecer em standby e, assim como acontece com o seguro, esperamos não ter que usá-las.”
Ele acrescentou que, com o avanço da geração por fontes renováveis, o sistema energético do país está mudando, junto com a necessidade do dito “seguro”.
Além disso, como Baitelo explicou, a energia produzida por usinas termelétricas é muito mais cara do que a de fontes hidrelétricas, solares ou eólicas. Se as emendas “jabuti” ao Projeto de Lei da Energia Eólica Offshore forem aprovadas, os custos operacionais podem ultrapassar 650 bilhões de reais (US$ 117 bilhões) até 2050.
“Isso representa um aumento de 11% nas contas de luz brasileiras, impactando diretamente o orçamento doméstico das famílias e as cadeias produtivas do país”, disse Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, à Gas Outlook . “Não podemos ter representantes cujas decisões favoreçam lobbies específicos do setor energético e vão completamente contra os interesses dos consumidores.”
Transição energética inclusiva
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) já tem 96 pedidos de licenciamento para projetos de parques eólicos offshore, totalizando 234 GW.
“Os pedidos de licenciamento representam quase a mesma quantidade de energia que o Brasil produz hoje. Essa equação não fecha”, disse Cristina Amorim, coordenadora do Projeto Nordeste Potência, à Gas Outlook . “Enquanto isso, muito pouca atenção é dada aos impactos ambientais dos próprios parques eólicos offshore e ao que eles significam para as comunidades e seus territórios.”
Da construção à operação, os parques eólicos representam ameaças , especialmente para aves e ecossistemas marinhos. Suas linhas de transmissão, múltiplas e mais dispersas que as de grandes hidrelétricas, também impactam um número maior de comunidades.
Além disso, o projeto de lei propõe licenciamento separado para o que acontece offshore, sob a jurisdição do Ibama, e para as áreas costeiras, tipicamente sob jurisdição estadual ou municipal. “É importante entender que há um continuum; é tudo uma coisa só”, diz Amorim.
Em termos sociais, um dos principais impactos ocorre entre comunidades tradicionais de pescadores no nordeste do Brasil — onde a maioria das usinas eólicas offshore são construídas — onde as pessoas usam veleiros em vez de motorizados. Dependendo das correntes de vento, os pescadores tradicionais se encontram à mercê do raio de segurança ao redor das turbinas.
“Muitas vezes, quando o raio de duas ou mais turbinas se sobrepõe, cria-se uma barreira que os pescadores não conseguem atravessar para sua própria segurança”, explicou Amorim. “Mas o que acontece se as áreas onde a pesca é melhor estiverem além dessa barreira?”
Ela observou que, mesmo em estados onde ainda não existem parques eólicos offshore, os conflitos territoriais e a violência contra as comunidades já aumentaram. À luz disso, organizações como a Pastoral dos Pescadores, uma associação religiosa que apoia pescadores artesanais por justiça social, já se posicionaram contra esses projetos, acrescentou.
“O que precisamos é que a transição energética, e este projeto de lei como parte dela, seja uma transição para um modelo diferente de geração de energia que seja justo, inclusivo e popular”, diz ela.
Esta história foi produzida como parte do Programa de Indústrias Verdes do Climate Tracker.
Na última terça-feira, 3 de setembro, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou a Audiência Pública nº 02/2024, onde foram discutidas as alterações propostas na minuta do edital da Oferta Permanente sob o Regime de Concessão (OPC). O evento recebeu contribuições de 11 organizações , entre elas, o Instituto Internacional ARAYARA, em colaboração da Coalizão Não Fracking Brasil (COESUS), do Observatório do Petróleo e Gás (OPG), Coalizão Energia Limpa e da Fé, Paz e Clima, que destacou os impactos socioambientais da exploração de petróleo e gás no Brasil.
Das 132 contribuições recebidas pela ANP, 45 foram enviadas pelo Instituto ARAYARA: 39 para a minuta do edital de licitações, além de 6 contribuições para a minuta do contrato de concessão de blocos com risco exploratório.
Entre as principais preocupações levantadas pela ARAYARA estão a continuidade de violações das regras relativas às salvaguardas socioambientais previstas, a degradação do solo, água e ar, e os impactos sociais sobre as comunidades tradicionais. A organização também questionou o curto prazo dado para a submissão de contribuições, argumentando que as comunidades locais e pequenas empresas não teriam tempo suficiente para revisar adequadamente os complexos contratos e editais.
“Parabenizamos a ANP pelas adequações realizadas às poligonais dos blocos, muitas delas atendendendo pedidos feitos pela ARAYARA e COESUS, mas reconhecemos que há um trabalho ainda mais aprofundado a ser realizado pela agência”, declarou Nicole Oliveira, diretora executiva do Instituto Internacional Arayara.
Estudos e Litigância
Dr.Juliano Bueno de Araújo, relatou a importância das revisões e análises ambientais rigorosas da ANP para reduzir riscos e danos. Ele ressaltou a série de cadernos técnicos produzidos pela ARAYARA para o 4º Ciclo de Oferta Permanente, que foram fundamentais para a suspensão da assinatura dos blocos de exploração de petróleo na Amazônia em 2023.
