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Impulsionado por lobby, gás natural acumula vitórias em 2024 no Brasil

Impulsionado por lobby, gás natural acumula vitórias em 2024 no Brasil

Setor emplacou “jabuti” em projeto de eólicas offshore e viu complexo termelétrico avançar no Pará

Por Rafael Oliveira – Agência Pública – 16/12/2024

No tabuleiro da produção energética no Brasil, o peão do gás natural avançou várias casas em 2024. A vitória mais recente ocorreu na semana passada, quando o lobby do setor conquistou a aprovação de um jabuti – trecho em um projeto de lei (PL) sem relação com o tema original – que o favorece no PL que regulamenta as eólicas offshore.

Mas houve outras conquistas ao longo do ano. No Pará, a instalação de um gigantesco complexo termelétrico está acelerada, e durante a reunião do G20 (grupo das nações mais ricas), o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia (MME), assinou um memorando de entendimento com a Argentina para importação do gás de Vaca Muerta, que pode ajudar a baratear o combustível fóssil no país.

Em um momento em que o Brasil deveria estar, na visão de especialistas, reduzindo o uso de combustíveis fósseis, os principais responsáveis pelas mudanças climáticas, a previsão é de crescimento. O Plano Decenal de Expansão de Energia 2034, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao MME, estima mais que dobrar a produção bruta do gás natural, chegando a 315 milhões de metros cúbicos por dia nos próximos 10 anos.

A defesa do crescimento do combustível de origem fóssil, que conta com o apoio de Silveira, se baseia em dois argumentos principais que são fortemente rechaçados por ambientalistas.

O primeiro é de que o gás natural seria fundamental para a transição energética do país. “O gás natural é fóssil, mas é o mais limpo dos fósseis. Quem quer excluir o gás natural no Brasil da transição energética é míope e quer que a energia fique mais cara, quer que o país não tenha segurança energética”, defende Adriano Pires, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura) e uma das principais vozes pró-gás natural do país.

De fato, o gás natural é menos poluente que outros fósseis, como petróleo e carvão, e é visto como importante combustível de transição em países que dependem muito dessas duas fontes, como ocorreu nos Estados Unidos. Mas não é o caso do Brasil. Aqui, na maior parte dos casos, o gás não está entrando como substituto de fósseis mais poluentes, mas como acréscimo.

Ou seja, em vez de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o aumento da presença de gás vai sujar a nossa matriz elétrica, apontam especialistas. Além de, ao contrário do que diz Pires, aumentar a conta de luz. Gás é mais caro que água, sol ou vento.

POR QUE ISSO IMPORTA?
Aumento da presença do combustível fóssil na nossa matriz elétrica pode aumentar nossas emissões de gases de efeito estufa e o preço da conta de luz

País planeja dobrar produção de gás nos próximos dez anos, apesar de compromisso global por transição para longe dos combustíveis fósseis, necessária para conter o aquecimento global

“O que o setor do gás quer é correr atrás de um tempo perdido que não vai voltar”, afirma Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “O único lugar que ainda se pode argumentar que o gás deve fazer parte é a indústria. Mas, fora isso, o gás só atrasa a transição energética. Quanto mais tempo ficarmos com o gás natural, mais vai demorar para dar escala a outras alternativas.”

O segundo argumento pró-gás remete ao apagão do início dos anos 2000, quando o abastecimento de energia elétrica no país era quase completamente dependente de fontes hidrelétricas, e uma seca intensa obrigou o governo a promover um racionamento de energia. Foi quando várias termelétricas foram construídas no Brasil para evitar o desabastecimento.

De lá para cá, no entanto, a participação de outras fontes renováveis, como solar e eólica, aumentou significativamente, reduzindo a dependência das chuvas. A partir de então, a justificativa passou a ser que essas duas fontes são intermitentes e, portanto, não seriam confiáveis como as fontes fósseis.

“Existem soluções para lidar com a intermitência dessas fontes, como o armazenamento de energia em baterias e o aumento da transmissão”, aponta Baitelo. “Em algumas épocas do ano estamos desperdiçando energia renovável adoidado. O Brasil está com energia sobrando, com leilões sendo cancelados. Não é falta de energia, é falta de planejamento, falta de um sistema robusto”, complementa

O Iema, onde Baitelo atua, é um dos membros da Coalizão Energia Limpa, que em junho deste ano publicou o relatório “Regressão Energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática”. O estudo sistematiza os acontecimentos do setor de gás natural nos últimos anos e aponta os problemas da expansão do uso do combustível fóssil, que responde pela maior parte das emissões do setor elétrico brasileiro.

Com o aumento das emissões de gases do efeito estufa, o planeta fica cada vez mais distante da meta de conter o aquecimento global em 1,5 °C. O resultado disso é o crescimento de eventos climáticos extremos, incluindo chuvas avassaladoras, como as que atingiram o Rio Grande do Sul, secas prolongadas como as que vêm afetando a bacia do rio Amazonas e ondas de calor.

O gás natural também está associado a danos ambientais locais, como riscos de vazamento, supressão de vegetação nativa, uso intensivo de água e poluição do ar – com possíveis impactos na saúde respiratória da população que vive na região da termelétrica. Segundo um estudo do C40, uma organização de cidades preocupadas com o meio ambiente, a poluição causada pelo gás natural pode resultar em mais de 48 mil mortes prematuras extras no Brasil até 2050.

Térmicas-jabuti vão encarecer conta de luz e aumentar emissões

Apontado como principal conquista do lobby do gás natural em 2024, o jabuti inserido no PL que regulamenta as eólicas offshore (em alto mar) é fruto de uma dobradinha com o ainda mais poluente carvão mineral. O projeto, que originalmente visava fortalecer uma fonte de energia limpa, acabou gerando benefícios também para os combustíveis fósseis.

O texto modifica um  jabuti anterior que o setor tinha emplacado na lei que permitiu a privatização da Eletrobras, em 2021. Há três anos, tinha sido inserida a obrigatoriedade de instalação de 8 gigawatts (GW) de usinas térmicas. Mas como essa quantidade não se mostrou viável  economicamente, o novo jabuti diminuiu a previsão para 4,25 GW. E criou dispositivos econômicos que favorecem empresas como a de Carlos Suarez, dono da Termogás e conhecido como “rei do gás”, como apontou reportagem d’O Globo.

