Uma contradição, uma oportunidade, um risco e algumas omissões. Assim técnicos e ambientalistas avaliaram o convite da ONU para o Brasil liderar o Diálogo de Alto Nível Sobre Transição Energética, em um Grupo de Trabalho (GT) que inclui Colômbia, Dinamarca, Alemanha, Índia, Espanha e Reino Unido. O convite seria uma oportunidade para o governo do Brasil, o pária global em mudanças do clima devido à disparada nas emissões de Gases do Efeito Estufa sob Bolsonaro (2019/20), apresentar propostas energéticas limpas.
“Somos um estado membro das Nações Unidas com trajetória importante na agenda de matriz energética. Os painéis são de diálogo e importantes para esclarecer esse governo retrógrado como o mundo funciona e como os negócios podem ser impactados se o Brasil não tiver um alinhamento com o novo mundo que está vindo”, avaliou a bióloga Izabella Teixeira, que ocupava o cargo de Ministra do Meio Ambiente quando o País assinou em 2015 o Acordo de Paris Sobre Mudanças Climáticas.
A ONU dividiu os países do Diálogo de Alto Nível sobre Energia em Grupos de Trabalho. São eles Acesso à energia (China, Japão, Quênia, Holanda e Rússia), Transição energética (Brasil, Colômbia, Dinamarca, Alemanha, Índia, Espanha e Reino Unido), Habilitar objetivos do desenvolvimento sustentável por meio de transições inclusivas e justas (Nauru e Emirados Árabes Unidos), Inovação, tecnologia e dados (Ilhas Maurício e Rússia) e Finanças e investimento (República Dominicana, Holanda e Paquistão).
“É comum a cooperação internacional fazer esse tipo de convite justamente para engajar países que não muito ativos na discussão. Apesar de o Brasil ter no atual governo uma reputação muito ruim nas questões ambientais e na mudança do clima, ele também tem um histórico e uma estrutura de energia renovável muito superior a muitos países e isso é visto como fruto de uma estratégia de políticas públicas que foram montadas lá atrás e que vem rendendo frutos”, acredita a mestra em administração pública Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa.
“O Brasil tem track record para ocupar esse lugar. Mas, vai ser cobrado a mostrar liderança que está caminhando rumo à descarbonização do setor de energia. Isso é algo em questão porque não estamos adaptando a nossa matriz à mudança do clima e usamos cada vez mais (usinas) térmicas. Não há uma estratégia de longo prazo. As hidrelétricas que a gente espera que produzam energia no futuro já estão comprometidas em função da mudança no regime de chuvas e na vazão dos rios para as próximas décadas, principalmente na região norte”, avalia Natalie Unterstell. “O País vai ser instado a liderar e mostrar compromisso doméstico”.
Perto de 83% de matriz elétrica brasileira referem-se a fontes qualificadas de “renováveis”, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME) – as aspas se devem ao fato de, entre renováveis, encontrar-se a energia produzida por desastres ambientais e sociais como a hidrelétrica Belo Monte, no Pará. Hidrelétricas produzem 63,8% da eletricidade no Brasil, seguida da fonte eólica (9,3%), biomassa e biogás (8,9%) e solar (1,4%). A matriz energética – que envolve petróleo e gás natural -, mais ampla do que a matriz elétrica, é considerada menos poluentes do que a do restante do mundo. Quase metade da energia (47%) consumida no Brasil provêm de recursos renováveis no curto prazo, quando comparado, por exemplo, ao carão mineral, de longe, o mais poluente de todos os combustíveis fósseis, que leva milhjões e anos para se formar.
A contradição entre o convite da ONU e um governo que aumenta a geração de energia a partir do uso de carvão, gás natural e óleo diesel, consideradas fontes extremamente poluidoras e não renováveis, fica mais evidente quando se observa os leilões de áreas de exploração de petróleo, como estes que a Agência Nacional de Petróleo (ANP), vem realizando – o próximo ocorrerá em outubro. Na contramão de vários países que antecipam as metas de redução de emissões a partir da queima de combustíveis fósseis, como consta do Acordo de Paris, o governo do Brasil não só aposta em mais emissões como o faz de maneira muito questionável.
