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O oceano em preto e branco

O oceano em preto e branco

O que o branqueamento dos corais nos diz sobre o futuro do petróleo? Essa pergunta pode ser respondida de maneiras diferentes, dependendo do objeto. Olhando pela lente dos corais, o branqueamento não é apenas um fenômeno sazonal triste, é um sinal alarmante de que estamos perdendo a luta contra as mudanças climáticas.

 

Por 

Vinicius Nora
Gerente de Oceanos e Clima da Arayara

Suely Araújo
Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima

Nicole Figueiredo
Diretora-executiva da Arayara

publicado originalmente no jornal A Folha de São Paulo, em 22/04/2024.

 

Como um déjà-vu não desejado, repetimos o cenário de 2019-20 com uma nova onda de branqueamento que afeta os corais brasileiros. Enquanto escrevemos este artigo, muitas áreas do Brasil já estão em alerta máximo para o aumento da temperatura do mar, segundo o Coral Reef Watch, do Noaa (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, dos EUA). Assim, cientistas de décadas de experiência estão pouco otimistas quanto ao futuro desses ecossistemas absolutamente incríveis.

 

Corais saudáveis da espécie Millepora alcicornis em Tamandaré (PE) em fevereiro de 2024 ( acima), e já branqueados no mês seguinte – Ágatha Naiara Ninow/Projeto PELD-Tams – Ágatha Naiara Ninow/Projeto PELD-Tams

 

Historicamente, o Brasil “escapou” dos eventos de estresse térmico, com baixos níveis de mortalidade de corais (5% a 10%). Contudo, agora acompanha a tendência global, onde o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU, estima que com o aumento da temperatura média global para 1,5°C, entre 70% e 90% dos corais tendem a desaparecer. Infelizmente, já ultrapassamos pontualmente esses limites e estamos oficialmente na quarta onda global de branqueamento.

Os registros com a influência do derramamento de petróleo em 2019 destacam uma série de impactos que se acumulam, incluindo mudanças na economia costeira, proporção de tamanho e sexo dos animais, redução na abundância, anomalias mutagênicas e até a mortalidade em massa de corais. Pesquisas desse período registraram taxas alarmantes de mortalidade, como os 89% nos corais-de-fogo em Abrolhos (Reserva Extrativista Marinha do Corumbau), na Bahia, ou a queda de 18% na cobertura de corais em Maragogi (Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais), em Alagoas, que apontaram para um risco crescente para esses ecossistemas, mesmo dentro de áreas protegidas.

A tendência é que eventos do tipo sejam menos espaçados e mais impactantes, pois, à medida que o acúmulo dos impactos progride e as fronteiras de petróleo no Brasil e no mundo crescem sem trégua, o cenário de colapso oceânico se torna mais iminente. Estimativas mostram que o número de processos de licenciamento do tipo cresceu 204,6% em dez anos somente no Brasil. E ainda cabe destaque ao debate que os projetos só não avançaram como previa o setor por falta de analistas no Ibama, mostrando um descompasso proporcional entre a vontade de explorar o petróleo e o investimento nos órgãos reguladores.

A questão é especialmente relevante para governos e empresas; o financiamento climático global, com o objetivo de mitigar os impactos já previstos, é estimado em US$ 1,3 trilhão, enquanto o financiamento para adaptação está avaliado em US$ 63 bilhões. Também é digno de nota o estudo da Fundação Boticário, que estimou que os recifes de corais no Brasil podem gerar R$ 167 bilhões em receitas relacionadas à proteção da linha costeira e ao turismo, com destaque para o Nordeste.

Em contraponto, as perdas globais estimadas decorrentes de impactos por mudanças climáticas podem superar US$ 2,4 trilhões. Somente em 2017, os danos de 16 eventos climáticos extremos nos Estados Unidos somaram U$S 383 bilhões (2% do PIB americano). O cenário nos dá sentido ao ditado popular: mais vale prevenir que remediar.