Jabuti inserido no PL que regulamenta as eólicas em alto mar é fruto de uma dobradinha com o carvão mineral

 

O que se mantém é a inflexibilidade das usinas. Atualmente, a maior parte das térmicas do país só é acionada em caso de necessidade – como ocorreu neste ano diante da seca que atingiu as hidrelétricas. É o que gera a chamada bandeira vermelha. Quando a situação se estabiliza, elas são desligadas, e o preço volta ao normal. Com isso, as térmicas operam, em média, apenas 20% a 30% por ano. Mas os jabutis colocados tanto na lei da Eletrobrás quanto no PL das eólicas offshore estabelece que as térmicas devem operar obrigatoriamente por 70% do tempo.

De acordo com os cálculos da Coalizão Energia Limpa, essas mudanças têm o potencial de emitir 274,4 milhões de toneladas de CO2 equivalente ao longo dos próximos 25 anos. Além de gerar um custo adicional para o consumidor de até R$ 658 bilhões, cerca de R$ 25 bilhões por ano. Isso pode representar um aumento de 11% na conta de luz.

“Como as usinas são inflexíveis, o país vai ter de deixar de gerar energia de fontes mais baratas e menos poluentes, como a eólica, solar ou até a hidrelétrica. Vai se contratar uma energia cara, uma energia suja, e todo esse custo adicional poderia estar sendo redirecionado não só para a transição energética, mas também para investimentos em produção de energia renovável”, aponta Anton Schwyter, gerente de energia do Instituto Arayara.

Para Baitelo, o investimento obrigatório nas térmicas-jabuti pode gerar “ativos encalhados”, já que a redução do uso de combustíveis fósseis será cada vez mais imperativo nas próximas décadas. “Os contratos são de 15 de anos, algumas estariam começando [a operar] em 2026, outras em 2028. Isso significa criar térmicas e gasodutos que se estenderiam pelo menos até 2043, ou um pouco a mais. Vale a pena construir essa infraestrutura?”, questiona.

Os efeitos poluentes e no bolso do consumidor dos jabutis inseridos no PL das eólicas offshore não param por aí: o carvão mineral conseguiu emplacar o prolongamento até 2050 de usinas previstas para encerrar as atividades em 2028 – o que beneficia empresas como a Âmbar Energia, do grupo econômico dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

O aumento da conta de energia é questionado por Adriano Pires, do CBIE. Para ele, os números são “completamente equivocados” e fruto de um “lobby burro e irresponsável” pró-eólica e solar. “Não vai ter picos de preço como a gente teve nos últimos anos e vai trazer mais segurança ao sistema elétrico brasileiro. Até mais segurança para a própria geração eólica e solar”, diz Pires.

Para o economista, que presta consultoria para empresas do setor, o aumento na emissão de gases do efeito estufa se justifica. “O grande emissor de gases do Brasil não é o setor energético. Tudo na vida tem um custo. Se a gente precisa ter segurança energética, a gente tem, às vezes, que aumentar um pouquinho a emissão de gases. Agora, o benefício da segurança é maior. Por quê? Porque o aumento é mínimo”, diz.

Aprovado no Senado após ganhar os jabutis na Câmara, o projeto aguarda sanção presidencial. Segundo o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), os dispositivos pró-fósseis serão vetados por Lula (PT). O senador afirmou que a questão será judicializada em caso de derrubada do veto pelo Congresso.

Subsídios para fósseis seguem muito maiores do que para renováveis

Na contramão do processo de fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis, como definido pela Conferência do Clima da ONU de Dubai (COP28), em 2022, o Brasil segue institucionalmente e financeiramente apoiando fontes não renováveis e poluentes.

Segundo um relatório produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os subsídios federais à produção e ao consumo de fontes fósseis chegaram a R$ 81,74 bilhões em 2023, valor muito superior ao destinado a fontes renováveis, que foi de pouco mais de R$ 18 bilhões. Para cada R$ 1 investido em fontes renováveis, R$ 4,52 foram destinados para fontes fósseis. Nos cinco anos anteriores, entre 2018 e 2022, os subsídios aos fósseis foram cinco vezes maiores do que às renováveis.

A predileção pelos fósseis também aparece no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, que estabelece o planejamento orçamentário do governo para o período. O PPA enviado ao Congresso Nacional destinou ao Programa Transição Energética somente 0,2% do valor alocado para o Programa Petróleo, Gás, Derivados e Biocombustíveis, segundo nota técnica do Inesc.

O favorecimento aos combustíveis não renováveis foi constatado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No final de novembro, após auditoria nas políticas públicas e ações do governo federal em relação à transição energética, o TCU fez uma série de determinações e recomendações para o MME.

Na justificativa para seu voto, o ministro Walton Alencar Rodrigues destacou que “o sistema é pouco adequado para objetivos mais ambiciosos de reindustrialização verde”, apontando que a presença de investimentos em combustíveis fósseis no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é bem maior do que a de energias renováveis ou de baixo carbono: 62% contra 38%.

Além das isenções e subsídios federais, vários projetos relacionados ao setor de gás natural são financiados pelo BNDES. Nos últimos anos, o banco de desenvolvimento financiou projetos na cidade paraense de Barcarena (UTE Novo Tempo, em R$ 1,8 bilhão) e nas fluminenses São João da Barra (UTE GNA Porto do Açu III, R$ 3,9 bilhões) e Macaé (UTE Marlim Azul, R$ 2 bilhões).

Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira

O gás natural também é protagonista de uma iniciativa do ministério de Minas e Energia, comandado por Alexandre Silveira. Trata-se do “Gás para Empregar”, instituído via decreto do presidente Lula em agosto. O programa tem como objetivo diversificar e aumentar a oferta de gás natural no mercado doméstico e diminuir o preço para o consumidor final, além de atrair  investimentos privados para a infraestrutura necessária.

Uma das iniciativas ligadas ao programa foi a assinatura do memorando de entendimento entre Brasil e Argentina durante a reunião do G20, no mês passado, para viabilizar a importação de gás natural argentino a partir do ano que vem. O montante, inicialmente de dois milhões de metros cúbicos por dia, pode chegar a 30 milhões de m³/dia em 2030.

