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O futuro incerto da cidade gaúcha movida ao combustível mais poluente do mundo: ‘Não somos contra o planeta’

O futuro incerto da cidade gaúcha movida ao combustível mais poluente do mundo: ‘Não somos contra o planeta’

A economia e vida da pequena Candiota gira em torno das minas e das usinas movidas a carvão mineral, que são campeãs em emissões de gases do efeito estufa.

 

Por Leandro Prazeres, João da Mata

 

“Não somos más pessoas por não querer que fechem a usina e nem defendemos que o planeta se exploda. Não somos contra o planeta.”

É assim que a empresária e cozinheira uruguaio-brasileira Gil Melo, de 34 anos, defende o que parte da comunidade científica considera indefensável: o carvão mineral.

O carvão é o combustível fóssil que mais emite gases do efeito estufa, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), e apontado como um dos grandes vilões das mudanças climáticas, cujos efeitos foram associados às chuvas extremas que devastaram o Rio Grande do Sul há pouco meses.

Mas Gil Melo vive em Candiota, município gaúcho de 10,7 mil habitantes a quase 400 km de Porto Alegre. Seu restaurante, diz ela, é como o restante da cidade: gira em torno da economia do carvão.

 

“Cerca de 80% da nossa economia gira em torno do carvão mineral”, diz o prefeito da cidade, Luiz Carlos Folador (MDB), à BBC News Brasil.

 

Candiota abriga a maior mina de carvão mineral a céu aberto do Brasil, com reservas estimadas em 1 bilhão de toneladas. Também é lá que estão duas usinas termelétricas abastecidas pelo combustível fóssil.

Durante décadas, as reservas de Candiota foram motivo de orgulho e impulsionam a economia da cidade.

Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), elas seriam suficientes para abastecer o Brasil por aproximadamente cem anos.

Mas o mundo, segundo cientistas, não pode suportar mais cem anos usando carvão mineral — e os moradores de Candiota parecem saber disso.

Nos últimos anos, a cidade vive um clima de incerteza por conta da pressão global pelo corte nas emissões dos gases do efeito estufa.

Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) pedem reduções drásticas nas emissões de gases do efeito estufa.

Em maio de 2022, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, pediu que o mundo abandone seu “vício” em combustíveis fósseis, começando com o carvão mineral, se quiser limitar o aumento da temperatura global em 1,5ºC, em relação aos níveis pré-industriais, até 2100, estabelecida pelo Acordo de Paris.

O Brasil já se comprometeu a zerar até 2050 suas emissões líquidas, como é chamado o saldo entre o que é emitido e o que é reabsorvido pela natureza.

O temor em Candiota é de que a transição energética chegue à cidade antes de ela encontrar uma nova fonte de sobrevivência.

Nos últimos meses, esse temor ganhou um novo elemento depois que o Rio Grande do Sul foi atingido por enchentes que mataram mais de 170 pessoas e é considerado o maior desastre climático do Brasil.

Os moradores relatam terem medo de que a economia do carvão mineral vire uma espécie de “bode expiatório” da tragédia gaúcha e que isso acelere iniciativas para o declínio da atividade carbonífera na região.

A empresária Gil Melo diz reconhecer os perigos das mudanças climáticas, mas defende a manutenção da economia do carvão em Candiota: 'Nos apegamos ao que nós temos'. — Foto: João da Mata / BBC News Brasil

A empresária Gil Melo diz reconhecer os perigos das mudanças climáticas, mas defende a manutenção da economia do carvão em Candiota: ‘Nos apegamos ao que nós temos’. — Foto: João da Mata / BBC News Brasil

Riqueza que vem do carvão

 

A história de Candiota está intimamente ligada ao carvão mineral.

Ainda no Brasil imperial, a região era conhecida por suas reservas do minério que era extraído para movimentar antigas forjas. À época, a área fazia parte do município de Bagé.

A primeira usina termelétrica movida a carvão mineral na região foi instalada em 1961.

Atualmente, a cidade tem duas usinas em funcionamento: Candiota III e Pampa Sul.

A primeira pertence ao grupo Âmbar Energia, que faz parte da holding J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. A segunda pertence aos fundos de investimento Perfin e Starboard.

As duas usinas, assim como as duas minas em atividade, são as principais empregadoras da cidade.