Frente à crise iminente dos recifes de coral, é crucial identificar soluções viáveis. Embora medidas como planejamento espacial marinho, gestão costeira adaptativa, expansão de áreas de conservação marinha e regulamentação da pesca possam mitigar danos, a solução permanente requer uma transformação profunda e justa da matriz energética. Isso implica transição da indústria do petróleo para fontes de energia limpa e renovável, reduzindo nossa dependência de combustíveis fósseis.

Avaliamos que é hora de escrever um novo capítulo dessa história. De um lado, vislumbramos um futuro livre da dependência integral do petróleo, sem a monocultura energética e com recifes coloridos e diversos. Do outro, viveremos na dicotomia de cores, com a expansão contínua das fronteiras petrolíferas pelo mundo, à custa da perda irreversível dos recifes de corais.

Essa decisão está sobre a mesa de maneira permanente. O branqueamento dos corais serve como uma ampulheta do tempo que nos leva à pergunta: ainda há tempo para salvar os recifes de corais?

 

 

Sol, fonte promissora de geração de energia no Brasil

Sol, fonte promissora de geração de energia no Brasil

O dia 3 de maio é celebrado como o Dia do Sol, uma data significativa para lembrar da importância da energia solar na transição para um futuro mais limpo e sustentável. No Brasil, a geração distribuída de energia solar vem ganhando destaque como uma alternativa eficiente e acessível para a democratização da energia elétrica.

A geração distribuída consiste na produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis, como a solar, por meio de pequenos sistemas instalados em residências, empresas ou comunidades. Dessa forma, a energia é produzida e consumida localmente, sem a necessidade de grandes usinas ou linhas de transmissão, o que garante maior autonomia e segurança energética para as comunidades.

Um exemplo bem-sucedido de geração distribuída de energia solar no Brasil é o projeto Luz para Todos, que leva eletricidade para comunidades rurais e isoladas por meio da instalação de sistemas fotovoltaicos. Desde o lançamento do programa, em 2003, mais de 16 milhões de pessoas já foram beneficiadas com acesso à energia elétrica, transformando a vida dessas pessoas e promovendo a inclusão social.

Além disso, a geração distribuída de energia solar também tem se mostrado uma alternativa viável para a redução das contas de energia elétrica. De acordo com um estudo da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA), a geração distribuída pode reduzir os custos da eletricidade em até 50% em comparação com o modelo tradicional de geração centralizada.

Portanto, a geração distribuída de energia solar é uma opção promissora para a democratização da energia no Brasil, garantindo acesso à eletricidade para comunidades isoladas e reduzindo os custos da energia elétrica para as famílias e empresas. É importante que o governo e a sociedade civil continuem incentivando e investindo nessa alternativa limpa e sustentável de produção de energia elétrica.

E na balança dos impactos socioambientais, o que deve ser levado em conta?

A geração distribuída de energia solar pode apresentar ônus ambientais e sociais em sua cadeia produtiva e instalação. Abaixo, apresento algumas referências que abordam essas questões:

No que diz respeito aos impactos ambientais, um estudo publicado na revista Renewable and Sustainable Energy Reviews em 2018 avaliou a sustentabilidade ambiental da produção de energia solar fotovoltaica. O estudo destacou que a extração de minerais e metais para a produção dos painéis solares pode gerar impactos negativos no meio ambiente, como contaminação de água e solo, e destacou a importância de aprimorar as práticas de produção para minimizar esses impactos.

Em relação aos aspectos sociais, um artigo publicado na revista Energies em 2017 analisou a inclusão social na transição energética no Brasil e destacou que a geração distribuída de energia solar pode gerar desigualdades em relação ao acesso à energia elétrica, especialmente para famílias e comunidades de baixa renda. O estudo ressaltou a importância de políticas públicas que promovam a inclusão social na produção de energia solar.

Além disso, um estudo publicado na revista Journal of Cleaner Production em 2019 avaliou os desafios e oportunidades da geração distribuída de energia solar no Brasil. O estudo destacou que a instalação de sistemas de geração distribuída pode gerar desafios em relação à regulamentação e à gestão dos resíduos gerados pelos painéis solares, mas também apontou oportunidades para a inclusão social e o desenvolvimento local por meio da produção de energia solar.