O acordo, celebrado por Silveira, vai importar gás do controverso campo de Vaca Muerta, a segunda maior reserva de gás fóssil não convencional do mundo. A extração por lá se dá por meio do fracking, técnica criticada por ambientalistas por conta de seu impacto socioambiental.

O fracking, muito popular nos EUA, é proibido em países como França, Alemanha e Reino Unido, além de estados brasileiros como Paraná e Santa Catarina. Apesar disso, é frequentemente defendido por Silveira, que já afirmou que o veto à técnica “pode trazer grandes prejuízos ao Brasil”.

Em Barcarena, gás avança a passos largos

No Pará, em um município colado a Belém, que será sede da próxima Conferência do Clima da ONU (COP30), no ano que vem, uma subsidiária da multinacional New Fortress Energy (NFE) conseguiu avançar a passos largos em seu complexo de gás natural. Em fevereiro, a empresa inaugurou em Barcarena o primeiro terminal de importação de gás natural liquefeito (GNL) da região Norte e estacionou uma Unidade Flutuante de Armazenamento e Regaseificação (FSRU, na sigla em inglês) no porto local.

Também avançou nas obras da primeira etapa da usina termelétrica (UTE) Novo Tempo, que terá mais de 600 megawatts (MW) de capacidade instalada e tem previsão de inauguração em julho do ano que vem. Mas o projeto não para por aí: no final do ano passado a NFE assumiu o contrato de um projeto originalmente planejado para ser construído em Caucaia (CE), transferindo-o para Barcarena. A UTE Portocém, com capacidade prevista de 1,6 gigawatts (GW), também está em obras e tem o início da operação previsto para o início de 2027.

Segundo documentos internos da NFE enviados ao Ibama, o complexo termelétrico (que engloba a Novo Tempo e a Portocém) pode atingir a capacidade instalada de 2,6 GW ao final de todas as obras, se tornando o maior da América Latina. O valor equivale a quase 20% da capacidade instalada de Itaipu, a maior produtora de energia do Brasil.

Usina Termelétrica (UTE) Novo Tempo em Barcarena no Pará

 

Como mostrou a Agência Pública em reportagem publicada em julho, o vultoso empreendimento de gás natural está se instalando em um município com um histórico de dezenas de acidentes ambientais e uma população saturada dos impactos causados pelas empresas com a leniência do poder público.

“Todo ano tem novos desastres e todo ano são instalados novos empreendimentos, sem nenhum controle sobre os que já existem. Os desastres são praticamente iguais, a poluição é comprovada e aumenta o tempo todo, e mesmo assim o [governo do] estado chama mais empresas para se instalarem. Barcarena é uma bomba prestes a explodir”, disse à época o professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA) Marcel Theodoor Hazeu.

 

Nem tudo são flores para o gás natural

Nem só de conquistas viveu o setor de gás natural em 2024, no entanto.

Para Adriano Pires, consultor da área e voz pró-gás natural, frustrou a falta de novos leilões de energia por parte do governo federal e a manutenção do domínio da Petrobras na comercialização do gás – o que, para ele, dificulta a redução no preço do combustível.

Paralelamente a isso, uma demanda antiga do setor, a ampliação da infraestrutura, subiu no telhado: a discussão sobre o Brasduto, uma malha nacional de gasodutos a ser construída com dinheiro público, sequer voltou a dar as caras, depois de tentativas frustradas em 2022 e 2023.

Parte das derrotas do setor se deve à resistência de setores da sociedade civil contra o avanço do combustível fóssil.

Em Caçapava (SP), localizada a 115 km da capital, a Natural Energia encontrou dificuldades para fazer andar o processo de licenciamento ambiental da UTE São Paulo, que tem previsão de gerar 1,74 GW de energia e ser integrada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Os possíveis impactos socioambientais e climáticos, incluindo a emissão de 6 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, têm feito com que ativistas e especialistas lutem contra a instalação do empreendimento.

No início do ano, em janeiro, a mobilização social fez com que o Ministério Público Federal (MPF) entrasse com uma ação civil pública que conseguiu barrar a realização de uma audiência pública e suspender o licenciamento.

A despeito de um parecer contrário do próprio Ibama em abril, apontando problemas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), a Natural Energia conseguiu retomar o andamento do projeto, com novas audiências públicas sendo marcadas para o início de julho. Novamente, a mobilização social impediu que as audiências se concretizassem, dessa vez por meio de manifestações populares que inviabilizaram a realização.

No início de agosto, a empresa protocolou um EIA atualizado no sistema do Ibama, mas não houve novos avanços no licenciamento até o momento. Ainda não há perspectivas de realização de novas audiências públicas.

Além de movimentos e organizações ambientalistas, a possível instalação do empreendimento também despertou reações de outros setores. O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), por exemplo, capitaneou um manifesto contrário à UTE. E as câmaras de vereadores de 12 municípios da região do Vale do Paraíba, incluindo a de Caçapava, aprovaram moção de repúdio contra a instalação da térmica a gás fóssil.

Edição: Giovana Girardi

 

Marco regulatório de energia offshore passa pela Comissão de Infraestrutura do Senado

Marco regulatório de energia offshore passa pela Comissão de Infraestrutura do Senado

A Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado aprovou aprovou aprovou nesta terça-feira (10) o projeto de lei (PL) 576/2021, conhecido como o marco regulatório para a exploração de energia elétrica offshore (no mar). O texto deve passar nesta quarta-feira (11) no Plenário da Casa para depois seguir para a sanção presidencial, quando possivelmente deverá ocorrer alguns vetos à matéria, particularmente quanto ao jabuti (termo utilizado quando uma proposta é colocada dentro do documento sem ter conexão com o tema original) que favorece a contratação da geração de termelétricas a carvão.

A presidente do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio presidente do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio presidente do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio Grande do Sul (Sindienergia-RS), Daniela Cardeal Grande do Sul (Sindienergia-RS), Daniela Cardeal Grande do Sul (Sindienergia-RS), Daniela Cardeal, recorda que já se passaram três anos da proposta do projeto e houve várias mudanças. “A gente entende que poderia, realmente, ser um PL de offshore em vez de inserir outras fontes que vão acontecer no onshore (em terra)”, argumenta a dirigente. Ela reforça que a construção do marco regulatório envolve antigas negociações antigas negociações antigas negociações políticas políticas políticas. “Para nós do Sindienergia-RS, o que a gente quer é ver esse projeto agora em formato de lei, porque estamos perdendo competitividade a cada semana, a cada mês, que não acontece essa regulamentação”, frisa Daniela.

