por Comunicação Arayara - Nívia Cerqueira | 03, dez, 2024 | Carvão Mineral |
No dia 27, a Câmara Municipal de Volta Redonda (RJ) sediou mais uma audiência pública para discutir o descumprimento de compromissos ambientais pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Com o tema “CSN e fiscalização do INEA: descumprimento do TAC, inoperância e omissão”, o evento foi convocado pelo vereador Raone Ferreira e reuniu representantes da sociedade civil, movimentos sociais e políticos locais, como os deputados Lindbergh Farias (PT-RJ) e Jari Oliveira (PSB-RJ).
O Instituto Internacional Arayara participou com análises técnicas que fortaleceram a luta de moradores, há décadas prejudicados pela poluição na região. Apesar da significativa presença da população diretamente impactada, a audiência foi marcada pela ausência de órgãos e entidades relevantes. A Secretaria de Meio Ambiente Municipal não compareceu, assim como a CSN, que alegou falta de equipe técnica. O Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEA), que havia prometido enviar dois técnicos remotamente, deixou de responder no horário marcado e, apenas no final, alegou problemas técnicos como justificativa para a ausência.
Durante a audiência pública, a engenheira ambiental Daniela Barros, representando o Instituto Internacional Arayara, apresentou dados técnicos em conjunto com o vereador Raoni, para abordar o descumprimento dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a leniência do Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEIA). Barros destacou a desorganização do órgão e os impactos ambientais negligenciados.
Problemas enfrentados pela população
Depoimentos de moradores ilustraram os problemas enfrentados pela população, como a poluição gerada pelo “pó preto”, que cobre residências e compromete a qualidade de vida. “Uma professora relatou como sua casa fica coberta de sujeira rapidamente ao deixar as janelas abertas. Além disso, há graves impactos das pilhas de rejeitos próximas ao Rio Paraíba do Sul, que prejudicam o ecossistema local”, afirmou Barros.
Nos últimos 30 anos (1994-2024), a CSN assinou quatro TACs para atender à legislação ambiental e mitigar os danos de suas operações, mas, de acordo com o relatório do MPF,, nenhum foi efetivamente cumprido. A população de Volta Redonda segue exposta a contaminações no solo e a níveis de poluentes atmosféricos superiores aos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), agravando os riscos à saúde pública. Esses problemas estão diretamente ligados ao processo siderúrgico da CSN, que utiliza carvão mineral, um emissor significativo de partículas e gases nocivos.
Apesar da ausência de representantes da CSN e de órgãos reguladores, o evento trouxe encaminhamentos importantes, como a notificação do Ministério Público Federal (MPF), a judicialização do caso e a proposta de transferir o licenciamento ambiental da CSN para o IBAMA, medidas apontadas por Barros como essenciais para buscar soluções efetivas.
Entenda o caso
A prorrogação dos prazos para o cumprimento de ações ambientais pela CSN foi respaldada pelo parecer do Processo INEA nº 50/2024 – LDQO, aprovado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE). O engenheiro ambiental da ARAYARA, Urias de Moura Bueno Neto, questiona o uso da pandemia como justificativa apresentada pela CSN para adiar o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Ele destaca que a área técnica do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) não identificou nexo causal entre a pandemia e a necessidade de se prorrogar o TAC.
A análise da ARAYARA constata que durante o período crítico da pandemia (2020-2022), quando havia mais ações a serem cumpridas, todas foram entregues. “Curiosamente, a prorrogação foi solicitada para ações com prazo original entre julho e agosto de 2024, sendo que 8 das 10 ações pendentes estão relacionadas ao controle de emissão de poeira”, explicou o engenheiro ambiental Urias Neto.
Além disso, o engenheiro apontou que, em uma carta protocolada pela CSN, a empresa apresentou cronogramas adiando ações consideradas essenciais para 2025 e 2026, o que reforça as críticas sobre a falta de compromisso com os prazos estabelecidos.