É importante ressaltar que a transição energética para fontes limpas e sustentáveis requer o equacionamento dessas questões, para que a produção de energia solar possa ser cada vez mais inclusiva e sustentável.

Quais são as políticas energéticas brasileiras que abarcam a geração solar?
No Brasil, existem diversas políticas, programas e regulamentações que incentivam, embasam e regulamentam a geração de energia solar, tanto em escala centralizada (usinas solares de grande porte) quanto em escala distribuída (geração solar em residências, comércios e indústrias). Algumas das principais são:

Resolução Normativa 482/2012: esta resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) regulamenta a geração distribuída de energia elétrica no Brasil, incluindo a geração solar fotovoltaica. Ela estabelece as condições para a conexão de sistemas de geração distribuída à rede elétrica, incluindo a possibilidade de os consumidores gerarem sua própria energia e injetá-la na rede em troca de créditos na conta de luz.

Programa de Desenvolvimento da Geração Distribuída de Energia Elétrica (ProGD): lançado em 2014, este programa do Ministério de Minas e Energia tem como objetivo incentivar a geração distribuída de energia elétrica no país, incluindo a solar fotovoltaica. Entre as medidas previstas estão a simplificação dos procedimentos de conexão à rede e a definição de regras claras para o cálculo dos créditos na conta de luz.

Programa Nacional de Energia Renovável (RENovaBio): lançado em 2017, este programa do governo federal tem como objetivo incentivar a produção de biocombustíveis e outras fontes renováveis de energia, incluindo a solar fotovoltaica. O programa prevê a criação de metas anuais de redução de emissões de gases de efeito estufa e a emissão de certificados de descarbonização (CBIOs) para as empresas que cumprirem essas metas.

Linhas de financiamento para energia solar: diversas instituições financeiras, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco do Nordeste, oferecem linhas de financiamento para a instalação de sistemas de energia solar fotovoltaica em residências, comércios e indústrias. Esses financiamentos incluem desde a aquisição dos equipamentos até a instalação e a conexão à rede elétrica.

É importante ressaltar que o desenvolvimento do setor depende não apenas dessas medidas, mas também de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, capacitação técnica e conscientização da sociedade sobre a importância da transição para fontes de energia limpa e sustentável.

 

Principais desafios para o Brasil

A geração de energia solar no Brasil ainda enfrenta diversos desafios que dificultam sua implementação em larga escala e a transição para abandonar as fontes não renováveis. Alguns dos principais problemas são:

Custo elevado: apesar de o custo da energia solar ter caído significativamente nos últimos anos, a instalação de sistemas fotovoltaicos ainda requer um investimento inicial elevado, o que pode ser um obstáculo para a adoção da tecnologia por parte de consumidores residenciais, comerciais e industriais.

Falta de incentivos fiscais: embora existam linhas de financiamento para a instalação de sistemas de energia solar, o Brasil ainda carece de incentivos fiscais para o setor, como isenção de impostos e taxas de importação de equipamentos.

Regulamentação complexa: apesar da Resolução Normativa 482/2012 da ANEEL, que regulamenta a geração distribuída de energia elétrica no Brasil, muitas empresas ainda enfrentam dificuldades para se conectar à rede elétrica e para obter autorização para a instalação de sistemas fotovoltaicos.

Capacitação técnica: é necessário investimento na capacitação técnica da sociedade para a formação destes novos profissionais para a instalação e manutenção de sistemas de energia solar que requerem conhecimentos específicos. Este é um grande potencial para a geração de emprego e renda.

Dependência das fontes não renováveis: o Brasil ainda depende em grande parte da geração de energia a partir de fontes não renováveis,termelétricas a carvão mineral, gás natural e diesel. A transição para fontes de energia limpa e renovável exige investimentos em infraestrutura e tecnologia que nem sempre são prioritários para o governo e para o setor privado.

 

Plano Nacional de Energia 2050

Um dos documentos mais importantes e abrangentes produzidos no Brasil sobre a democratização do acesso à energia e a transição justa é o Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050), elaborado pelo Ministério de Minas e Energia em 2020.