“Os conflitos com as salvaguardas ambientais fez com que o presidente da ANP suspendesse o edital para a revisão dos blocos em oferta. Entretanto, em nossa análise, verificamos que, atualmente, a ANP reduziu o número de blocos, porém a área total ofertada aumentou. Agora 3% do território nacional está em oferta”, pontua o diretor presidente do Instituto Internacional ARAYARA e da COESUS.
Leilão do Juízo Final
Buscando evitar impactos ambientais adversos e assegurar a conformidade com as diretrizes socioambientais e biodiversidade do país, o Instituto ARAYARA recomendou a exclusão/revisão dos blocos do edital da Consulta Pública nº 02/2024.
De acordo com estudo apresentado, 66 blocos ainda estão em desacordo com as salvaguardas regimentais apresentadas pela própria ANP (considerando Nota técnica Conjunta 08/2024).
“Embora sejam feitas correções no shape que eliminem sobreposições a Terras Indígenas, ainda assim, esses blocos se sobrepõem a outros critérios, como assentamentos, fauna e flora Ameaçadas de Extinção”, explica a diretora executiva da ARAYARA, Nicole Oliveira. O estudo mostra que 31 blocos ainda estão sendo propostos na Amazônia Legal; 47 blocos ainda estão sendo propostos na Costa Amazônica e 2 blocos sobrepostos a Unidades de Conservação.
Os dados fazem parte do Caderno Técnico intitulado de Leilão do Fim do Mundo, elaborado com base nos dados do Monitor da Amazônia Livre de Petróleo e Gás e do Monitor Oceano.
Mais de sete judicializações movidas pelo Instituto ARAYARA motivaram a ANP a adotar novos critérios socioambientais para a inclusão de blocos:
No 4º ciclo da Oferta Permanente, 10 blocos indicados no estudo da ARAYARA tiveram suas áreas integralmente excluídas: 4 na Bacia do Potiguar, devido a existência da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), Ponta de Tubarão e da Área de Proteção Ambiental (APA) Dunas do Rosado; e 6 na Bacia de Tucano, devido à presença de Terras Indígenas;
79 dos 404 blocos da Consulta Pública nº 02/2024 precisaram sofrer recortes que somam uma redução da área dos blocos de 24 mil km²;
Com base nos estudos e ações levantadas pela ARAYARA, durante o leilão do fim do mundo, a ANP adotou novos critérios de exclusão: (i) Área de Influência Direta (AID) de Terras Indígenas e Territórios Quilombolas; (ii) Zonas de amortecimento de Unidades de Conservação; (iii) Áreas densamente povoadas; (iv) Áreas de mineração de sal-gema.
Consulta aos povos tradicionais
A coordenadora do Programa Fé, Paz e Clima, Luíza Machado, ressaltou o direito de povos indígenas e comunidades tradicionais à consulta prévia, livre e informada em caso de empreendimentos que os afetem, conforme está previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Vinícius Nora, gerente de Oceanos e Clima da ARAYARA, pontuou a falta de participação do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) neste processo de decisão diante das comunidades de pescadores e pescadoras, que também são fortemente impactadas e não estão incluídos no grupo de povos tradicionais.
É importante ressaltar que a Economia da Pesca desempenha grande papel na balança comercial brasileira, movimentando toneladas de produtos para a subsistência, distribuição nacional e exportação para diversos países das Américas, Ásia e Europa. Dados do estudo Impactos do Avanço do Petróleo na Pesca da Costa Amazônica, do Instituto ARAYARA, revelam que apenas no ano de 2022, somente as exportações de subprodutos da pesca como bexigas natatórias, totalizaram US$18,6 bilhões para Hong Kong.
Isso mostra que o investimento de US$3,1 bilhões previsto pela indústria fóssil para a Margem Equatorial nos próximos cinco anos – de acordo com o Plano Estratégico (2024-2028) – representa uma expressividade de mercado muito menor em relação à cadeia produtiva da pesca.
Não Fracking Brasil
Nicole Oliveira, que também atua como Coordenadora Nacional da COESUS, alertou sobre a urgência do Brasil em adotar energias renováveis. “Se as políticas atuais forem mantidas, estima-se que o aquecimento global seja limitado a 3°. O cumprimento de todas as promessas incondicionais e condicionais até 2030 reduz essa estimativa para 2,5°C”.
A missão da Coesus é impedir o Fracking e desenvolver uma economia de baixo carbono, propondo soluções energéticas que tornem a sociedade dona de uma energia barata, livre, limpa e que não ofereça riscos.
Também participaram da audiência representantes do setor de petróleo, como a EnerGeo, que defenderam a continuidade das atividades exploratórias, argumentando que a exploração é crucial para manter a autossuficiência energética do Brasil e combater a pobreza em regiões carentes.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) prevê que, em 2024, os investimentos na fase de exploração dos contratos de petróleo e gás natural cheguem a cerca de R$10 bilhões (R$9,97 bilhões). O número está no Relatório Anual de Exploração 2023, publicado nesta segunda-feira (2).
Dos investimentos previstos apenas para 2024, R$9,50 bilhões serão alocados em ambiente marítimo, sendo R$8,50 bilhões na perfuração de poços. Para o ambiente terrestre, a previsão é de R$470 milhões.
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