Segundo doutor em geografia e técnico do Instituto Arayara, Luciano A. Henning, “o governo está dificultando o acesso às informações e facilitando aquilo que disse o atual Ministro do Meio Ambiente: “passar a boiada”. Este leilão (de outubro) claramente não segue as melhores normas internacionais, pois não foram realizadas as Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares, ocasionando uma insegurança jurídica para as empresas que eventualmente vierem a comprar estes blocos”, analisa.
Estranhamente, a ONU omitiu se as discussões sobre transição energética incluirão o debate sobre a exploração dos minerais considerados ultracondutores de energia, utilizados em redes de transmissão e que têm perdas próximas a 0%. Esse é o caso, por exemplo, do nióbio, um mineral utilizado também na fabricação de ligas metálicas ultrarresistentes, como aquelas que equipam os bicos de caças supersônicos, usinas atômicas, naves espaciais, aparelhos de ressonância magnética, além dos motores a explosão de último tipo.
Mais de 98% das reservas mundiais comprovadas de nióbio estão no Brasil, em sua maioria em Minas Gerais, e vêm sendo exploradas sob licença controversa dada pelo Governo de Minas Gerais (a competência legal para permitir a extração de minérios é da União) à Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), controlada pela família Moreira Salles, também sócia do Itaú-Unibanco.
Outro minério que está no centro da parte interditada do debate sobre transição energética é o grafeno – que tem capacidade de conduzir energia ainda maior do que o nióbio. Todas as pesquisas indicam que o grafeno é ótimo condutor de calor, em breve vai substituir com muita vantagem o silício de chips de computador e celular, aumenta a eficiência de pilhas e de baterias, é leve e resistente e já é usado em pás de cataventos para geração de energia eólica e na produção de aviões mais leves. As maiores reservas mundiais do grafite, de onde é extraído o grafeno, estão no Brasil, na China e no Canadá.
Hoje, todos os olhos se voltam para os Estados Unidos e para a possibilidade de que o segundo maior emissor de gases poluentes do mundo comece a priorizar pautas urgentes da justiça climática.
Ao assumir o cargo nesta quarta-feira, o presidente americano eleito Joe Biden apresenta um plano ambicioso para lidar com a mudança climática e, com os democratas no controle do Congresso pela primeira vez em uma década, ele pode ter a oportunidade de realizar alguns de seus objetivos mais ousados.
Em uma série de planos elaborados pelo novo governo de Biden, o novo presidente pretende dar o passo importante de trazer os EUA de volta ao Acordo de Paris, após Trump retirar o país do acordo em uma de suas – muitas – medidas polêmicas.
As propostas de Biden incluem eletricidade livre de carbono até 2035, mais energia eólica e solar para fazer com que a nação tenha emissões líquidas zero e energia 100% limpa até 2050.
Ele também quer atualizar milhões de edifícios e casas para serem mais eficientes em energia e fazer da justiça climática uma questão chave.
No primeiro dia de governo, ações já visam meio ambiente
Retorno ao Acordo de Paris. As negociações climáticas em Paris ocorreram sob o governo Obama e foram lideradas pelo secretário de mudança climática John Kerry quando ele era secretário de Estado. Deve levar cerca de 30 dias para entrar em vigor.
Fim do oleoduto Keystone XL e revogar o desenvolvimento de petróleo e gásem monumentos nacionais de vida selvagem. Para fazer isso, a conselheira climática de Biden, Gina McCarthy, explicou que o governo deve descartar ou alterar mais de 100 proclamações presidenciais, memorandos ou permissões assinados pelo governo Trump que o novo governo considera prejudiciais ao meio ambiente.
Outras mudanças incluem direcionar as agências a “considerar a revisão dos padrões econômicos e de emissões dos combustíveis dos veículos” e colocar grupos de trabalho federais para lidar com os gases de efeito estufa.
Expectativa x Realidade
Ainda precisamos manter a atenção nos próximos passos do novo governo.
Os planos de clima e energia não se aprofundam em detalhes sobre como esses objetivos podem ser alcançados. Sem esses detalhes importantes, só podemos especular sobre o que pode acontecer nos próximos meses.
Mas especialistas em todo o mundo acreditam que aspectos importantes estão alinhados a favor de Biden no que se refere à justiça climática.
Em primeiro lugar, o problema climático assumiu uma urgência ainda maior, à medida que o aquecimento das temperaturas e a elevação do mar geram catástrofes e dão aos cientistas uma visão melhor do que está por vir.