O PNE 2050 apresenta um conjunto de diretrizes, metas e ações para orientar a expansão da matriz energética brasileira até 2050, com foco na sustentabilidade, na segurança energética e na inclusão social. O documento inclui um capítulo específico sobre a geração distribuída de energia elétrica, que destaca a importância da tecnologia para a democratização do acesso à energia e para a redução das desigualdades regionais e sociais no país.

O Plano Nacional de Energia 2050 foi elaborado a partir de um amplo processo de participação e consulta pública, que contou com a colaboração de especialistas, representantes de governos estaduais e municipais, da sociedade civil, do setor empresarial e de outros segmentos da sociedade brasileira. O documento é uma importante referência para orientar políticas públicas e iniciativas privadas relacionadas à geração de energia solar e à transição justa no Brasil.

O PNE 2050 estabelece como meta para 2050 que a geração distribuída alcance 24% da capacidade instalada de geração elétrica no Brasil. Para atingir essa meta, o documento propõe diversas ações de incentivo à geração distribuída de energia, incluindo a criação de linhas de financiamento, a simplificação das regras de conexão à rede elétrica e a implementação de políticas de estímulo à micro e minigeração distribuída.

O documento também destaca que a geração solar fotovoltaica tem um grande potencial de expansão no Brasil, dado o elevado nível de radiação solar no país e a redução do custo dos equipamentos. O PNE 2050 projeta que a capacidade instalada de geração solar fotovoltaica no Brasil pode chegar a 222 GW em 2050, o que corresponderia a cerca de 36% da capacidade total de geração elétrica no país.

 

Referências:
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Geração distribuída. Disponível em: https://www.aneel.gov.br/geracao-distribuida

Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA). Distributed Renewable Energy: A Catalyst for Rural Electrification in the Global South. Disponível em: https://www.irena.org/-/media/Files/IRENA/Agency/Publication/2017/Oct/IRENA_Distributed_Renewable_Energy_2017.pdf

Ministério de Minas e Energia. Programa Luz para Todos. Disponível em: http://www.mme.gov.br/luz-para-todos

Renewable and Sustainable Energy Reviews
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1364032118305638

Revista Energies
https://www.mdpi.com/1996-1073/10/10/1614

Journal of Cleaner Production
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0959652619304112

 

Instituto Arayara Capacita Jovens de Santa Catarina para Lidar com os Desafios da Transição Energética

Instituto Arayara Capacita Jovens de Santa Catarina para Lidar com os Desafios da Transição Energética

Evento pioneiro reúne jovens ativistas para aprofundar conhecimentos sobre energia renovável e promover mudanças sustentáveis.

 

Santa Catarina – No cenário deslumbrante de Santa Catarina, um movimento promissor vem tomando forma. O Instituto Arayara, uma organização conhecida por sua atuação em prol da justiça socioambiental, realizou um evento que está redefinindo o papel dos jovens na condução da transição energética. Durante o último final de semana, a capacitação reuniu jovens de diversas localidades do estado para debater e se preparar para liderar a mudança em direção a um sistema energético mais limpo e igualitário.
Uma Abordagem Urgente para um Problema Global

Diante das crescentes preocupações com as mudanças climáticas e busca por fontes de energia, a transição energética se tornou uma questão globalmente importante. Santa Catarina, apesar de sua beleza natural, enfrenta desafios experimentados em sua matriz energética. A dependência de combustíveis fósseis e a exploração excessiva dos recursos naturais têm acarretado impactos ambientais e sociais, motivando a necessidade de uma mudança radical.

Formando Líderes para um Futuro Sustentável
O programa de capacitação organizado pelo Instituto Arayara tinha um propósito claro: capacitar e empoderar jovens catarinenses para liderar a transição energética justa. O evento apresentou uma plataforma para workshops, palestras e atividades práticas, abrangendo desde os princípios básicos das energias renováveis ​​até estratégias avançadas de advocacia e sensibilização pública.