Juntas, as duas usinas geram 695 MW, o equivalente a 0,3% da capacidade instalada de geração de energia elétrica do Brasil, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

A indústria do carvão ajudou Candiota a se transformar em um dos municípios mais economicamente prósperos do Rio Grande do Sul.

O Produto Interno Bruto (PIB) per capita — a soma de todas as riquezas geradas dividida pelo número de habitantes — de Candiota foi de R$ 282 mil em 2021, de acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Era o 20º maior do Brasil e o 3º do Rio Grande do Sul. O valor é mais do que seis vezes a média nacional, de R$ 42,2 mil.

Caminhão faz o transporte do carvão mineral que será utilizado por uma das usinas termelétricas instaladas em Candiota. Carvão é o combustível fóssil que mais emite CO₂. — Foto: João da Mata / BBC News Brasil

A estimativa é de que pelo menos 5 mil dos 10,7 mil habitantes tenham empregos diretos ou indiretos ligados à indústria do carvão.

Eles cresceram próximos aos canteiros de obras e às instalações das usinas e minas que funcionaram e ainda funcionam no município.

Pelo menos três vezes ao dia, ônibus levam centenas de trabalhadores de outras cidades a Candiota para atuarem nas minas e usinas da cidade.

A viagem é marcada por uma paisagem quase bucólica repleta de pequenas propriedades rurais típicas da região conhecida como Campanha Gaúcha.

Trata-se de um relevo em boa parte plano coberto por uma vegetação rasteira onde há algumas plantações e criação de gado e ovelhas.

Da estrada, é possível ver parreirais e algumas plantações de oliveiras — e também as chaminés de mais de 30 metros das duas usinas termelétricas.

Uma delas, a da usina Candiota III, chama atenção pelo seu formato, semelhante às de usinas nucleares.

A cidade é divida em três núcleos diferentes, alguns distantes quase 10 quilômetros um dos outros.

Em geral, as ruas desses núcleos são asfaltadas, as escolas municipais são bem equipadas, e há supermercados abastecidos para atender à população.

“Candiota é uma ilha em matéria de sustentação econômica”, celebra Hermelindo Ferreira, ex-presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota.

Vinhedos e, ao fundo, chaminé da usina termelétrica Pampa Sul, em Candiota. A usina foi vendida pela francesa Engie a dois fundos de investimento brasileiros. — Foto: João da Mata / BBC News Brasil

Vinhedos e, ao fundo, chaminé da usina termelétrica Pampa Sul, em Candiota. A usina foi vendida pela francesa Engie a dois fundos de investimento brasileiros. — Foto: João da Mata / BBC News Brasil

O outro lado da prosperidade

 

A prosperidade de Candiota, no entanto, vem acompanhada de controvérsia.

Um dos principais argumentos entre os moradores da cidade e de entidades que defendem a indústria de carvão é o de que o impacto ambiental gerado pela produção de energia elétrica a partir do mineral é pequeno considerando o total das emissões de gases do efeito estufa do Brasil.

Parte dos dados científicos a respeito aponta nessa direção.

O Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), mantido pela organização não-governamental Observatório do Clima (OC), estima que apenas 0,4% das emissões brutas do Brasil em 2022, conforme os dados mais recentes, tenham produzidas pela geração de energia elétrica a partir do carvão mineral.

Ainda segundo o SEEG, 74% das emissões brasileiras resultam de desmatamento e da atividade agropecuária.

Além disso, a eletricidade gerada com carvão representa apenas 1,2% da capacidade elétrica instalada no Brasil, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME).

Além das duas usinas no Rio Grande do Sul, também há térmicas a carvão no Paraná, Santa Catarina, Ceará e Maranhão.

Ainda de acordo com a EPE, 89% da matriz elétrica brasileira é composta de fontes renováveis como a energia hidrelétrica, eólica e solar.

“O Brasil já fez a sua transição energética”, diz o presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS), Fernando Luiz Zancan.

 

A entidade é a principal representante dos interesses de mineradoras e usinas termelétricas movidas a carvão mineral e, até março deste ano, se chamava Associação Brasileira do Carvão Mineral.

“Sei que as coisas são urgentes, mas não vamos resolver o problema acabando com 1,5% da nossa matriz energética. Isso não resolve o problema do Brasil, do Rio Grande do Sul e nem do mundo”, argumenta o sindicalista Hermelindo Ferreira.