Segundo Neto, o termo aditivo oficializando essa prorrogação foi publicado pelo INEA em 9 de setembro de 2024, concedendo mais dois anos para que a siderúrgica regularize suas pendências. “Essa decisão, que claramente favorece a CSN, suscita preocupações sobre a flexibilidade no cumprimento das metas ambientais e os impactos prolongados que isso pode trazer para as comunidades e o meio ambiente”, concluiu.
Documentos sob sigilo
Após análise, a ARAYARA ressaltou a existência de um documento sigiloso — a carta 79452520 — mencionada no 9º relatório de acompanhamento do TAC realizado pelo INEA, que serviu de base para os pedidos de prorrogação. “O uso de informações restritas em um processo que impacta diretamente a população levanta questionamentos sobre a transparência e a imparcialidade do acompanhamento técnico e jurídico”, pontuou Fernanda Gomes Coelho, gerente jurídica da ARAYARA.
Segundo Coelho, “esses pontos se somam a um histórico de atrasos e justificativas questionáveis, evidenciando fragilidades na governança ambiental e no cumprimento dos compromissos assumidos pela CSN”.
No 10º relatório, o INEA apontou que 84,43% das ações previstas no TAC foram cumpridas (103 ações), 5,74% estão em cumprimento (7 ações), 1,64% perderam objeto (2 ações) e 8,2% (10 ações) tiveram prazo prorrogado. Dentre estas, 8 visam a redução de emissões de partículas atmosféricas, e duas buscam reduzir rejeitos e resíduos.
A análise realizada pela ARAYARA também destaca controvérsias relacionadas a alguns itens, inicialmente considerados não cumpridos pelo INEA, que alegou não ser mais possível realizar análise técnica. No entanto, no mesmo relatório, o INEA atestou o cumprimento dessas ações, justificando que a empresa implementou as adequações indicadas nos estudos (que, inicialmente, não atendiam às exigências do INEA), embora com atraso.
Documentos como o 10º relatório e a Notificação nº SUPCONNOT/01133202 registram o histórico das ações, com o INEA reafirmando o não cumprimento inicial dos itens antes de validar o cumprimento tardio.
Histórico de descumprimentos e intimidações
No dia 9 de julho, em Brasília, foi realizada uma audiência pública para debater os impactos ambientais e sociais causados pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). No final do mesmo mês, outra audiência ocorreu em Volta Redonda (RJ). Ambas contaram com a participação ativa do Instituto Internacional Arayara, que defende maior rigor na fiscalização, o cumprimento integral dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e a implementação de um plano efetivo de descarbonização pela CSN.
Além dos problemas ambientais persistentes, a CSN enfrenta acusações de intimidação contra ativistas e de processar ex-colaboradores que denunciam irregularidades, incluindo o descumprimento de normas ambientais e condições insalubres de trabalho. Antes da audiência em Volta Redonda, movimentos populares da região realizaram um grande ato de mobilização para denunciar esses problemas.
Alexandre Fonseca, liderança do Movimento Sul Fluminense contra a Poluição de Volta Redonda, destacou a necessidade de avanços legislativos para responsabilizar empresas poluidoras, especialmente a CSN, e assegurar contrapartidas sociais pelos danos causados. “É fundamental pressionar o Executivo para que as leis ambientais já existentes, mas que permanecem inativas, sejam efetivamente aplicadas”, afirmou.
Ele também reforçou o compromisso com a mobilização popular e institucional: “Seguiremos trazendo atenção a esses problemas, seja nas ruas, por meio de movimentos sociais e atos, seja em espaços institucionais como esta audiência pública, que reconhecemos como uma oportunidade crucial para fortalecer nossa presença e reafirmar nosso compromisso com a causa.”