Pilares do Evento
Workshops Esclarecedores: Especialistas experientes compartilharam conhecimentos e insights sobre fontes de energia renovável, economia verde e integração da justiça social na transição energética.
Histórias que Inspiraram: Jovens ativistas locais, verdadeiros agentes de mudança, compartilharam suas trajetórias e experiências na adesão de suas comunidades em prol de soluções energéticas sustentáveis.
Conexões Estratégicas: O evento incentivou a formação de uma rede de contatos entre os jovens participantes, promovendo uma colaboração e planejamento de conjuntos de projetos.
Ação Prática: Os participantes tiveram a oportunidade de vivenciar na prática o que aprenderam, por meio de visitas a projetos de energia renovável local.

A capacitação realizada pelo Instituto Arayara sinaliza um ponto de virada na capacitação de jovens líderes em Santa Catarina. A nova geração está sendo preparada para enfrentar os desafios energéticos de maneira proativa, com olhos voltados para um futuro no qual a energia é limpa, justa e acessível a todos.

Em um momento crucial para a luta contra as mudanças climáticas, a capacitação formada pelo Instituto Arayara assume um papel de destaque. Ao fornecer ferramentas e conhecimentos, a organização está pavimentando o caminho para que os jovens catarinenses se tornem defensores da transição energética, garantindo um futuro mais sustentável para as gerações vindouras.

Pária do clima, Brasil lidera debate sobre transição energética

Uma contradição, uma oportunidade, um risco e algumas omissões. Assim técnicos e ambientalistas avaliaram o convite da ONU para o Brasil liderar o Diálogo de Alto Nível Sobre Transição Energética, em um Grupo de Trabalho (GT) que inclui Colômbia, Dinamarca, Alemanha, Índia, Espanha e Reino Unido. O convite seria uma oportunidade para o governo do Brasil, o pária global em mudanças do clima devido à disparada nas emissões de Gases do Efeito Estufa sob Bolsonaro (2019/20), apresentar propostas energéticas limpas.

“Somos um estado membro das Nações Unidas com trajetória importante na agenda de matriz energética. Os painéis são de diálogo e importantes para esclarecer esse governo retrógrado como o mundo funciona e como os negócios podem ser impactados se o Brasil não tiver um alinhamento com o novo mundo que está vindo”, avaliou a bióloga Izabella Teixeira, que ocupava o cargo de Ministra do Meio Ambiente quando o País assinou em 2015 o Acordo de Paris Sobre Mudanças Climáticas.

A ONU dividiu os países do Diálogo de Alto Nível sobre Energia em Grupos de Trabalho. São eles Acesso à energia (China, Japão, Quênia, Holanda e Rússia), Transição energética (Brasil, Colômbia, Dinamarca, Alemanha, Índia, Espanha e Reino Unido), Habilitar objetivos do desenvolvimento sustentável por meio de transições inclusivas e justas (Nauru e Emirados Árabes Unidos), Inovação, tecnologia e dados (Ilhas Maurício e Rússia) e Finanças e investimento (República Dominicana, Holanda e Paquistão).

“É comum a cooperação internacional fazer esse tipo de convite justamente para engajar países que não muito ativos na discussão. Apesar de o Brasil ter no atual governo uma reputação muito ruim nas questões ambientais e na mudança do clima, ele também tem um histórico e uma estrutura de energia renovável muito superior a muitos países e isso é visto como fruto de uma estratégia de políticas públicas que foram montadas lá atrás e que vem rendendo frutos”, acredita a mestra em administração pública Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa.

“O Brasil tem track record para ocupar esse lugar. Mas, vai ser cobrado a mostrar liderança que está caminhando rumo à descarbonização do setor de energia. Isso é algo em questão porque não estamos adaptando a nossa matriz à mudança do clima e usamos cada vez mais (usinas) térmicas. Não há uma estratégia de longo prazo. As hidrelétricas que a gente espera que produzam energia no futuro já estão comprometidas em função da mudança no regime de chuvas e na vazão dos rios para as próximas décadas, principalmente na região norte”, avalia Natalie Unterstell. “O País vai ser instado a liderar e mostrar compromisso doméstico”.