O público está cada vez mais ciente das mudanças climáticas por causa do calor histórico em todo o mundo, incêndios florestais, furacões mais intensos e tantos outros alertas que temos recebido do planeta.
Para enfrentar a crise climática, serão incluídas várias ordens executivas para retornar uma série de regras de poluição derrubadas ou enfraquecidas pelo governo Trump.
Lembra, também, que ressaltamos a incoerência de se construir uma agenda de mudança climática sem que se pense em formas de combater o fracking?Leia mais aqui.
Biden ainda prometeu apoiar cientistas do governo federal assediados por anos de negação das mudanças climáticas e marginalização da ciência, também por conta de Trump.
No entanto, especialistas em clima que vêm defendendo a justiça climática apontam que simplesmente restabelecer as políticas climáticas anteriores a Trump não será suficiente para ajudar o mundo a evitar as piores devastações de ondas de calor, inundações e deslocamento em massa de pessoas.
“Não é suficiente para onde a ciência diz que precisamos estar e não é suficiente porque perdemos um tempo crítico nos últimos dois anos”, disse Brian Deese, nomeado de Biden para diretor do Conselho Econômico Nacional, ao jornal The Guardian.
As emissões para o aquecimento do planeta caíram em 2020 devido à pandemia, mas já estão voltando aos níveis anteriores, apesar do aviso da ONU que os países devem pelo menos triplicar os cortes de emissões prometidos no Acordo de Paris.
O Brasil e o novo governo americano
Com a sinalização de que o combate às mudanças climáticas será uma prioridade do governo Biden, o Brasil pode ficar ainda mais isolado na política ambiental internacional – já que não conta mais com a cobertura de um governo americano que nega as mudanças climáticas.
Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro seguiu os passos de Trump, incluindo ameaças de se retirar do Acordo de Paris. Ele rejeitou críticas internacionais às políticas ambientais do Brasil, sempre apelando à sua base política para discussões em termos nacionalistas de soberania.
Enquanto candidato, Biden chegou a chamar a atenção de Bolsonaro durante um debate presidencial quando mencionou a criação de um fundo internacional para ajudar o Brasil a preservar a floresta amazônica. Biden chegou a ressaltar que o Brasil enfrentaria consequências econômicas se não reduzisse o desmatamento.
Com os Estados Unidos e a Europa agora se realinhando nas políticas internacionais de mudança climática, provavelmente haverá mais pressão sobre o Brasil para conter o desmatamento e outros desastres ambientais. E é o que esperamos.
A notícia boa é que a previsão é sombria para as emissões de carbono e o consumo de carvão e petróleo no mundo. A ruim é que ainda caminhamos para um aquecimento global de mais de 3 graus em menos de 100 anos, e devemos fazer o que for preciso para mudar esse cenário.
É o que aponta a New Energy Outlook 2020 – análise anual da BloombergNEF sobre o futuro da economia de energia.
De acordo com o estudo, as emissões globais de carbono relacionadas ao consumo de energia caíram 8% em 2020.
Apesar de subirem novamente com a recuperação da economia, nunca mais irão atingir os níveis de 2019.
A queda na demanda de energia durante a pandemia removerá cerca de 2,5 anos de emissões do setor até 2050.
A demanda de carvão também está em queda livre em toda a Europa e nos Estados Unidos, tendo atingido seu pico em 2018. A de petróleo vai atingir o pico em 2035 e tecnologias de energia limpa só tendem a avançar.
Novas alternativas de energia
O crescimento dos veículos elétricos compensa o crescimento da demanda na aviação, navegação e petroquímica, e molda o futuro do petróleo. A eficiência energética em outros setores só aumenta.
As energias eólica e fotovoltaica crescerão para atender 56% da demanda mundial de eletricidade em 2050. Os países líderes podem chegar a 80%.
Essas formas de energia limpa – junto às baterias – vão levar 80% dos 15,1 trilhões de dólares investidos em nova capacidade de energia nos próximos 30 anos, de acordo com a análise.
Fonte: BloombergNEF New Energy Outlook 2020
Altas temperaturas e mudanças climáticas
O mundo ainda caminha para um aumento de temperatura.
Apesar da recente queda, as emissões de carbono aumentam novamente com a recuperação econômica em 2027. Depois diminuem 0,7% ano a ano até 2050, levando o mundo a caminho de um aquecimento de 3,3 graus até 2100.