Em setembro, a CSN obteve mais uma prorrogação no acordo firmado com o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) para reduzir a poluição em Volta Redonda. A empresa tinha até o dia 19/09/2024 para modernizar equipamentos e minimizar emissões de poluentes, mas novamente não cumpriu as medidas estabelecidas.
por Comunicação Arayara - Nívia Cerqueira | 08, nov, 2024 | Termoelétrica |
No dia 29 de outubro, a geógrafa e doutora Raquel Henrique, especialista em Planejamento Urbano e Regional, foi à Tribuna Livre da Câmara Municipal de Caçapava para atualizar a comunidade e os vereadores sobre o avanço da oposição à Usina Termelétrica São Paulo.
Proposta pela empresa Natural Energia, a usina Termelétrica São Paulo de 1,74 GW, enfrentou forte resistência local devido a potenciais riscos ambientais e à previsão de emissão significativa de poluentes na região.
Entenda o caso
Em julho deste ano, duas audiências públicas sobre a instalação da UTE São Paulo foram suspensas após protestos organizados pela Frente Ambientalista do Vale do Paraíba, com o apoio do Instituto Internacional Arayara e da sociedade civil. Falhas no processo foram apontadas, incluindo mudanças de última hora no local das audiências, o que dificultou o acesso e a participação da comunidade.
Apesar das contestações do Ministério Público Federal (MPF), de especialistas e da sociedade civil, a 3ª Vara Federal de São José dos Campos decidiu manter as audiências para discutir o projeto da termelétrica. O MPF avaliou que essa decisão contradiz uma determinação judicial anterior. Embora o parecer técnico do IBAMA tenha sido desfavorável ao projeto, indicando riscos socioambientais no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (EIA-RIMA), a Natural Energia, empresa responsável pelo empreendimento, conseguiu a autorização do órgão ambiental para continuar com as audiências, gerando ainda mais polêmica e resistência na região.
Falhas graves no projeto e potenciais impactos
Entre os novos projetos de geração termelétrica no Brasil, o empreendimento em Caçapava se destaca pela sua escala: se entrar em operação total, a usina poderá emitir até 6 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, aumentando as emissões da matriz elétrica brasileira em um momento em que elas deveriam cair para ajudar a conter as mudanças climáticas. O montante é 2.000 vezes maior do que todas as emissões da cidade de Caçapava entre 2000 e 2022.
Os dados citados fazem parte do relatório “Regressão energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática”, lançado pela Coalizão Energia Limpa, este ano.
Moções de repúdio em 11 municípios
Durante a sessão na Câmara, a Dra. Raquel Henrique, ativista, educadora ambiental e membro da ONG Ecovital e da Frente Ambientalista do Vale do Paraíba, destacou erros e falhas graves no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) conduzido pela empresa Natural Energia, responsável pelo projeto da termelétrica.
Dentre os problemas apontados, Raquel destacou inconsistências na modelagem da dispersão de poluentes e omissões em relação ao fenômeno de inversão térmica durante o inverno. Esse fenômeno, comum em regiões montanhosas como o Vale do Paraíba, tende a concentrar poluentes na atmosfera, piorando a qualidade do ar e comprometendo a saúde dos moradores. Raquel também criticou a falta de diálogo direto com as comunidades que seriam diretamente impactadas pelo empreendimento.
A oposição ao projeto não se limita a Caçapava. Diversos municípios da região, como Taubaté, São José dos Campos e Campos do Jordão, emitiram moções de repúdio ao projeto em suas Câmaras Municipais. Em Caçapava, a vereadora Dandara Gissoni (PSB-SP) liderou a apresentação de uma moção de repúdio, que recebeu o apoio da maioria dos vereadores, com exceção de Wellington Felipe, cuja decisão gerou forte reação entre a comunidade e nas redes sociais.