A dirigente salienta que há excelentes empreendimentos eólicos a serem desenvolvidos na costa gaúcha, do ponto de vista de potência, de logística e quanto ao licenciamento ambiental. Contudo, a representante do Sindienergia-RS reitera que para o setor é fundamental contar com segurança jurídica para fazer investimento, por isso a relevância da consolidação de uma lei relevância da consolidação de uma lei relevância da consolidação de uma lei a respeito do segmento.

A questão do carvão também envolve diretamente o Rio Grande do Sul, já que a possibilidade da contratação de energia dessa fonte fóssil poderia prolongar a operação da termelétrica gaúcha Candiota 3, que tem seu contrato de comercialização de energia acabando neste mês de dezembro. Durante a apreciação do PL 576 na Comissão de Infraestrutura, o senador Jaques Wagner (PT-BA) senador Jaques Wagner (PT-BA) senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do Governo no Senado, comentou que havia o compromisso do Poder Executivo com o veto do artigo que veto do artigo que veto do artigo que diz respeito à continuidade das termelétricas diz respeito à continuidade das termelétricas diz respeito à continuidade das termelétricas.

O engenheiro ambiental do Instituto Internacional Arayara, John Fernando engenheiro ambiental do Instituto Internacional Arayara, John Fernando engenheiro ambiental do Instituto Internacional Arayara, John Fernando de Farias Wurdig de Farias Wurdig de Farias Wurdig, avalia que a manutenção do uso do carvão no País não pode ser considerada um processo de transição energética. “É um dos maiores retrocessos no campo ambiental e climático”, critica Wurdig.

Para o representante do Arayara, a promessa de veto às termelétricas a carvão pelo governo federal não é o suficiente para tranquilizar não é o suficiente para tranquilizar não é o suficiente para tranquilizar os ambientalistas. Ele comenta que, mesmo confirmando o veto, há a possibilidade de ser derrubado quando a matéria retornar ao Senado. O engenheiro frisa que o PL deveria tratar apenas da questão offshore.

Wurdig enfatiza ainda que a Companhia Riograndense de Mineração (CRM) Companhia Riograndense de Mineração (CRM) Companhia Riograndense de Mineração (CRM), controlada pelo governo gaúcho, está sendo beneficiada com o PL, pois a estatal é a fornecedora de combustível para a usina de Candiota 3. “E a CRM, nos últimos seis anos, tem mais de R$ 1 milhão em multas por crimes ambientais, aplicadas pela própria Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Hoje, a CRM está dentro da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), onde está também a Fepam, que aplica as multas”, ressalta.

Em nota, a Sema afirma Sema afirma Sema afirma que “o governo do Estado está comprometido com a implementação de uma transição energética justa, que promova a diversificação e a descarbonização da matriz energética”. O comunicado recorda que, em outubro, o governador Eduardo Leite assinou o contrato para a elaboração do Plano de Transição Energética Justa do Estado, para “garantir que a mudança ocorra de maneira equilibrada, promovendo a inclusão social e o desenvolvimento econômico”. A CRM, segundo a Sema, integrará os estudos e terá papel fundamental no plano de transição. A pasta aponta ainda que a Fepam tem a competência de realizar o licenciamento e a fiscalização ambientais, sendo uma autarquia independente vinculada ao Estado.

Na segunda-feira (16), o Instituto Arayara lançará na Assembleia Legislativa do Instituto Arayara lançará na Assembleia Legislativa do Instituto Arayara lançará na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul um estudo mostrando, de acordo com Wurdig, a insustentabilidade de Candiota 3. “A gente entende que tem o trabalhador, a geração de renda, a arrecadação de impostos para o município, mas não dá para continuar com esse modelo até 2050”, defende o engenheiro ambiental.

Fonte: Jornal do Comércio

Litigância climática no Brasil é tema de webinário do JUMA e BIICL

Litigância climática no Brasil é tema de webinário do JUMA e BIICL

O Instituto Internacional ARAYARA teve uma participação de destaque no webinário “Perspectivas para a Litigância Climática Corporativa no Brasil”, realizado no dia 29 de novembro. O evento, promovido pelo Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (JUMA), em parceria com o British Institute of International and Comparative Law (BIICL), discutiu o papel crucial da litigância climática no enfrentamento dos impactos ambientais das atividades corporativas.

O evento representou a conferência nacional brasileira no âmbito do projeto “Global Perspectives on Corporate Climate Legal Tactics” do BIICL, que examinou os aspectos específicos da litigância climática no mundo corporativo e levou à produção de uma Toolbox Global. Em sua primeira fase, analisou e comparou em relatórios nacionais as melhores práticas de 17 jurisdições, dentre elas o Brasil. 

Durante o evento, acadêmicos, profissionais e representantes de ONGs e de grupos indígenas discutiram as perspectivas para Litígios Climáticos Corporativos no Brasil. O acesso à justiça climática, com ênfase na superação das barreiras legais que dificultam a reparação para as comunidades afetadas foi um dos temas abordados. Também foram discutidas as lacunas na legislação atual e como o Direito pode se adaptar para enfrentar os desafios ambientais do Antropoceno. Além disso, a importância de um marco legal robusto foi ressaltada, especialmente para proteger os direitos dos povos indígenas, que continuam a ser impactados negativamente pelas atividades empresariais.

Houve também o lançamento do Sumário Executivo do Relatório Nacional Brasileiro. A obra foi traduzida para o português e preparada pelas relatoras brasileiras do projeto, Profa. Danielle de Andrade Moreira e Carolina Garrido, coordenadoras do JUMA.

O Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (JUMA) é reconhecido por sua atuação crítica no campo jurídico-ambiental. Com foco no Antropoceno, o período em que as ações humanas têm impacto dominante no planeta, o JUMA investiga e propõe soluções para os desafios impostos pela crise ambiental e climática.  

