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Comunidades Costeiras em Risco: O Impacto da Febre do Oceano

Comunidades Costeiras em Risco: O Impacto da Febre do Oceano

Dia Internacional dos Oceanos, mas o que de fato podemos comemorar? Afinal, vemos que os oceanos estão cada ano mais aquecidos, vulneráveis e impactados pelas inúmeras atividades de exploração, em grande parte impulsionadas pela queima de combustíveis fósseis. O que, inevitavelmente, influencia eventos extremos como os sentidos no Rio Grande do Sul.

Por Kerlem Carvalho – Analista Ambiental e Comunidade do Instituto Internacional Arayara

 

Segundo o mais recente relatório publicado pela Unesco “State of the Ocean Report”, o aquecimento das águas do oceano duplicou nos últimos 20 anos, este aquecimento anormal está sendo chamado de “febre do oceano”. Esta elevação anormal da temperatura contribuiu significativamente para a intensificação das chuvas na região do Rio Grande do Sul, pois o calor excessivo aumenta a evaporação, favorecendo a formação de nuvens e o deslocamento de massas de ar em direção aos continentes. Estamos com uma panela fervente nas margens costeiras, resultando em ecossistemas ameaçados e comunidades litorâneas densamente povoadas sendo as primeiras a sentir os efeitos nefastos desta febre

Os oceanos, vastos e majestosos, cobrem mais de 70% da superfície terrestre, pulsando com vida e influenciando os processos climáticos que moldam nosso planeta. No entanto, o desequilíbrio dos oceanos, causado principalmente pelo aquecimento global, cria uma sinfonia inarmônica que perturba o delicado equilíbrio da Terra.

Estes ambientes, antes sumidouros de carbono, estão ficando saturados, liberando parte do gás de volta para a atmosfera e alimentando um ciclo vicioso de aquecimento. A acidificação dos oceanos, causada pelo aumento da absorção de CO2, torna a água mais ácida, o que acaba dissolvendo conchas e esqueletos de organismos marinhos, fragilizando a base da cadeia alimentar. Essa acidificação também afeta diretamente o crescimento e a reprodução de diversas espécies, como peixes, crustáceos e plânctons. 

Isso resulta em alterações significativas nos padrões de pesca, já que afeta a disponibilidade e a distribuição de espécies marinhas. Ocasionando sérias implicações para as comunidades costeiras que dependem da pesca como sua principal fonte de alimento e renda. O declínio das populações de peixes pode levar à insegurança alimentar e à perda de meios de subsistência para muitas dessas comunidades. Além disso, a degradação dos recifes de coral e dos ecossistemas marinhos pode afetar o turismo costeiro, outra importante fonte de receita.

À medida que as alterações climáticas se intensificam, as zonas costeiras, menos profundas, aquecem a uma taxa rápida, fazendo com que as espécies tropicais dos oceanos se desloquem das regiões em torno do Equador na direção dos pólos Sul e Norte, enquanto as espécies temperadas recuam ainda mais. Esse movimento em massa da vida marinha, denominado tropicalização, está levando a uma cascata de consequências para os ecossistemas e a biodiversidade, e tem o potencial de impactar a economia global.

Por outro lado, um dos impactos mais imediatos e visíveis do aquecimento dos oceanos é a elevação do nível do mar. Ao passo que a água do oceano se aquece, ela se expande, ocupando mais espaço e inundando áreas costeiras baixas. Esse processo, conhecido como expansão térmica, é responsável por uma parcela significativa do aumento do nível do mar observado nas últimas décadas.

Não podemos reduzir as consequências desse fenômeno apenas à economia, é necessário pontuar que são complexas e de longo alcance, uma vez que consideramos também a infraestrutura de cidades não adaptadas, por exemplo, e não obstante à perda da cultura e identidade de povos que vivem nessas regiões. O risco de inundações e erosão costeira aumenta, e o deslocamento em massa se torna uma triste consequência. 

Frente às inevitáveis consequências, a ciência nos aponta o caminho: reduzir drasticamente as emissões de gases do efeito estufa é fundamental para deter o aquecimento global e proteger nossos oceanos. Isso requer esforços coordenados em nível global para redução e promoção de práticas sustentáveis de conservação marinha. 

Artigo de Opinião | Além de uma matriz limpa, transição energética precisa incluir a justiça social

Artigo de Opinião | Além de uma matriz limpa, transição energética precisa incluir a justiça social

No Dia Mundial da Energia, 29 de maio, Anton Schwyter, gerente do Departamento de Energia do Instituto Arayara, nos convida a ir além da discussão sobre os combustíveis fósseis.