Paula Guimarães, consultora jurídica da ARAYARA, alertou para os impactos ambientais e à saúde pública caso o projeto avance. “A geografia da região favorece a retenção de poluentes, colocando em risco o ecossistema e a saúde de mais de 2 milhões de pessoas. Até agora, mais de 11 municípios, incluindo Caçapava, Taubaté, São José e Campos do Jordão, aprovaram moções de repúdio ao projeto. Além dos impactos na Serra da Mantiqueira e na qualidade do ar, o Rio Paraíba do Sul, que abastece as regiões do Rio de Janeiro e de São Paulo, também pode ser prejudicado”, afirmou.
Um ponto central das críticas é a localização escolhida para a termelétrica. Diferente das grandes usinas de metano do Brasil, normalmente situadas em áreas costeiras ou planas com ventos fortes, Caçapava está em uma região montanhosa, cercada por encostas e com baixa circulação de ventos. Essa configuração dificulta a dispersão de poluentes, expondo potencialmente mais de 2 milhões de pessoas a níveis elevados de poluição atmosférica e agravando os riscos para a saúde pública e o meio ambiente no Vale do Paraíba.
Créditos da foto: Marcelo Caltabiano
por Comunicação Arayara | 25, out, 2024 | COP29 |
O aumento de temperatura esperado para o fim do século será de 3,1°C caso as contribuições nacionais para reduzir emissões de CO2 não atinjam níveis mais ambiciosos
Por Paloma Oliveto para o Correio Braziliense
A tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul é um dos efeitos das mudanças climáticas e seus impactos no cotidiano – (crédito: Marinha do Brasil )
O planeta se aproxima de chegar ao fim do século 3,1°C mais quente do que na era pré-industrial, alcançando temperaturas incompatíveis com a vida. O alerta é do relatório Lacuna das Emissões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), lançado ontem em Cali, na Colômbia, durante a Conferência das Partes da Convenção sobre Biodiversidade (COP15). A pouco mais de um mês da COP29, do clima, sediada no Azerbaijão, o documento destaca que, tecnicamente, ainda é possível atingir a meta de 1,5°C. Mas, para isso, é preciso uma mobilização massiva, que leve ao corte de 42% das emissões globais até 2030 e 57% até 2035.
Com as políticas atuais de contenção dos gases de efeito estufa, o mundo alcançará um aumento considerado catastrófico na temperatura. Mesmo que os compromissos já assumidos nas COPs anteriores fossem cumpridos — e não estão —, o planeta chegaria a 2100 entre 2,6°C-2,8°C mais quente do que o século 19.
No próximo ano, na COP de Belém, no Brasil, haverá uma nova rodada das chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) – compromissos que cada país signatário do Acordo de Paris apresenta na conferência, para ajudar a reduzir as emissões. A ONU adverte que essas metas terão de ser mais ambiciosas do que nunca. “O relatório de hoje (ontem) sobre a Lacuna de Emissões é claro: estamos brincando com fogo; não podemos mais ganhar tempo”, ressaltou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em uma mensagem em vídeo. “Estamos sem tempo. Fechar a lacuna de emissões significa fechar a lacuna de ambição, a lacuna de implementação e a lacuna financeira. Começando na COP29.”
As projeções científicas apresentadas no relatório, de um mundo 2,6 °C mais quente, baseiam-se no cenário de implementação total das NDCs e têm uma probabilidade de 66% de acontecerem. O problema é que nem essas promessas estão sendo cumpridas; nenhum país está no caminho de alcançar as contribuições apresentadas em 2022, a atualização mais recente. Se todas fossem batidas, ainda seria necessário acrescentar contribuições de zero líquido para limitar o aquecimento a 1,9 °C. O relatório, porém, ressalta que há pouca confiança, hoje, nas estratégias que têm como objetivo contrabalancear as emissões com a captura de carbono.
“A lacuna de emissões não é uma noção abstrata”, reforçou Guterres. “Há uma ligação direta entre o aumento das emissões e desastres climáticos cada vez mais frequentes e intensos. Em todo o mundo, as pessoas estão pagando um preço terrível. Emissões recordes significam temperaturas recordes do mar sobrecarregando furacões monstruosos; calor recorde está transformando florestas em caixas de pólvora e cidades em saunas; chuvas recordes estão resultando em inundações bíblicas.”