Justiça ambiental

A ARAYARA foi convidada a compartilhar sua experiência sobre o tema, sendo representada pelo advogado Luiz Ormay. Ele destacou o papel da instituição na litigância climática e apresentou ferramentas importantes, como o Monitor Amazônia Livre de Petróleo e Gás e o Monitor Oceano, que fornecem dados científicos essenciais para suas ações jurídicas. Ormay explicou que a ARAYARA adota uma abordagem multidisciplinar em suas ações, envolvendo profissionais de diversas áreas, além de desenvolver campanhas de comunicação e mobilização para sensibilizar o público e engajar diferentes atores na causa climática.

Durante sua fala, Ormay também detalhou casos emblemáticos em que a ARAYARA esteve envolvida, como a Ação Civil Pública (ACP) da Terra Indígena Rio dos Pardos, a ACP contra a Usina Termelétrica Figueira e a ACP da Mina Guaíba. “Esses processos foram fundamentados em dados científicos, que fortaleceram as alegações jurídicas. O impacto desses casos no cenário nacional é significativo, com vitórias que têm gerado importantes desdobramentos para a justiça ambiental”, explicou o advogado.

Em outubro deste ano, a Plataforma de Litigância Climática no Brasil, desenvolvida pelo JUMA, cadastrou no seu banco de dados a ação civil pública que o Instituto Internacional Arayara protocolou, em agosto deste ano, contra a Usina Termelétrica (UTE) Figueira, uma das mais antigas do Brasil. A ação denuncia irregularidades no licenciamento ambiental da usina e possíveis impactos à saúde pública e ao meio ambiente após mais de seis décadas de operação.

Uma PBio pública pela transição energética justa

Uma PBio pública pela transição energética justa

Cinco dias antes do início da COP 29 (29a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – CQNUMC/ UNFCCC), a Diretoria Executiva da Petrobrás aprovou uma medida esperada há anos: a Petrobrás Biocombustível S.A. (PBio) não será vendida tão cedo. A decisão atende ao pleito de trabalhadores do setor de energia que se mobilizam nas últimas décadas em defesa da PBio.

Artigo de Opinião

Por Renata de Loyola Prata – advogada, assistente da Diretoria Executiva da ARAYARA

 

A PBio foi fundada em 2008 como subsidiária integral da Petrobrás e, desde então, houve sucessivas iniciativas de minguar a empresa, sempre resistidas pelos trabalhadores da PBio e petroleiros. Os trabalhadores da subsidiária, assim como da Transpetro, se organizam nos Sindipetros, tendo em vista que a atividade econômica preponderante da empresa matriz é a exploração, produção, refino e transporte de petróleo e gás. Em 2021, houve uma greve nacional contra a privatização da PBio, chegando à adesão, na Bahia, de 100% dos trabalhadores da usina. A Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) ingressou com uma ação popular contra a tentativa de privatização. Além disso, o Sindipetro/MG, Sindipetro/BA, Sindipetro CE/PI, em convergência, propuseram uma ação civil pública. No bojo dessa ação judicial, o Ministério Público Federal apresentou parecer favorável à suspensão do processo de concessão.

Atualmente, a PBio é proprietária de três usinas de biodiesel: duas em funcionamento localizadas na Bahia e em Minas Gerais e uma hibernada no Ceará. Segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), a subsidiária foi pioneira no desenvolvimento de tecnologias e da produção de biodiesel no Brasil, atingindo a colocação de maior produtora de biodiesel no país, também atuando na produção de etanol.  Entretanto, em 2023, a subsidiária produziu o menor resultado em toda sua história: apenas 91 mil m³ de biodiesel. 

De acordo com a cartilha apresentada na COP 27, desenvolvida pelo Instituto Internacional ARAYARA, Sindipetro-RJ entre outras organizações de ensino e pesquisa e da sociedade civil, a empresa de economia mista é uma das melhores apostas para o Estado brasileiro de fato promover uma transição energética justa no país, mesmo após sua abertura para o investimento privado nos anos noventa, e o início dos leilões, possibilitando a venda de blocos de petróleo e gás para empresas privadas explorarem. Embora longe do cenário ideal, a empresa ainda é controlada pela União e, no início deste ano, o Estado detinha diretamente mais 50,26% de suas ações ordinárias.

A emergência climática é assunto de caráter público e coletivo, tendo em vista que gera danos para toda a população e perpetua injustiças sociais, raciais e de gênero. A necessidade de abandonar o petróleo, gás e carvão e zerar o desmatamento, como premissas para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, impõe tarefas transversais, coordenadas, robustas e que, necessariamente, reduzirão a margem de lucro do setor de combustíveis fósseis e da agropecuária insustentável e irresponsável. Inclusive, após anos de letargia desde o Rio 92, finalmente na COP do ano passado, constou no acordo aprovado no final da conferência, pela primeira vez na história da CQNUMC/ UNFCCC, que é necessária a “transição em direção ao fim dos combustíveis fósseis”. Devido a sua natureza, essas tarefas dificilmente serão orquestradas por outro ator senão o Estado imbuído de participação popular sobretudo de comunidades já afetadas pelo caos climático e poluição gerada por esses setores.

Por isso, a reversão de privatizações no setor elétrico é mais comum mundo afora. Em junho do ano passado, a França concluiu a reestatização da Électricité de France (EDF), geradora de energia. Desde o ano 2000, a Alemanha reestatizou 284 empresas do setor de energia, a Austrália 13, a Holanda 6, a Espanha 19, o Reino Unido 15 e os Estados Unidos 11. Nesse sentido, a luta dos trabalhadores da PBio e petroleiros continua, tendo em vista que o horizonte é mais ambicioso do que retirar a subsidiária do rol de privatizações. A demanda é para que os empregados da PBio sejam incorporados ao Sistema Petrobrás, havendo um plano de cargos único e firmando acordos coletivos unitários, assim valorizando os trabalhadores e fortalecendo a atividade.

Medidas como essa, que trazem maior potência à PBio contribuem para que o país aprimore sua estrutura institucional na mitigação climática. A nova NDC (Contribição Nacionalmente Determinada) que a delegação brasileira apresentou na COP hoje em curso, está longe de prever todas as medidas que de fato nos afastem do precipício climático e social. Entretanto, o destaque que o Brasil dotou aos biocombustíveis é um importante passo e precisa ser materializado em uma agenda de fortalecimento da PBio, dando continuidade às boas novas sobre a subsidiária. Essa tarefa, evidentemente, deve ser trilhada com salvaguardas, compreendendo que a indústria de biocombustíveis deve ser fortalecida para a mitigação climática e justiça ambiental.