Perto de 83% de matriz elétrica brasileira referem-se a fontes qualificadas de “renováveis”, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME) – as aspas se devem ao fato de, entre renováveis, encontrar-se a energia produzida por desastres ambientais e sociais como a hidrelétrica Belo Monte, no Pará. Hidrelétricas produzem 63,8% da eletricidade no Brasil, seguida da fonte eólica (9,3%), biomassa e biogás (8,9%) e solar (1,4%). A matriz energética – que envolve petróleo e gás natural -, mais ampla do que a matriz elétrica, é considerada menos poluentes do que a do restante do mundo. Quase metade da energia (47%) consumida no Brasil provêm de recursos renováveis no curto prazo, quando comparado, por exemplo, ao carão mineral, de longe, o mais poluente de todos os combustíveis fósseis, que leva milhjões e anos para se formar.

A contradição entre o convite da ONU e um governo que aumenta a geração de energia a partir do uso de carvão, gás natural e óleo diesel, consideradas fontes extremamente poluidoras e não renováveis, fica mais evidente quando se observa os leilões de áreas de exploração de petróleo, como estes que a Agência Nacional de Petróleo (ANP), vem realizando – o próximo ocorrerá em outubro. Na contramão de vários países que antecipam as metas de redução de emissões a partir da queima de combustíveis fósseis, como consta do Acordo de Paris, o governo do Brasil não só aposta em mais emissões como o faz de maneira muito questionável.

Segundo doutor em geografia e técnico do Instituto Arayara, Luciano A. Henning, “o governo está dificultando o acesso às informações e facilitando aquilo que disse o atual Ministro do Meio Ambiente: “passar a boiada”. Este leilão (de outubro) claramente não segue as melhores normas internacionais, pois não foram realizadas as Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares, ocasionando uma insegurança jurídica para as empresas que eventualmente vierem a comprar estes blocos”, analisa.

Estranhamente, a ONU omitiu se as discussões sobre transição energética incluirão o debate sobre a exploração dos minerais considerados ultracondutores de energia, utilizados em redes de transmissão e que têm perdas próximas a 0%. Esse é o caso, por exemplo, do nióbio, um mineral utilizado também na fabricação de ligas metálicas ultrarresistentes, como aquelas que equipam os bicos de caças supersônicos, usinas atômicas, naves espaciais, aparelhos de ressonância magnética, além dos motores a explosão de último tipo.

Mais de 98% das reservas mundiais comprovadas de nióbio estão no Brasil, em sua maioria em Minas Gerais, e vêm sendo exploradas sob licença controversa dada pelo Governo de Minas Gerais (a competência legal para permitir a extração de minérios é da União) à Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), controlada pela família Moreira Salles, também sócia do Itaú-Unibanco.

Outro minério que está no centro da parte interditada do debate sobre transição energética é o grafeno – que tem capacidade de conduzir energia ainda maior do que o nióbio. Todas as pesquisas indicam que o grafeno é ótimo condutor de calor, em breve vai substituir com muita vantagem o silício de chips de computador e celular, aumenta a eficiência de pilhas e de baterias, é leve e resistente e já é usado em pás de cataventos para geração de energia eólica e na produção de aviões mais leves. As maiores reservas mundiais do grafite, de onde é extraído o grafeno, estão no Brasil, na China e no Canadá.

A posse de Biden e as expectativas para a justiça climática

A posse de Biden e as expectativas para a justiça climática

Hoje, todos os olhos se voltam para os Estados Unidos e para a possibilidade de que o segundo maior emissor de gases poluentes do mundo comece a priorizar pautas urgentes da justiça climática.

Ao assumir o cargo nesta quarta-feira, o presidente americano eleito Joe Biden apresenta um plano ambicioso para lidar com a mudança climática e, com os democratas no controle do Congresso pela primeira vez em uma década, ele pode ter a oportunidade de realizar alguns de seus objetivos mais ousados.

Em uma série de planos elaborados pelo novo governo de Biden, o novo presidente pretende dar o passo importante de trazer os EUA de volta ao Acordo de Paris, após Trump retirar o país do acordo em uma de suas – muitas – medidas polêmicas.

As propostas de Biden incluem eletricidade livre de carbono até 2035, mais energia eólica e solar para fazer com que a nação tenha emissões líquidas zero e energia 100% limpa até 2050.

Ele também quer atualizar milhões de edifícios e casas para serem mais eficientes em energia e fazer da justiça climática uma questão chave.