“Se falamos em uma transição energética justa e sustentável, é imprescindível que levemos em consideração os sistemas sociais, e isso inclui, em um primeiro momento, a consciência dos direitos políticos dos consumidores de energia, que são diversos, heterogêneos e indispensáveis no debate.”

Quando falamos em transição energética, é comum que pensemos na substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia; ou seja, pensamos imediatamente nos sistemas naturais. Porém, se falamos em uma transição energética justa e sustentável, é imprescindível que levemos em consideração os sistemas sociais, e isso inclui, em um primeiro momento, a consciência dos direitos políticos dos consumidores de energia, que são diversos, heterogêneos e indispensáveis no debate.

Para darmos conta de realizar uma transição energética que seja justa, aplicar os conceitos da justiça energética nos fará caminhar na direção almejada. E para aplicar a justiça, precisamos identificar onde a injustiça prevalece. Segundo dados de 2019 do IBGE, 99,8% da população diz ter energia elétrica. A partir disso, entendemos que não se trata de ter ou não acesso à distribuição, mas, da qualidade do serviço, no valor pago por ele, e no modo como ele é realizado; são nesses três fatores onde perceberemos a injustiça energética atuando no Brasil.

No que tange à qualidade do serviço, sabemos que, entre a população urbana, por exemplo, áreas vulnerabilizadas como comunidades de favela ou periféricas enfrentam mais constantemente quedas de energia; inconstâncias no sistema; ou dificuldades no acesso a informações precisas sobre o serviço prestado pelas distribuidoras. Além disso, muitas vezes essa população paga valores que excedem em muito a sua capacidade de pagamentos, uma superfaturação ocasionada pela precariedade da infraestrutura ou instabilidade do sistema, quando, na contramão disso, teriam direitos a subsídios de atenuação dos valores, como tarifas sociais. Sobre esse aspecto, aliás, já conseguimos detectar uma grave distorção orçamentária de parte dos planejadores: um montante maior dos incentivos e subsídios contidos nas tarifas de energia elétrica atualmente é destinado a outras classes e categorias de consumidores de energia, em detrimento daquele destinado a compor a tarifa social.
A injustiça energética também ocorre quando essas pessoas não são integradas nas decisões sobre a distribuição de energia em seus territórios. Elas têm, ainda que invisibilizado, o direito de fazerem parte das tomadas de decisões, de compartilharem suas experiências, de apresentarem soluções inovadoras que estejam mais alinhadas com suas realidades cotidianas etc, a fim de combaterem a ineficiência energética que lhe tem sido imposta, além da pobreza energética, que é quando as famílias pagam mais de 10% de sua renda familiar à conta de energia.

Segundo o relatório “Eficiência energética nas favelas”, realizada pelo coletivo Rede Favela Sustentável com 4.163 pessoas de 15 comunidades do Rio de Janeiro e região metropolitana, mais da metade das famílias que responderam ao questionário vive abaixo da linha da pobreza (ganham até 1 salário mínimo e meio por mês), e caso a conta de energia dessas pessoas baixasse pela metade, 69% delas responderam que utilizariam o dinheiro disponível para a compra de alimentos. Com isso, é possível afirmar que a pobreza energética pode, inclusive, estar relacionada à insegurança alimentar, comprometendo, ainda, os outros direitos humanos básicos que se seguem ao acesso à comida saudável e de qualidade, como o direito à saúde, à segurança, ao ir e vir… O relatório é contundente ao dizer que a ineficiência e a pobreza energética acabam funcionando como uma ferramenta de injustiça e de violação de direitos humanos.

Além da população urbana vulnerável, em termos socioeconômicos, a injustiça e a pobreza energética também afetam outros grupos socialmente vulnerabilizados, como os povos indígenas, povos das florestas, quilombolas, ribeirinhas e ribeirinhos, entre outros. São comunidades cujo estilo de vida e cosmovisão podem diferir do estilo de vida e cosmovisão da parcela de pessoas que atualmente tomam as decisões a respeito da política energética do país, o que nos apontaria que as necessidades do primeiro grupo talvez não sejam as que estão sendo implementadas pelo último grupo. 

Para alcançarmos uma política energética justa e sustentável, precisamos sim transitar para uma matriz 100% renovável, não baseada em fósseis, mas além disso, também devemos considerar as diversas necessidades das diferentes comunidades e grupos sociais, a fim de implementar políticas políticas que sejam justas para cada um, de acordo com suas realidades. Assim todas e todos poderão ter acesso digno à energia: limpa, barata e eficiente, condizente ao seu dia a dia.