Alexandre Prado, líder em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, destaca tragédias climáticas brasileiras recentes. “A tragédia no Sul, a maior seca da história e as queimadas na Amazônia e no Pantanal nos mostraram que da forma como está, já era”, avalia. Prado lembra que a origem das mudanças climáticas são os combustíveis fósseis, cuja queima resulta na formação dos gases de efeito estufa. “Sabemos o que fazer, sabemos como fazer e sabemos das dificuldades e desafios, mas temos que ter lideranças para enfrentá-los.”
Para limitar o aumento da temperatura, o relatório da ONU destaca que as emissões devem cair 28% até 2030 e 37% dos níveis de 2019 até 2035. “Precisamos de mobilização global em uma escala e ritmo nunca vistos antes — começando agora mesmo. Peço a todas as nações: chega de conversa fiada”, discursou Inger Andersen, diretora-executiva do Pnuma. A COP29 é considerada uma conferência intermediária, pois as novas NDCs serão assumidas na 30ª edição. Andersen afirmou que o encontro em Baku, no Azerbaijão, é a oportunidade para elevar, agora, o nível de ambição para “entrar em um caminho de 1,5°C”.
O relatório destaca que, em vez de redução nas emissões, desde 2019, o que se vê é um aumento na liberação de gases de efeito estufa, chegando ao recorde de 57,1 gigatoneladas no ano passado. O atraso no cumprimento das metas significa que, até 2035, será preciso cortar, anualmente, 7,5% do CO2.
Embora muito pouco provável, o cenário do Acordo de Paris, de 1,5°C acima dos índices pré-industriais, é tecnicamente possível. Para isso, os países devem cortar até 31 gigatoneladas de CO2 equivalente em 2030 – ou 52% do que foi emitido em 2023, e 41 gigatoneladas até 2035. O custo previsto desses cortes é estimado em menos de US$ 200 por tonelada de carbono.
Segundo o relatório, o aumento da implantação de tecnologias solares fotovoltaicas e energia eólica poderia fornecer 27% do potencial total de redução em 2030 e 38% em 2035. A ação sobre florestas pode contribuir com 20% nos dois anos. Outras opções promissoras incluem medidas de eficiência, eletrificação e troca de combustível nos setores de edifícios, transporte e indústria.
“Apesar de estar em situação mais favorável, segundo a análise apresentada, o Brasil pode não conseguir alcançar suas metas climáticas nas NDCs, se não mudar as políticas atuais, o mesmo acontecendo com países como Estados Unidos e União Europeia”, reforça Juliano Bueno de Araújo, doutor em Riscos e Emergências Ambientais e diretor técnico do Instituto Internacional Arayara. “As ações implementadas são consideradas insuficientes e a transição para uma economia sustentável está lenta. Sem uma revisão e intensificação das estratégias, esses países comprometem seu futuro ambiental e sua posição no combate às mudanças climáticas.”
Colaborou Isabella Almeida
por Comunicação Arayara - Nívia Cerqueira | 19, set, 2024 | Justiça Energética |
A Ação Civil Pública movida pelo Instituto Internacional ARAYARA contra o Governo do RS contesta o apoio a políticas que priorizam o carvão mineral como matriz energética, considerado um dos principais responsáveis pelos eventos climáticos extremos no estado
Aconteceu, na semana passada, a audiência de conciliação entre o Instituto Internacional Arayara e o Estado do Rio Grande do Sul. A Ação Civil Pública Cível Nº 5157467-55.2024.8.21.0001/RS foi movida pelo Instituto ARAYARA em julho, exigindo a implementação imediata de medidas para reconstrução do Estado do RS com base em uma transição energética justa em 30 dias.