Nesse sentido, conforme idealizado desde seu início, o Programa Nacional de Biodiesel, a produção de biocombustíveis deve ser integrada à agricultura familiar, priorizando pequenos fornecedores locais produtores de óleos (mamona, macaúba, caroço de algodão, entre outras), evitando monoculturas, gerando emprego e renda, fortalecendo uma cadeia de suprimentos sustentável e estimulando uma economia regenerativa. Aliado a isso, deve haver um firme compromisso da Petrobrás para afastar definitivamente de sua política a possibilidade de privatizar a PBio e que a subsidiária, bem como a Petrobrás sejam 100% estatais.

As soluções para a mitigação climática devem ser articuladas com ampla participação de comunidades atingidas e das categorias laborais mais próximas aos setores geradores de gases de efeito estufa. Essa troca mútua historicamente rendeu bons frutos, conforme argumenta Stefania Barca em “Workers of the Earth: Labour, Ecology and Reproduction in the Age of Climate Change” (2024). Recentemente no Brasil, experiências como as mobilizações contra os leilões de petróleo e gás da oferta permanente são escolas de ação climática, agitadas por quilombolas, indígenas, trabalhadores do Sindipetro-RJ e organizações da sociedade civil. Muito também nos ensina a luta vitoriosa dos petroleiros contra a privatização da PBio.

 

ARAYARA NA MÍDIA | Projeto de exploração de petróleo na Amazônia brasileira expõe disputas de interesses

ARAYARA NA MÍDIA | Projeto de exploração de petróleo na Amazônia brasileira expõe disputas de interesses

Aumenta a pressão do mercado para que a Petrobras seja autorizada a fazer estudos de exploração na foz do rio Amazonas. Por outro lado, a sociedade civil se organiza e tenta impedir que a região seja alvo da atividade petroleira.

 

Matéria de Alice Martins Morais para o climatetrackerlatam.org publicada em 18/10/2024.

Enquanto mantém um discurso de liderança na diplomacia ambiental, o Brasil enfrenta uma contradição dentro do seu próprio território. O país produz mais de 3 milhões de barris de petróleo por dia, é o nono maior produtor no planeta e o primeiro da América Latina. E a petroleira estatal Petrobras quer expandir ainda mais as perfurações, desta vez na Amazônia. A exploração seria bem próxima do estado do Pará, cuja capital, Belém, será sede da Conferência das Nações Unidas, a COP30, em 2025.

Passaram-se 16 meses desde que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu o pedido inicial da Petrobras de começar a perfurar poços para pesquisar se realmente há potencial de extração no local. A decisão foi baseada em diversas justificativas, como a falta de estrutura de atendimento à fauna em um eventual acidente. Isso porque, mesmo que apenas para pesquisa, as medidas de precaução devem ser praticamente as mesmas que no cenário de produção, já que os riscos são similares.

Essa é a segunda negativa para atividades de perfuração na região. Em 2018, o Ibama negou a emissão de licença para cinco blocos sob controle da empresa Total. Apesar da decisão técnica,  a Petrobras não desistiu de obter a autorização. Desde então, a empresa continua insistindo com o órgão e, em paralelo, realizando expedições científicas para subsidiar seus argumentos. Em maio de 2023, a empresa protocolou um pedido de reconsideração da decisão, na qual se prontificou a ampliar seus esforços, inclusive investindo na base de estabilização de fauna na cidade de Oiapoque, para atuar em conjunto com a base já existente em Belém.

Diversas organizações organizaram protestos durante a programação do Diálogos Amazônicos, em 2023, em Belém. Créditos: Divulgação / Instituto Internacional Arayara.

Ainda não se sabe ao certo quando o Ibama deve dar uma nova resposta, em cima do pedido de reconsideração da petroleira. Em nota, o Instituto informou que “a análise do processo está em andamento” e que “a equipe técnica continua avaliando as informações para elaborar um novo parecer técnico”, após “as complementações relativas ao Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF) pela Petrobras”, concluído em 02 de agosto de 2024.

No entanto, a pressão é grande. O próprio Governo Federal vem se dividindo sobre o tópico. O Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, defendem a perfuração o quanto antes, alegando que o país vai precisar importar o combustível a partir de 2030 se não for por esse caminho.

Já a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou em diversas ocasiões que a decisão do Ibama será puramente técnica. O presidente do Instituto, Rodrigo Agostinho, por sua vez, declarou em junho, em entrevista ao O Globo, que “o brasileiro não vai ficar sem gasolina por causa disso” e trouxe como um dos pontos de complexidade a falta de estudos na região.

Esperança por desenvolvimento e medo pelos riscos separam a população

A população do Amapá também se divide em opiniões. É o que observa Luene Karipuna, liderança indígena residente em Oiapoque, no Amapá, município no extremo Norte do Brasil, o mais próximo do local onde se planeja a exploração do petróleo. A cidade fica a 160km do bloco F-59, como é chamada a área da bacia sedimentar, no meio do oceano Atlântico, que está em discussão.

“Há um sentimento de que a pobreza vai acabar se começar a exploração de petróleo e tem até mesmo um discurso de que é preciso explorar esse petróleo para poder fazer a transição energética”, enfatiza. Ela nota que essa opinião é defendida por muitos moradores da zona urbana.

Oiapoque é uma cidade que enfrenta vários problemas de infraestrutura. O último Censo divulgado (2010) mostrava que apenas 0,2% das vias públicas eram  urbanizadas e somente 24,8% da população tem acesso ao esgotamento sanitário adequado. Nas áreas indígenas, o principal impacto percebido pela liderança é em relação à nova dinâmica aérea. Há dois anos, o aeródromo de Oiapoque começou a receber investimentos da Petrobras e transportar aeronaves com funcionários da empresa. Segundo ela, foi quando a população das Terras Indígenas Galibi do Oiapoque e Juminã começaram a ser afetados pela repentina movimentação. “Começou a assustar as famílias, principalmente as crianças que não estão acostumadas com esse tipo de barulho. As caças e os pássaros também se assustavam”, relata.