No primeiro dia de governo, ações já visam meio ambiente

Retorno ao Acordo de Paris. As negociações climáticas em Paris ocorreram sob o governo Obama e foram lideradas pelo secretário de mudança climática John Kerry quando ele era secretário de Estado. Deve levar cerca de 30 dias para entrar em vigor.

Fim do oleoduto Keystone XL e revogar o desenvolvimento de petróleo e gás em monumentos nacionais de vida selvagem. Para fazer isso, a conselheira climática de Biden, Gina McCarthy, explicou que o governo deve descartar ou alterar mais de 100 proclamações presidenciais, memorandos ou permissões assinados pelo governo Trump que o novo governo considera prejudiciais ao meio ambiente.

Outras mudanças incluem direcionar as agências a “considerar a revisão dos padrões econômicos e de emissões dos combustíveis dos veículos” e colocar grupos de trabalho federais para lidar com os gases de efeito estufa.

Expectativa x Realidade

Ainda precisamos manter a atenção nos próximos passos do novo governo.

Os planos de clima e energia não se aprofundam em detalhes sobre como esses objetivos podem ser alcançados. Sem esses detalhes importantes, só podemos especular sobre o que pode acontecer nos próximos meses.

Mas especialistas em todo o mundo acreditam que aspectos importantes estão alinhados a favor de Biden no que se refere à justiça climática.

Em primeiro lugar, o problema climático assumiu uma urgência ainda maior, à medida que o aquecimento das temperaturas e a elevação do mar geram catástrofes e dão aos cientistas uma visão melhor do que está por vir.

O público está cada vez mais ciente das mudanças climáticas por causa do calor histórico em todo o mundo, incêndios florestais, furacões mais intensos e tantos outros alertas que temos recebido do planeta.

Para enfrentar a crise climática, serão incluídas várias ordens executivas para retornar uma série de regras de poluição derrubadas ou enfraquecidas pelo governo Trump.

Lembra, também, que ressaltamos a incoerência de se construir uma agenda de mudança climática sem que se pense em formas de combater o fracking? Leia mais aqui.

Biden ainda prometeu apoiar cientistas do governo federal assediados por anos de negação das mudanças climáticas e marginalização da ciência, também por conta de Trump.

No entanto, especialistas em clima que vêm defendendo a justiça climática apontam que simplesmente restabelecer as políticas climáticas anteriores a Trump não será suficiente para ajudar o mundo a evitar as piores devastações de ondas de calor, inundações e deslocamento em massa de pessoas.

“Não é suficiente para onde a ciência diz que precisamos estar e não é suficiente porque perdemos um tempo crítico nos últimos dois anos”, disse Brian Deese, nomeado de Biden para diretor do Conselho Econômico Nacional, ao jornal The Guardian.

As emissões para o aquecimento do planeta caíram em 2020 devido à pandemia, mas já estão voltando aos níveis anteriores, apesar do aviso da ONU que os países devem pelo menos triplicar os cortes de emissões prometidos no Acordo de Paris.

O Brasil e o novo governo americano

Com a sinalização de que o combate às mudanças climáticas será uma prioridade do governo Biden, o Brasil pode ficar ainda mais isolado na política ambiental internacional – já que não conta mais com a cobertura de um governo americano que nega as mudanças climáticas.

Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro seguiu os passos de Trump, incluindo ameaças de se retirar do Acordo de Paris. Ele rejeitou críticas internacionais às políticas ambientais do Brasil, sempre apelando à sua base política para discussões em termos nacionalistas de soberania.

Enquanto candidato, Biden chegou a chamar a atenção de Bolsonaro durante um debate presidencial quando mencionou a criação de um fundo internacional para ajudar o Brasil a preservar a floresta amazônica. Biden chegou a ressaltar que o Brasil enfrentaria consequências econômicas se não reduzisse o desmatamento.

Com os Estados Unidos e a Europa agora se realinhando nas políticas internacionais de mudança climática, provavelmente haverá mais pressão sobre o Brasil para conter o desmatamento e outros desastres ambientais. E é o que esperamos.