Segundo o relatório, para conter as mudanças climáticas e manter o aquecimento global abaixo de dois graus, as emissões precisam cair 10 vezes mais rápido, em 6% ano a ano até 2050. Para 1,5 grau, a taxa exigida é 10%.
Um dos principais componentes da NEO 2020 é buscar direções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Este ano, a energia limpa e o hidrogênio verde foram os pontos de abordagem para encontrar direções que levem à descarbonização profunda.
Temos um longo caminho pela frente para pular de 0,7% para 10% na queda das emissões. Por isso, a sociedade precisa agir e cobrar agora.
O Instituto Arayara vem buscando todas as formas de mudar essa previsão, através de ações públicas, petições, elaborando iniciativas com a população e organizações, e participando de movimentos mundiais de combate às mudanças climáticas, como o Acordo de Glasgow.
Mais um segmento desponta no uso da energia solar: o agronegócio. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), este setor é responsável por 8,7% dos investimentos na área. E esta porcentagem tende a crescer nos próximos anos, devido ao grande desenvolvimento do próprio agronegócio.
O setor de agronegócio vem fazendo investimentos em novas tecnologias para inovar a produção e aumentar a competitividade, entre elas a energia solar, que traz o fator redução de consumo de energia elétrica em até 95%; além de ter uma geração de eletricidade a partir de uma fonte limpa e renovável, diminuindo os impactos negativos ao meio ambiente.
Outro fator que ajuda nesse processo são os módulos fotovoltaicoson grid, que têm menor custo de implementação, quando comparados ao off grid. Desse modo, o tempo de retorno do investimento também é reduzido, podendo ser alcançado em poucos anos. O sistema on grid é conectado à rede elétrica e, no caso de excedente de produção de energia, o excesso é direcionado para a distribuidora, gerando créditos para a unidade produtora.
Há ainda outras aplicações da energia solar, como ser usada no bombeamento de água. Aqui, as bombas de água movidas à diesel são trocadas por equipamentos à base de energia solar. Na irrigação, este sistema pode ser automatizado usando energia solar e ainda há o efetivo controle do fluxo de água na irrigação, minimizando o consumo e reduzindo problemas.
Já na produção leiteira, é possível maximizar esse processo e proteger todo o insumo de forma eficiente, pois o uso de módulos solares nesta atividade permite que o leite seja conservado da melhor maneira nas câmaras de resfriamento, diminuindo prejuízos com perdas de itens e otimizando o tratamento com os animais.
Boa parte das fazendas utilizam cerca elétrica para o manejo do gado, que tem um baixo custo, porem com o uso da energia solar é possível economizar ainda mais no processo.
Outro segmento dentro do agronegócio que pode se beneficiar com a energia solar é a avicultura. Por meio desse sistema, granjas e espaços para criação de frangos para corte conseguem diminuir os gastos com eletricidade e, desta forma, aumentar os resultados do setor.
Em meio à pandemia que o mundo está vivendo e que tem prejudicada a finalização dos atuais projetos que se encontram ainda em construção e no lançamento de futuras ações, a França aprovou cerca de 300 empreendimentos nos setores de energia solar e eólica, como meio de minimizar os efeitos da crise mundial.
Os vencedores participaram do último leilão energético na França e juntos somam uma capacidade de 1.700 MW, que vão permitir ao país alcançar os objetivos definidos na programação energética anual, o chamado EPP. As principais empresas vencedoras foram: Boralex; EDPR; Enertrag e Engie.
Todos os projetos agora aprovados entrarão em serviço de forma gradual e no final irão produzir 2.6 TWh de energia elétrica por meio de fontes de energia renovável por ano. Este valor irá contribuir para os objetivos energéticos traçados pelo governo francês.
Uma série de medidas foram anunciadas pela ministra da transição energética francesa, Elisabeth Borne, entre elas: o adiamento de prazos para não penalizar projetos devido à atual crise; preço de compra de eletricidade para os pequenos projetos de energia solar foi congelado durante três meses; e um novo calendário para a realização dos próximos leilões de energias renováveis.
A ministra foi categórica ao afirmar que a crise não deverá de forma alguma fazer com que o governo renuncie aos ambiciosos objetivos em termos da política energética do país. “Os 300 projetos de energias renováveis vencedores que foram agora aprovados são uma prova da vontade de continuidade da política do sistema energético”, afirmou.
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