Parte dos dados, no entanto, vai em outra direção.

De acordo com a EPE, a produção de eletricidade a carvão responde por 48,6% das emissões de gases do efeito estufa oriundos de toda a produção de eletricidade com fontes não-renováveis.

Perde para as emissões do gás natural (50,4%), sendo que a quantidade de energia produzida por usinas a gás natural no Brasil é 4,5 vezes maior que aquela gerada pelas usinas movidas a carvão.

Pesquisas indicam que a situação em Candiota é ainda mais grave.

Por dois anos consecutivos, relatórios do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) apontaram que as duas usinas termelétricas localizadas no município são as mais ineficientes e as que geram mais gases do efeito estufa por unidade de energia produzida em todo o Brasil.

“O carvão gera mais emissões, porque é preciso queimar uma grande quantidade para liberar a energia aprisionada, na comparação com, por exemplo, o gás natural”, explica à BBC News Brasil o analista de projetos do IEMA Felipe Barcellos.

 

“Mas além disso, as usinas de lá são um pouco antigas e usam um carvão que é mais pobre energeticamente. Por gigawatts-hora gerados, ou seja, por cada unidade de eletricidade, as emissões pelo carvão são as maiores possíveis. Elas são bem acima das que temos em outras tecnologias.”

Além disso, por conta das altas emissões geradas pelas duas usinas e por suas minas, Candiota aparece no ranking do SEEG como o 60º município brasileiro com a maior quantidade de emissões de gases do efeito estufa.

A posição chama atenção, porque o município, segundo o IBGE, é apenas o 2.868º mais populoso do Brasil.

Procurada, a Âmbar Energia, dona da usina Candiota III, não respondeu às perguntas enviadas pela BBC News Brasil.

Em nota, os controladores da usina Pampa Sul enviaram uma nota informando que o grupo estaria investindo R$ 150 milhões em “melhorias operacionais e no aumento da qualidade e eficiência da usina” o que “acabará por contribuir para redução significativa das emissões de gás carbônico equivalente”.

Rosáurea Castañeda Greco preside o Clube de Mães de Candiota e defende a manutenção das atividades carboníferas na cidade até que surja uma nova fonte de renda para a população. — Foto: João da Mata / BBC News Brasil

Rosáurea Castañeda Greco preside o Clube de Mães de Candiota e defende a manutenção das atividades carboníferas na cidade até que surja uma nova fonte de renda para a população. — Foto: João da Mata / BBC News Brasil

 

Ansiedade climática

 

Em 2017, um artigo publicado na revista da Associação Psiquiátrica Americana descreveu o termo “eco-ansiedade” ou “ansiedade climática” como um conjunto de sintomas caracterizado pelo medo das catástrofes que podem afetar o planeta por conta das mudanças climáticas.

Em Candiota, os moradores relatam um temor também relacionado ao clima, mas em direção diferente.

As pessoas com quem a BBC News Brasil conversou afirmam reconhecer a emergência da crise causada pelas mudanças climáticas.

Apesar disso, eles parecem temer que a busca por alternativas às mudanças climáticas leve ao fim da economia do carvão na região e “estoure” a bolha de prosperidade em que vivem.

“Há muita ansiedade nas pessoas com quem a gente convive aqui”, disse à BBC News Brasil a aposentada Rosaurea Castaneda Greco, de 61 anos.

 

Ela é presidente do Clube de Mães Mãe Cleci. Sua família, assim como a de milhares de moradores, é dependente da economia do carvão.

Rosaurea explica que o carvão é tão importante para a cidade que até a logomarca do clube de mães foi alterada para expressar essa relação umbilical.

“Nosso símbolo era um pôr-do-sol que traz a esperança de um mundo melhor para se viver. Há dois anos a gente acrescentou o carvão mineral, porque ele é o símbolo da nossa economia. Temos carvão para mais de 300 anos”, explica.

 

Vera Regina Azambuja Rijo, de 63 anos, também faz parte do Clube de Mães da cidade. Ela chegou a Candiota ainda criança, nos anos 1970, quando o pai foi trabalhar na construção de uma das usinas.

Seu marido se aposentou como funcionário de uma termelétrica, também movida a carvão. Agora, seus seis filhos e dois netos também trabalham para as usinas ou minas da cidade.

Ela diz que mal pode ouvir falar sobre um possível fim da economia do carvão. Sua fala fica embargada ao tocar no assunto.