Preocupados com o que pode vir no futuro, os povos indígenas começaram a buscar parcerias fora de sua comunidade para se aprofundar no debate sobre a exploração de petróleo e da transição energética. Luene é atualmente uma das mobilizadoras locais em torno do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, uma iniciativa global que advoga para a cooperação entre governos, sociedade civil e outras lideranças pela aceleração da transição energética justa.

O compromisso é voluntário e não-vinculante, mas, mesmo assim, apenas 14 nações assinaram, sendo apenas uma da América Latina – a Colômbia, que se juntou durante a COP28, em 2023.

No Brasil, várias entidades não governamentais apoiam o Tratado oficialmente, mas do poder público a adesão veio apenas da prefeitura de Belém. Para Luene, a posição do Governo Federal é contraditória. “O governo brasileiro diz que defende a Amazônia, mas ao fim do dia entrou para a Opep+ [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]”, critica.

Para Andrés Gómez, coordenador para América Latina e Caribe do Tratado, a participação dos povos indígenas no movimento é fundamental. “As organizações e povos indígenas são quem habitam o território, mesmo antes do Estado. O apoio que podem gerar, em rede, é muito importante e isso também gera pressão em torno dos governos”, diz, citando também o caso da Colômbia, onde o povo Waorani tem pressionado o governo a parar a extração de petróleo em um parque nacional.

Conferências podem trazer visibilidade à discussão

De acordo com Luene, os povos indígenas não costumam ter espaço na mesa para dialogar com os tomadores de poder, mas as conferências internacionais são uma janela para preencher essa lacuna e trazer visibilidade à pauta. Na Cúpula da Amazônia, realizada em 2023, em Belém, o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis articulou em torno do assunto – aliás, foi quando a cidade anfitriã assinou o compromisso.

Luene Karipuna, em ação do Greenpeace em março de 2024 – Créditos Marizilda Cruppe / Greenpeace

A Cúpula reuniu presidentes e ministros dos países pan-amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela). Além dos encontros oficiais, a programação contou com 27 mil pessoas em atividades prévias da sociedade civil e, nesses espaços, emergiu o movimento “Amazônia livre de petróleo”, no qual diversas representações protestaram contra a perfuração na Foz do Amazonas, reforçando que a discussão não poderia ser deixada de lado.. “Esses momentos são importantes para nos conectarmos e unirmos forças. A gente percebe que tem outros grupos, em outros países, lutando pelas mesmas coisas”, afirma Luene.

A liderança analisa que, daqui até a COP30, o movimento precisa se articular cada vez mais para aproveitar a visibilidade e, quem sabe, impedir de vez a exploração no território. “Eu percebo que muitas pessoas falam de forma superficial sobre a Amazônia, mas desconhecem as pessoas que moram na região, e a COP30 vai dar essa oportunidade de sensibilizar”, conclui.

Histórico de 50 anos do setor na Amazônia

A presença de petrolíferas nas proximidades da Foz do Amazonas não é algo novo. A Petrobras, por exemplo, já tem atividades na região desde 1970. Dados públicos da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), expostos pela epbr em maio de 2023, apontam que ali já houve 95 perfurações, sendo que todas, até o momento, ocorreram em águas rasas, ou seja, de 400m ou menos de profundidade. Nesse caso, é inserida uma plataforma fixa, estrutura metálica presa ao fundo do mar.

Ao todo, conforme mostra o levantamento da epbr, 27 desses poços perfurados para pesquisas foram finalizados por causa de acidentes mecânicos. A maioria, por não ter encontrado petróleo, por dificuldades logísticas ou por indícios subcomerciais.

Agora, a Petrobras anseia ser a primeira explorar águas profundas na região. Para esse tipo de exploração, é preciso instalar sistemas flutuantes, amarrados ao solo submarino por correntes, cabos de aço ou poliéster.  A oceanógrafa Kerlem Carvalho explica que a tecnologia de ponta é necessária porque as águas profundas possuem especificidades de salinidade, temperatura e, principalmente, de pressão que impactam na operação. “Quanto maior a profundidade da água, maior vai ser a pressão. E, no caso da segurança operacional dessas indústrias, traz um risco maior de ter falha de equipamento que vai perfurar esse local, se ele não for projetado adequadamente”, adverte, explicando que tubulações, cabos e outros itens ficam sob uma força muito grande, que é natural desse ambiente.

Carvalho atua como analista ambiental  na organização da sociedade civil (OSC) sem fins lucrativos Instituto Internacional Arayara, e menciona que outro fator de preocupação é a maior dificuldade de que o serviço de emergência chegue a tempo em casos de acidentes de vazamento, por estar muito longe da costa.

Plataforma pretende democratizar acesso a dados públicos

Embora o histórico seja longo na região, as informações sobre a exploração de petróleo local nem sempre são de fácil entendimento. A começar pelo próprio termo usado pela Petrobras: Margem Equatorial, que no Brasil é o trecho de 2.200 quilômetros que vai da costa do Rio Grande do Norte ao Amapá. Já a Foz do Amazonas é uma das cinco grandes regiões da Margem, e inclui os territórios do Pará e Amapá que, mesmo parecendo distantes geograficamente, sofrem muita influência da foz, ou seja, do local onde o rio Amazonas deságua no Oceano Atlântico.

De acordo com o Arayara, encontrar os dados públicos também não é uma tarefa simples. São mais de 70 fontes onde essas informações estão dispersas e geralmente com linguagem técnica.

Pensando nessas dificuldades, o Instituto, em parceria com o Observatório do Clima, lançou o “Monitor Amazônia Livre de Petróleo e Gás” há um ano. A plataforma está disponível em português, inglês e espanhol e tem o objetivo de democratizar o acesso aos dados.

No site, qualquer um pode conferir os dados atualizados de onde estão os blocos petrolíferos, qual o status (em exploração ou produção, em estudo ou área reservada, em oferta ou solicitação) e mais detalhes sobre a empresa operadora e se está em um território indígena, dentre outros fatores.

O Instituto Arayara foi uma das organizações à frente dos protestos da Amazônia Livre de Petróleo na Cúpula de Belém. Para Vinicius Nora, gerente de Oceanos e Clima da OSC, o principal resultado é ver que pesquisadores e movimentos sociais estão podendo se apropriar mais da discussão com o Monitor.