A ação ocorreu após as tragédias climáticas que atingiram milhões de cidadãos do RS, expondo a ineficácia das ações governamentais para lidar com os impactos das mudanças climáticas. A ACP também busca impedir a concessão de incentivos fiscais ou a reconstrução de infraestruturas voltadas ao setor termoelétrico. Mesmo diante de centenas de mortes e prejuízos superiores a R$200 bilhões, o governo segue apoiando políticas que priorizam o carvão mineral como matriz energética, considerado um dos principais responsáveis pelos eventos climáticos extremos no estado.
“Era esperado que o governo reforçasse políticas de adaptação climática, como melhorias nos sistemas de drenagem e infraestrutura resiliente. No entanto, as ações têm sido tímidas e insuficientes”, afirmou Juliano Araújo Bueno, diretor-presidente do Instituto Internacional Arayara.
Audiência de Conciliação
A audiência de conciliação, que aconteceu em tempo recorde, teve o objetivo de iniciar tratativas para uma composição entre as partes, principalmente quanto à efetiva participação da sociedade civil na elaboração de um Plano de Transição Energética Justa para o Rio Grande do Sul.
O estado, através do Departamento de Mineração da SEMA/RS, havia lançado em 8 de novembro de 2023, um edital para contratação de uma consultoria para a elaboração de seu Plano de Transição Energética Justa, entretanto, não havia no documento a previsão de efetiva participação da sociedade civil neste processo de elaboração do plano. Esse edital foi lançado após a ocorrência do evento climático extremo que atingiu o estado em setembro daquele ano, onde cerca de 359 mil pessoas foram atingidas, 5 mil ficaram desabrigadas e mais de 21 mil desalojadas, além de 47 mortes e 10 desaparecidos.
No fim de abril e início de maio de 2024 novas inundações afetaram o estado atingindo um total de 469 cidades, o que corresponde a mais de 95% dos municípios. Conforme a Defesa Civil Estadual, mais de 2,3 milhões de pessoas foram impactadas pelo maior evento climático do RS, onde o volume de chuvas passaram de 800 milímetros em mais de 60% do estado, deixando mais de 55.813 pessoas em abrigos; 581.638 desalojados, 806 feridos, 42 desaparecidos e 172 óbitos.
Durante a audiência, o Instituto ARAYARA manifestou a importância da participação de duas entidades técnicas, qualificadas, sem dependência política e econômica na participação do plano de ação. O Ministério Público propôs a criação de uma Câmara Técnica (com composição plural), específica, dentro do Fórum de Mudança Climática, capaz de analisar progressivamente a entrega das etapas do projeto e contribuir com o resultado final. A Juíza, Dra. Patricia Antunes Laydner, destacou que essa proposta favorece a participação da sociedade civil a cada etapa da elaboração do plano, mantendo o diálogo entre as empresas selecionadas com esse Comitê.
Quanto ao Estado do Rio Grande do Sul, foi concedido o prazo de 15 dias para a análise e aprovação da proposta do MP. Também foi determinada a suspensão do prazo contestatório.
Do Instituto Internacional Arayara, estiveram presentes na 20ª Vara Cível e de Ações Especiais da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, Dr. Rafael Echeverria Lopes, Dr. John Würdig e Dr. Juliano Bueno de Araújo, diretor da instituição. O Estado do Rio Grande do Sul foi representado pela Procuradora do Estado, Dra. Lívia Deprá Camargo Sulzbach; o Procurador do Estado, Dr. Felipe Lemons Moreira; e a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura, foi representada por Otávio Pereira de Lima e Alexandre Pantaleão da Silva Priebe.
Plano ProClima 2050 e suas contradições
Lançado em 2023, o programa ProClima 2050 prometia enfrentar as mudanças climáticas com base em pilares como a Transição Energética Justa e a redução de emissões de gases de efeito estufa. Contudo, o Instituto ARAYARA questiona sua eficácia diante das catástrofes climáticas sem precedentes. A concessão de licitação para um Plano de Transição Energética pró-carvão contradiz os objetivos do ProClima 2050 e reforça um modelo energético poluente.