“Eu me sinto muito triste porque, quando ouço isso, a primeira coisa que me vem à cabeça são os meus filhos e meus netos”, diz Vera Regina.

 

“Todos dependem do carvão. Se acabaram com o carvão, o que vai acontecer com a gente?”

Não há no horizonte nenhum plano ou anúncio de que o governo brasileiro vá encerrar exploração de carvão mineral ou uso de usinas térmicas movidas a este combustível.

Mas, nos últimos anos, sinais emitidos pelo mercado, ambientalistas e pelo mundo político deixaram os moradores da cidade preocupados.

Os primeiros movimentos foram das antigas proprietárias das termelétricas da cidade.

A francesa Engie e a estatal Eletrobras venderam as unidades nos últimos cinco anos como parte de um esforço para “limpar” ou “descarbonizar” seus portfólios de negócios.

Fora do Rio Grande do Sul, o grupo Copel anunciou que paralisaria as atividades de uma usina termelétrica movida a carvão que opera no Paraná pelo mesmo motivo, indicando que alguns atores do mercado de energia já se movimentaram para abdicar desse tipo de fonte de energia.

A preocupação mais imediata em Candiota é com relação ao fim dos contratos de fornecimento de energia da usina Candiota III, previsto para dezembro deste ano.

Sem contrato, a usina terá de paralisar suas atividades. Isso afetaria não apenas os trabalhadores da instalação, mas da mina que abastece suas caldeiras, gerando um efeito dominó na cidade.

A outra preocupação é com relação ao recuo de parte da bancada gaúcha no Congresso em relação a um projeto de lei que previa a manutenção de contratos para as termelétricas de Candiota até 2043, a exemplo do que está previsto para as usinas de Santa Catarina.

O recuo aconteceu justamente após as enchentes que afetaram o Estado neste ano.

“Vimos algumas manifestações dizendo que o problema que tivemos no Rio Grande do Sul foi porque a gente queima carvão em Candiota. Não dá pra conectar as coisas neste sentido”, diz o sindicalista Hermelindo Ferreira.

 

O prefeito Luiz Carlos Folador afirma estar apreensivo tanto com o fim dos contratos de Candiota III quanto com possível repercussão política das enchentes.

“Tanto é que estamos em contato com as autoridades em Brasília para evitar que isso aconteça. Não se pode tomar uma medida de curto, médio e longo prazos por conta de um fenômeno climático”, diz o prefeito.

Procurada, a Âmbar Energia não respondeu aos questionamentos sobre o futuro das suas atividades em Candiota.

Ruas do comércio de Candiota. Segundo a prefeitura do município, 80% da economia local gira em torno das minas e das usinas movidas a carvão mineral da cidade. — Foto: João da Mata / BBC News Brasil

Ruas do comércio de Candiota. Segundo a prefeitura do município, 80% da economia local gira em torno das minas e das usinas movidas a carvão mineral da cidade. — Foto: João da Mata / BBC News Brasil

 

Carvão: queimar ou não queimar?

 

Enquanto a comunidade científica pede o fim o mais rápido possível do uso do carvão mineral, Fernando Luiz Zancan, da ABCS, pede tempo.

“O Brasil firmou um compromisso de ter emissões zero em 2050. Então, nosso prazo é 2050”, diz Zancan à BBC News Brasil.

 

Ele afirma que o Brasil ainda não estaria preparado para abrir mão da geração de eletricidade movida a carvão mineral.

Por um lado, diz ele, isso colocaria em risco a segurança do sistema elétrico brasileiro, porque usinas hidrelétricas, eólicas e solares dependem de fatores climáticos.

As principais usinas brasileiras são interligadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Isso permite que energia produzida em uma determinada região possa ser distribuída para outras, evitando sobrecargas.

Algumas termelétricas operam como uma espécie de “usina de reserva” para momentos em que as hidrelétricas enfrentam escassez de água.

“Temos que diversificar as fontes para dar segurança ao sistema. Hidrelétrica, solar e eólica não fornecem isso”, defende Zancan.

 

“Quando houve um apagão de agosto do ano passado, a região Sul ficou 15 minutos sem energia e o Nordeste ficou seis horas. Isso aconteceu porque, no Sul, você tem usinas que giram em alta velocidade e puderam ser acionadas para equilibrar o sistema.”