Ele comemora também que, em junho deste ano, a ANP decidiu remover 15 blocos da lista de áreas disponíveis para exploração e produção no país, devido a restrições socioambientais, como a proximidade a terras indígenas e unidades de conservação. “Essa sobreposição nós mesmos já tínhamos identificado no Monitor e, por conta disso, entramos com ações judiciais para tentar impedir a oferta dessas áreas”, recorda.

Apesar de não ter tido sucesso direto na Justiça, ele acredita que a mudança percebida agora pela ANP é reflexo da pressão civil. Em 2024, o edital de leilão de blocos passa por uma revisão e é a primeira vez, em sete anos, que o Brasil não terá uma nova licitação para concessão de áreas para exploração de petróleo.

Nora acompanha cada passo das decisões em torno da exploração na Foz do Amazonas e considera que as consultas prévias às comunidades da região podem travar o processo, porque podem aflorar as preocupações que os povos já possuem sobre o tema. “Por outro lado, mudanças políticas no Ibama e MMA, por exemplo, podem também mudar o andar das decisões, porque a pressão está muito grande em prol da exploração e o rumo pode mudar a qualquer momento”, pondera.

Além do Instituto Arayara, outras instituições vêm fazendo campanha por uma Amazônia livre de combustíveis fósseis nas redes sociais, nos seus territórios e fazendo pressão a autoridades políticas, dentre elas o Instituto ClimaInfo, a Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (Amim) e as ONGs Greenpeace Brasil e WWF-Brasil. Mais de 20 organizações do Amapá e Pará assinaram carta aberta no ano passado para declarar apoio à decisão do Ibama e até o momento 18 organizações e instituições nacionais, assim como oito parlamentares, assinaram o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.

Marcha contra-petroleo durante os Dialogos Amazonicos. Creditos: Renata Sembay – ARAYARA.ORG

Petrobras realiza expedições na região

Enquanto aguarda nova decisão do Ibama, a Petrobras continua sua atuação na Foz do Amazonas, principalmente com atividades relacionadas ao seu Centro de Pesquisas (Cenpes). A bióloga Talita Pereira lidera os projetos com foco ambiental e explicou, em palestra realizada em maio deste ano em Belém, que a meta é ter uma maior compreensão da biodiversidade e a composição geológica dessa área, dentre outros fatores. Além disso, Pereira disse que há uma expectativa de fazer mais parcerias com instituições de pesquisas da região e que a empresa tem investido com recursos humanos e financeiros para contribuir com o conhecimento científico da região.

Desde o ano passado, a Petrobras vem realizando expedições científicas, em parceria com a Marinha do Brasil e Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) e Serviço Geológico do Brasil (SGB), além de grupos de pesquisa de universidades. “A gente tem a possibilidade, através de embarcações, de trazer o recurso que é necessário para essa atuação, para conseguir preencher uma lacuna de conhecimento importante”, declarou Pereira. Climate Tracker solicitou atualizações sobre os resultados dessas pesquisas, mas não teve retorno até o fechamento do texto.

Dentre os 13 projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação até então em andamento, Pereira detalhou que o CENPES também tem focado no desenvolvimento de tecnologias remotas e digitais, como drones e veículos autônomos para atuarem na resposta a possíveis emergências. “A gente sabe das vulnerabilidades e das dificuldades. Até aqui o Plano de Emergência e Fauna já conta com várias embarcações, cem profissionais… existe um esforço muito grande de disponibilização de equipamentos e recursos para tentar suprir eventuais questões. Tenho certeza que temos toda a tecnologia necessária para uma operação segura, mas obviamente que há riscos que a gente precisa se precaver, trabalhando na linha da prevenção”, complementou.

Biodiversidade ainda é pouco conhecida

A biodiversidade da Foz do Amazonas ainda é pouco conhecida e, por isso, é um fator que preocupa ao se falar de exploração de petróleo na região. Claudia Funi, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA), chama a atenção para o fato de que há pouquíssimos lugares no mundo que sejam tão dinâmicos quanto esse trecho. Por isso, as modelagens que funcionam em outros locais não conseguem se adaptar à realidade local. “Nos dados mais conservadores, são mais de 200 milhões de litros de água por segundo que a foz despeja no oceano. É a maior carga de água doce que um sistema despeja no oceano no planeta todo. Nada chega perto”, enfatiza.

Claudia Funi em evento de apresentação do Plano Foz no Dia do Oceano, em Macapá – Créditos Agência Amapá

Geógrafa e mestre em Biodiversidade Tropical, Funi explica que, para começar a entender essa dinâmica, é preciso ter monitoramento constante por pelo menos três anos. “A gente não conhece as correntes superficiais mais profundas para essa região da foz. Até a maré, precisamos de mais pontos para entender. Temos a maior variação de maré do planeta, chegando a 12 metros, mas ela tem comportamentos diferentes ao longo da costa”

A pesquisadora é uma das autoras do Plano Foz de monitoramento da costa oceânica do estado e da foz do rio Amazonas, uma iniciativa que busca financiamento e que propõe a implementação de redes de medições para investigar questões como a hidrodinâmica, salinidade, corrente marítima, o vento e a temperatura, dentre outros aspectos. O Plano envolve pesquisadores, técnicos e professores de instituições como a Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Universidade de Brasília (UNB) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

“A foz é muito pouco estudada. Tem um desafio logístico muito grande, requer um recurso muito maior do que em outras regiões”, contextualiza. “Mas, sem dados, tudo que for feito vai gastar mais tempo, energia e dinheiro e não vai conseguir ter o preparo da maneira correta”, conclui.

A pesquisadora observa que pouco mudou desde que o Ibama indeferiu o pedido da Petrobras. “O que teve de avanço é que vamos atualizar as cartas de sensibilidade de derramamento de óleo. Estamos iniciando as tratativas agora”.

Os documentos, conhecidos como Cartas SAO, mapeiam a vulnerabilidade de uma região a um eventual derramamento de óleo, e incluem informações como sensibilidade dos ecossistemas marinhos e costeiros, recursos biológicos e usos humanos dos espaços. As cartas atuais foram entregues em 2016, por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, INPA e UFPA, e mostram que, em um cenário pessimista, os ambientes ficam muito vulneráveis, por uma gama de características próprias do local, como a presença abundante de manguezais, que seriam extremamente difíceis de limpar em caso de vazamento.