A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA-RS) afirma que o Plano de Transição Energética Justa (PTEJ) segue os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) para a mineração de carvão e geração termelétrica nas regiões carboníferas do estado, alinhado ao ProClima 2050. No entanto, o processo de contratação do plano segue uma legislação pró-carvão, semelhante ao que ocorreu em Santa Catarina, onde a transição energética justa foi distorcida pelo lobby da indústria do carvão. O edital para consultoria do PTEJ foi publicado após as inundações de setembro de 2023, que afetaram milhares de pessoas no RS.
O Papel do Carvão e o Futuro Energético do RS
A indústria de carvão mineral e geração termelétrica tem grande importância econômica em municípios do Rio Grande do Sul, especialmente nas regiões de Baixo Jacuí e Campanha, onde cinco minas estão ativas. Candiota possui a maior jazida de carvão do Brasil, mas com baixo rendimento devido ao alto teor de cinzas e enxofre. Duas usinas termelétricas, Candiota III e Pampa Sul, operam na região, com contratos até 2024 e 2043, respectivamente.
Apesar da relevância socioeconômica, várias usinas a carvão foram desativadas entre 1974 e 2017, e outras mais podem ser fechadas devido ao fim de subsídios e concessões. Diante do compromisso do Rio Grande do Sul de neutralizar emissões de gases de efeito estufa até 2050, o Plano de Transição Energética Justa visa substituir essa matriz energética poluente e reduzir emissões, levando em conta os impactos sociais e econômicos.
Nos últimos 22 anos, o Rio Grande do Sul extraiu e processou volumes significativos de carvão mineral. A Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), formada em 2006, tem sido criticada por greenwashing ao tentar passar uma imagem de sustentabilidade, enquanto, na prática, faz o oposto.
Em 2022, o Brasil produziu 11,5 milhões de toneladas de carvão bruto (ROM), com o Rio Grande do Sul contribuindo com 5 milhões de toneladas. A produção de carvão vendável para fins energéticos no estado foi de 4,2 milhões de toneladas, majoritariamente consumidas pelas usinas Pampa Sul e Candiota III. A COPELMI, CRM e Seival Sul foram as empresas responsáveis pela maior parte dessa produção.
Compromisso com a transição energética
O Instituto Internacional Arayara defende uma Transição Energética Justa no Rio Grande do Sul e denuncia o impacto devastador das políticas pró-carvão. Nicole Oliveira, diretora-executiva da instituição, reforça que o futuro do estado depende de um compromisso real com a proteção climática.
“A insistência no uso de carvão coloca o estado em uma trajetória perigosa. Somente com uma mudança estrutural nas políticas energéticas e ambientais será possível mitigar os impactos climáticos e proteger as gerações futuras”, concluiu.
por Comunicação Arayara | 11, jul, 2024 | Gases de Efeito Estufa, Petróleo e Gás |
A Coalizão Energia Limpa e o Observatório do Clima reconhecem a importância de estabelecer um marco legal para a produção de hidrogênio verde, considerando seu papel vital na descarbonização dos setores de transporte e indústria global, mas destacam algumas preocupações críticas sobre o PL 2.308/2023.
Embora a iniciativa de criar um quadro regulatório para o hidrogênio seja louvável, é alarmante notar que a agenda de transição energética tem sido, em algumas ocasiões, manipulada para beneficiar fontes fósseis. A inclusão de jabutis que favorecem termelétricas a gás natural e incentivos ao carvão mineral é um contrassenso em relação aos princípios de uma transição energética sustentável.
Inicialmente, o projeto de lei que abordava a produção de hidrogênio verde, obtido a partir de fontes eólica e solar, teve seu escopo ampliado para hidrogênio de baixo carbono, produzido também por meio de fontes como hidrelétrica, etanol, biogás, biometano e “outras fontes a serem definidas pelo poder público”. É importante destacar que o hidrogênio proveniente de fontes fósseis pode ser altamente poluente e emissor de carbono, o que iria na contramão do propósito do projeto de lei, que é estabelecer um marco regulatório para um combustível renovável e com baixa emissão de carbono.
