Artigo de Opinião | Um Dia é Insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’
O planeta já existia antes de elegermos este o seu dia. Não temos como afirmar, nestes mais de quatro bilhões de anos de existência, a data em que de fato nasceu a Terra, a hora, o momento exato de sua criação.
Assim, ainda que pensemos apenas nos 200 mil anos de existência da nossa espécie, um dia é insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’, ou mesmo para agirmos por ele, em especial, frente aos impactos que geramos, em nossa história mais recente.
Já passa da hora de agirmos de forma contínua contra empresas que matam nossos rios, contra empreendimentos que colocam em xeque nossa segurança hídrica e contra ações de governos que ferem os direitos daqueles que defendem as florestas.
Em 22 de Abril de 2009, o Dia da Mãe Terra, ou Dia da Terra, foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um momento para trocarmos reflexões sobre nossos impactos e a necessidade de se viver em harmonia com a natureza. Os debates giram em torno da crescente degradação ambiental e do esgotamento dos recursos naturais, resultantes dos padrões insustentáveis de consumo e produção. Tais padrões já trazem consequências severas tanto para a Terra quanto para a saúde e o bem-estar da humanidade. Nesse sentido, dentre as diversas reflexões que a data abrange, é de suma importância incluirmos a organização em que nossa sociedade se apresenta: Quem é privilegiado, nesse sistema? Quem é desfavorecido? E por quê?
O dia 22 de abril também marca a chegada dos colonizadores no Brasil. De descobrimento, a data nada tem, mas a partir daí, diversas descobertas vieram. Os colonizadores descobriram terras férteis para os seus cultivares, sustentados pela exploração, e, posteriormente, o ouro e a prata. As imigrações se reduziram no decorrer do século XX, mas o Brasil seguiu/segue na posição de território colonizado a ser explorado, em especial, com o advento do capitalismo. Assim, também foram descobertos o cobre, o petróleo, a silvinita, o gás natural e, mais recentemente, o gás de xisto.
Já os povos que aqui viviam antes de 1500, descobriram o projeto genocida dos invasores, iniciado na colonização, mas que se perpetua até os dias de hoje. Enquanto os exploradores, passados e atuais, sob o incentivo do governo, buscam novas descobertas sob e sobre a terra, os povos indígenas seguem vivendo no ponto cego da perspectiva desenvolvimentista, protegendo e celebrando a terra da qual dependem, hoje e todos os dias.
Mas e nós? Os demais brasileiros e brasileiras que não somos indígenas, tampouco europeus ou grandes empresários? Neste dia de reflexão, devemos apoiar essas explorações ou devemos zelar pelo meio ambiente? onde queremos ver nosso país chegar? Nossa Terra? Diversos povos têm suas respostas para essas perguntas, a exemplo do povo Yanomami. Destaca-se um trecho do livro A queda do céu, em que Davi Kopenawa trata sobre o tema:
“Tudo o que cresce e se desloca na floresta ou sob as águas e também todos os xapiri e os humanos têm um valor importante demais para todas as mercadorias e o dinheiro dos brancos. Nada é forte o bastante para poder restituir o valor da floresta doente. Nenhuma mercadoria poderá comprar todos os Yanomami devorados pelas fumaças de epidemia. Nenhum dinheiro poderá devolver aos espíritos o valor de seus pais mortos!”
A maior parte de nós não vive nas florestas, mas todas e todos, sem exceção, dependem dos serviços ecossistêmicos prestados pelas áreas naturais deste continente, que, além dos aspectos ambientais, trazem benefícios econômicos e sociais, relativos ao bem-estar humano. A Floresta Amazônica tem papel fundamental nos ciclos das chuvas que sustentam a nossa agricultura, que mantém nossa segurança hídrica e a estabilidade climática do país. A Floresta Amazônica também condiciona a existência de outros biomas brasileiros, que desempenham papel semelhante. Ademais, áreas bem preservadas e ambientalmente equilibradas impedem a proliferação de doenças, como dengue, zika e chikungunya.
Temos tantos outros exemplos de benefícios advindos das áreas naturais deste país, mas, apenas para o que foi aqui citado, não há mercadorias que os compensem. Os Yanomami têm razão, não há dinheiro capaz de pagar pela nossa segurança alimentar, pela água que bebemos ou pela saúde de nossas famílias, tudo isso é grande e pesado demais e tem valor, não preço.
No entanto, o país nasceu e se desenvolveu sobre uma grande inversão de princípios, onde o lucro do empresário é priorizado, em detrimento do bem-estar social e da preservação ambiental. Questão essa explícita em casos como Brumadinho, Mariana, Maceió e no avanço das fronteiras de exploração de petróleo e gás. Os leilões de concessão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizam, regularmente, ofertas de blocos de exploração offshore (no mar) e onshore (em terra), sobre e às margens das Terras Indígenas e territórios tradicionais, aumentando conflitos e a pressão sobre os territórios e colocando em risco ecossistemas aquáticos e terrestres.
Ao mesmo tempo em que os projetos exploradores avançam, são aprovados projetos de lei que anulam a proteção de territórios indígenas, como o PL 490/2007. Nos últimos 38 anos, as Terras Indígenas, demarcadas ou não, foram as áreas protegidas mais preservadas do país, como apontam estudos, de 2022, do MapBiomas, ainda assim o governo insiste em medidas que desfavorecem, justamente, essas populações. Nesse contexto, se observa que, mais do que pequenas ações pessoais, devemos agir coletivamente contra os verdadeiros devastadores, contra os exploradores contemporâneos, que tratam nosso país como uma despensa a ser exaurida, às custas de todas, todos e tudo o que aqui vive. Mais do que isso, devemos nos mobilizar em conjunto e em apoio àquelas pessoas e comunidades que dedicam suas vidas à defesa da vida e da floresta.
O planeta já existia antes de elegermos este o seu dia. Não temos como afirmar, nestes mais de quatro bilhões de anos de existência, a data em que de fato nasceu a Terra, a hora, o momento exato de sua criação. Assim, ainda que pensemos apenas nos 200 mil anos de existência da nossa espécie, um dia é insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’, ou mesmo para agirmos por ele, em especial frente aos impactos que geramos, em nossa história mais recente. Já passa da hora de agirmos de forma contínua contra empresas que matam nossos rios, contra empreendimentos que colocam em xeque nossa segurança hídrica e contra ações de governos que ferem os direitos daqueles que defendem as florestas.
O que desejo para o ‘aniversário’ da Terra, é que a presente data seja um marco, uma virada nas nossas ações e mobilizações. Com isso, concluo com uma boa reflexão de Bertolt Brecht, através de uma tradução adaptada: “Há quem lute um dia e é bom, há quem lute um ano e é melhor, há aqueles que lutam vários anos e são muito bons, mas há quem lute por toda a vida, esses são os imprescindíveis.”