Por outro lado, ele afirma que o fim abrupto da utilização do carvão mineral geraria um grande impacto social nas regiões que dependem dessa economia, especialmente após a tragédia que afetou o Rio Grande do Sul neste ano.

“Se não houver recontratação das usinas, vai acabar o setor. O patrimônio mineral nunca foi tão importante como agora, após as enchentes. O Rio Grande do Sul vai ter que olhar para o patrimônio mineral que ele tem para se reerguer”, diz.

 

Segundo Zancan, o problema das mudanças climáticas não seria a queima do carvão, mas a liberação dos gases do efeito estufa para a atmosfera.

“A questão não é acabar com o carvão. É acabar com sua emissão. Para isso, precisamos reinventar a indústria, e é isso que a gente está promovendo”, diz.

Ele defende um conjunto de soluções que passa por duas ideias em geral. A primeira é utilizar reações químicas para capturar as emissões de CO₂ da queima do carvão evitando que elas cheguem à atmosfera.

Segundo Zancan, essa tecnologia já existe desde os anos 1930 e vem sendo aperfeiçoada.

A segunda passaria pela reinserção dos gases liberados pelo carvão mineral no solo.

Para Juliano Araújo, diretor do Instituto Arayara, organização que atua na área de desenvolvimento sustentável, os argumentos de Zancan não fazem sentido ambientalmente.

“Não existe carbono sustentável. As usinas a carvão representam 1,5% da matriz elétrica nacional e isso pode ser facilmente substituído por outras fontes energéticas muito mais baratas e mais seguras”, diz Araújo.

 

Ele também refuta o argumento de que as usinas termelétricas a carvão mineral podem ser uma solução para momentos de escassez hídrica.

“Essas usinas são grandes consumidoras de água, uma vez que precisam dela para gerar vapor. Ou seja, nos momentos de crise hídrica, essas termelétricas competem por água potável porque elas drenam esse recurso das bacias hidrográficas onde estão localizadas”, afirma.

Para Araújo, do ponto de vista econômico, as usinas também não se justificariam.

“Se considerarmos as 12 mil pessoas que trabalham direta ou indiretamente na região de Candiota em função do carvão mineral e pegarmos tudo o que se pagou em subsídios para a energia elétrica produzida lá, daria para aposentar todos esses trabalhadores e ainda sobraria recursos para os municípios”, diz.

 

Felipe Barcellos, do IEMA, contesta a ideia de que o Brasil precisaria da energia a carvão para ter segurança energética.

“Quando olhamos para o Brasil como um todo, não se justifica [usar o carvão]. A porcentagem de geração via usinas a carvão é muito baixa, e já temos outras alternativas que podem suprir e dar essa diversificação energética que o Brasil precisa”, afirma.

De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de 2018 a abril de 2024, foram destinados R$ 5,53 bilhões em subsídios para a geração de eletricidade por meio de carvão mineral e óleo diesel. Na plataforma de dados da agência, não é possível separar as duas categorias.

Questionado sobre a necessidade de manter usinas a carvão mineral na matriz elétrica brasileira, o ONS, disse, por meio de nota que o acionamento das usinas térmicas é feito por “diversos fatores” e que a decisão é tomada por meio de “modelos matemáticos de otimização energética”.

O ONS disse ainda que a “energia térmica é fundamental na segurança da operação regular do sistema, além de uma garantia de suprimento energético em períodos de carga mais elevada e/ou escassez de geração pelas demais fontes”.

Indagado sobre os subsídios pagos ao setor carbonífero, o MME afirmou que, conforme a legislação, a previsão é que eles sejam pagos até 2027.

Futuro incerto

 

Em meio à indefinição sobre o futuro de Candiota, os moradores parecem ter chegado a uma conclusão.

“Acho que a cidade ficou dependente demais do carvão”, diz Rosaurea Castañeda Greco, do Clube de Mães de Candiota.

 

“A gente fica com medo de que se não tiver uma transição justa, termine toda a atividade nas usinas e nas minas e acabem os empregos que restam.”

O prefeito da cidade minimiza a dependência da cidade em relação ao carvão.

“Estamos trabalhando há muito tempo na transição energética justa, buscando diversificação. Temos a chegada da vitivinicultura (vinhos), o plantio de olivais, a produção de hortaliças e de outras alternativas que possam gerar novos empregos”, afirma Folador.