Adicionalmente, o índice de emissões de CO2 equivalente estabelecido no texto, que antes era de 4 kgCO2eq/kgH2, passou para 7 kgCO2eq/kgH2, valor muito acima do praticado na União Europeia, Estados Unidos e China. A União Europeia, por exemplo, que é o principal comprador potencial do hidrogênio produzido no Brasil, definiu em regulamentação o teto de 3,384 kgCO2eq/kgH2. Devido à discrepância de padrões, o hidrogênio brasileiro ainda corre risco de não ser absorvido pelo mercado internacional.
A emenda 45, responsável por essa alteração, argumentou que o limite precisa ser elevado para compreender a utilização do etanol, com intensidade de carbono superior ao anteriormente definido. Entretanto, análises da UFRJ indicam que o índice de emissões do hidrogênio produzido a partir da reforma a vapor do etanol no Brasil é de 2,27 kgCO2eq/kgH2.
Os altos limites de intensidade de carbono estabelecidos pelo texto do PL, por outro lado, permitem que a produção do hidrogênio seja realizada a partir do gás natural e outros combustíveis que irão contribuir para o aumento das emissões de GEE do setor elétrico. Portanto, é também questionável a determinação de que o sistema de certificação de intensidade de emissões seja de adesão voluntária. Ao permitir a participação de combustíveis fósseis na produção de hidrogênio, é fundamental implementar mecanismos de verificação das emissões ao longo da cadeia produtiva, garantindo que o hidrogênio seja genuinamente de baixo carbono e que os limites estabelecidos sejam cumpridos pelos produtores. A flexibilização desses limites, aliada à falta de instrumentos de verificação e fiscalização, cria brechas para a produção de hidrogênio poluente, o que é ainda mais preocupante quando subsidiado com recursos públicos.
Adicionalmente, a inclusão de energia hidrelétrica como fonte elegível para a produção de hidrogênio pode resultar em impactos socioambientais, incluindo a emissão de metano, gás com potencial de aquecimento aproximadamente 28 vezes maior do que o dióxido de carbono, contribuindo de forma significante para o agravamento das mudanças climáticas.
Portanto, urge que o índice de CO2 equivalente permitido para a produção de hidrogênio seja revisado. O texto atual do projeto, ao permitir condições que, na prática, podem resultar na produção de hidrogênio a partir de fontes poluentes, contradiz seus próprios objetivos ambientais. Igualmente importante é o estabelecimento de salvaguardas estritas quanto às fontes energéticas empregadas, assegurando que o hidrogênio produzido no Brasil seja verde e não incorra em impactos socioambientais e climáticos adicionais.
Diante dessas considerações, é fundamental aprimorar o PL 2.308/2023 para que ele impulsione uma transição energética sustentável em harmonia com os compromissos ambientais do Brasil. A revisão do projeto é crucial para que o país assuma uma posição de liderança na produção de energia renovável e sustentável, cumprindo seu papel no combate às mudanças climáticas e na proteção do meio ambiente.
Esta manifestação da Coalizão Energia Limpa e do Observatório do Clima chama a atenção para a necessidade de ajustes no PL 2.308/2023, visando a garantir que os princípios de sustentabilidade e redução de emissões sejam plenamente atendidos. É um chamado à ação para que a legislação promova uma verdadeira transição energética, beneficiando não apenas o presente, mas garantindo um futuro sustentável para as próximas gerações.
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Referência:
1. “Rotas para a produção do hidrogênio sustentável no Brasil – análise ambiental e econômica.” WWF-Brasil, 2023. Disponível em: [WWF Brasil](https://wwfbrnew.awsassets.panda.org/downloads/factsheet_hidrogeniobaixocarbono_final.pdf).