Ele diz que a cidade também está buscando alternativas em outras fontes de energia.

“Não é que sejamos dependentes [do carvão]. Mas é uma riqueza que a gente tem e temos que extraí-la com sustentabilidade”, diz Folador.

 

“Nosso município está migrando para ter um parque de energia fotovoltaica (solar) de 75 MW. Estamos migrando gradativamente para que a gente possa melhorar.”

O sindicalista Hermelindo Ferreira critica os que são contrários à indústria do carvão na região.

“Quem defende o fim do carvão não apresenta proposta. Quando você pergunta qual é a alternativa para quem trabalha e se sustenta com o carvão, a gente pergunta: ‘É botar a mochila nas costas e ir embora para outro lugar?'”, indaga.

A empresária Gil Melo resume, com apreensão, o sentimento da cidade que escolheu para chamar de casa.

“Não somos contra o planeta e nem a favor do aquecimento global. O carvão é o que temos hoje, e nos apegamos ao que temos.”

 

Fonte: G1

 

Apesar dos Alertas Socioambientais, Candiota Persiste no Uso do Carvão

Apesar dos Alertas Socioambientais, Candiota Persiste no Uso do Carvão

Em janeiro deste ano, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assinou um protocolo de intenções com uma empresa de cimento e argamassa para viabilizar um investimento de mais de R$100 milhões na indústria carbonífera local.

 

A informação é da Tribuna do Pampa. O objetivo é ampliar a fábrica existente em Montenegro e instalar uma nova indústria em Candiota, ao lado da Usina Termoelétrica Candiota III.

 

 

Investimentos Que Custam A Saúde Da População E Do Meio Ambiente

Embora a notícia destaque os benefícios econômicos da nova indústria cimenteira em Candiota, é importante considerar os impactos ambientais e sociais associados à produção de cimento e à queima de carvão mineral.

A produção de cimento é um processo que exige muita energia , ao mesmo tempo que gera uma quantidade significativa de gases de efeito estufa, o que a caracteriza como uma prática poluente de ponta a ponta. Isso quer dizer que se a indústria de cimento fosse um país, seria o terceiro maior emissor de CO2 do mundo, atrás apenas da China e dos EUA. Além disso, estima-se que a produção de cimento seja responsável por cerca de 8% das emissões globais de CO2. Sua fabricação resulta na liberação de poluentes gasosos na atmosfera, como o dióxido de carbono (CO2), o maior responsável pelo aquecimento global.

Quanto à queima de carvão mineral, ela produz efluentes altamente tóxicos, como mercúrio e outros metais pesados, como vanádio, cádmio, arsênio e chumbo. A liberação de dióxido de carbono pela queima também causa poluição na atmosfera, agravando o aquecimento global e contribuindo para a chuva ácida.

 

Cimento E Co2: Construindo A Crise Climática

O concreto tem sido um dos materiais mais amplamente utilizados no mundo, principalmente na construção, sendo o cimento o principal componente dessa mistura que conta com areia, brita e água.

O impacto do cimento na crise climática inicia na extração e transporte de suas matérias primas, que representam apenas 10% de suas emissões. Já 90% das emissões estão atribuídas ao seu processo de fabricação, principalmente do clínquer – material que representa, em média, 50% da mistura que constitui o cimento, sendo obtido através da exposição da mistura de calcário e argila às temperaturas superiores à 1450ºC. O mesmo é responsável pelo endurecimento do cimento na presença de água.

Além disso, durante o processo de fabricação do clínquer nos fornos é necessário utilização de muita energia, muitas vezes sendo ela proveniente de carvão mineral ou gás natural, ambos combustíveis fósseis. Ao final desta conta, gera-se uma tonelada de CO2 para cada tonelada de cimento. Assim, percebe-se como toda a cadeia de realização do cimento gera extremos passivos ambientais que contribuem para o aquecimento global e para as injustiças socioambientais, haja vista que é a população vulnerabilizada a que mais sofre com os desastres ambientais que anualmente se agravam.

 

Apesar de sua problemática substituir o cimento poluente é uma iniciativa muito cara, porém possível, pesquisadores da universidade de Cambridge, desenvolveram e patentearam a fabricação de um cimento que realiza mais de 50% de reciclagem além de consumir menos matéria prima, utilizando de inspiração o processo de “lime-flux” técnica usada no processamento de reciclagem de aço.

O novo processo começa com resíduos de concreto provenientes da demolição de edifícios antigos. Este é triturado para separar as pedras e a areia que formam o concreto da mistura de pó de cimento e água que os une. O pó de cimento antigo é então usado em vez do fluxo de cal na reciclagem do aço. À medida que o aço derrete, o fluxo forma uma escória que flutua no aço líquido, para protegê-lo do oxigênio do ar. Depois que o aço reciclado é retirado, a escória líquida é resfriada rapidamente ao ar e transformada em pó que é virtualmente idêntico ao clínquer que é a base do novo cimento Portland. Em testes em escala piloto do novo processo, a equipe de Cambridge demonstrou esse processo de reciclagem combinado, e os resultados mostram que ele tem a composição química de um clínquer feito com o processo atual.

 

Os Impactos Regionais Da Indústria Fóssil

O Rio Grande do Sul tem enfrentado uma série de eventos climáticos extremos, como enchentes, secas e tempestades, que têm se tornado mais frequentes e intensos. Esses eventos são intensificados pela mudança climática, que é impulsionada em grande parte pela queima de combustíveis fósseis.

Candiota, no Rio Grande do Sul, é conhecida por sua indústria de carvão. A cidade abriga a maior jazida de carvão brasileira, com aproximadamente 38% do carvão nacional. A Usina Termelétrica que opera com o carvão mineral abundante é uma das principais fontes de emprego e renda para a região.

No entanto, a exploração e queima de carvão têm causado impactos ambientais significativos na região ao longo de suas cinco décadas de operação. A mineração de carvão resulta na remoção de grandes volumes de solo e rochas, gerando impactos ambientais significativos na paisagem, poluição do ar com sua queima e da água com a DAM, drenagem ácida de mina.

Além disso, as usinas termelétricas de Candiota, que operam com carvão mineral, são algumas das mais poluentes do país. Um relatório do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) apontou as duas unidades ativas no município – Candiota III, da CGT Eletrosul, e Pampa Sul, da Engie – como as líderes em emissões de gases do efeito estufa (GEE) e entre as menos eficientes do país. A Pampa Sul aparece no topo do ranking, entre as termelétricas em atividade, com 2 milhões de toneladas de emissões de gás carbônico (CO2). A Candiota III aparece na sexta posição, com 1,6 milhão.

Em 2022 o Brasil concedeu R$ 80,9 bilhões em subsídios à indústria do petróleo e gás, um valor que é cinco vezes maior do que os incentivos voltados às energias renováveis. Esses subsídios acabam incentivando a indústria do petróleo e do carvão, apesar dos impactos ambientais significativos associados a esses combustíveis.

 

 

O Instituto Internacional Arayara tem feito esforços significativos para mitigar o impacto dos combustíveis fósseis no Brasil, incluindo a diminuição do uso de carvão mineral. Aqui estão alguns exemplos:

 

Projetos para a Redução do Impacto da Indústria de Combustíveis Fósseis

• A Arayara elaborou o estudo “Legado Tóxico”, em parceria com o Observatório do Carvão Mineral, que expõe os impactos da cadeia produtiva do carvão mineral na Usina Termelétrica Jorge Lacerda. Lançado durante a COP27, revela áreas residenciais e agrícolas contaminadas, colocando mais de um milhão de pessoas em risco à saúde. Os custos estimados para a recuperação ambiental e reparação dos danos ultrapassam R$1,5 bilhão.

• Criticou o Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional, apresentado pelo Ministério de Minas e Energia, por perpetuar a presença do carvão na matriz elétrica de modo antieconômico e não apresentar qualquer alternativa de transição justa para os trabalhadores do setor e o restante da população das regiões carboníferas do país.

• Realizou o 1º Congresso Internacional sobre a Obsolescência do Carvão Mineral em 2022, um evento híbrido realizado nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará. Contando com a participação de setores acadêmicos, movimentos sociais e comunidades atingidas por empreendimentos fósseis.

Esses esforços demonstram o compromisso da Arayara em promover uma transição energética justa e sustentável no Brasil. A organização está trabalhando para garantir que essa transição seja participativa, inclusiva, responsável e universal, respeitando os trabalhadores, os territórios, as demandas populares e os princípios de dignidade humana e bem-viver, assim como a defesa do meio ambiente sadio para a atual e as futuras gerações.