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Posionamento da Coalizão Energia Limpa e do Observatório do Clima sobre o PL 2.308/2023

Posionamento da Coalizão Energia Limpa e do Observatório do Clima sobre o PL 2.308/2023

A Coalizão Energia Limpa e o Observatório do Clima reconhecem a importância de estabelecer um marco legal para a produção de hidrogênio verde, considerando seu papel vital na descarbonização dos setores de transporte e indústria global, mas destacam algumas preocupações críticas sobre o PL 2.308/2023.

Embora a iniciativa de criar um quadro regulatório para o hidrogênio seja louvável, é alarmante notar que a agenda de transição energética tem sido, em algumas ocasiões, manipulada para beneficiar fontes fósseis. A inclusão de jabutis que favorecem termelétricas a gás natural e incentivos ao carvão mineral é um contrassenso em relação aos princípios de uma transição energética sustentável.

Inicialmente, o projeto de lei que abordava a produção de hidrogênio verde, obtido a partir de fontes eólica e solar, teve seu escopo ampliado para hidrogênio de baixo carbono, produzido também por meio de fontes como hidrelétrica, etanol, biogás, biometano e “outras fontes a serem definidas pelo poder público”. É importante destacar que o hidrogênio proveniente de fontes fósseis pode ser altamente poluente e emissor de carbono, o que iria na contramão do propósito do projeto de lei, que é estabelecer um marco regulatório para um combustível renovável e com baixa emissão de carbono.

Adicionalmente, o índice de emissões de CO2 equivalente estabelecido no texto, que antes era de 4 kgCO2eq/kgH2, passou para 7 kgCO2eq/kgH2, valor muito acima do praticado na União Europeia, Estados Unidos e China. A União Europeia, por exemplo, que é o principal comprador potencial do hidrogênio produzido no Brasil, definiu em regulamentação o teto de 3,384 kgCO2eq/kgH2. Devido à discrepância de padrões, o hidrogênio brasileiro ainda corre risco de não ser absorvido pelo mercado internacional.

A emenda 45, responsável por essa alteração, argumentou que o limite precisa ser elevado para compreender a utilização do etanol, com intensidade de carbono superior ao anteriormente definido. Entretanto, análises da UFRJ indicam que o índice de emissões do hidrogênio produzido a partir da reforma a vapor do etanol no Brasil é de 2,27 kgCO2eq/kgH2.

Os altos limites de intensidade de carbono estabelecidos pelo texto do PL, por outro lado, permitem que a produção do hidrogênio seja realizada a partir do gás natural e outros combustíveis que irão contribuir para o aumento das emissões de GEE do setor elétrico. Portanto, é também questionável a determinação de que o sistema de certificação de intensidade de emissões seja de adesão voluntária. Ao permitir a participação de combustíveis fósseis na produção de hidrogênio, é fundamental implementar mecanismos de verificação das emissões ao longo da cadeia produtiva, garantindo que o hidrogênio seja genuinamente de baixo carbono e que os limites estabelecidos sejam cumpridos pelos produtores. A flexibilização desses limites, aliada à falta de instrumentos de verificação e fiscalização, cria brechas para a produção de hidrogênio poluente, o que é ainda mais preocupante quando subsidiado com recursos públicos.

Adicionalmente, a inclusão de energia hidrelétrica como fonte elegível para a produção de hidrogênio pode resultar em impactos socioambientais, incluindo a emissão de metano, gás com potencial de aquecimento aproximadamente 28 vezes maior do que o dióxido de carbono, contribuindo de forma significante para o agravamento das mudanças climáticas.

Portanto, urge que o índice de CO2 equivalente permitido para a produção de hidrogênio seja revisado. O texto atual do projeto, ao permitir condições que, na prática, podem resultar na produção de hidrogênio a partir de fontes poluentes, contradiz seus próprios objetivos ambientais. Igualmente importante é o estabelecimento de salvaguardas estritas quanto às fontes energéticas empregadas, assegurando que o hidrogênio produzido no Brasil seja verde e não incorra em impactos socioambientais e climáticos adicionais.

Diante dessas considerações, é fundamental aprimorar o PL 2.308/2023 para que ele impulsione uma transição energética sustentável em harmonia com os compromissos ambientais do Brasil. A revisão do projeto é crucial para que o país assuma uma posição de liderança na produção de energia renovável e sustentável, cumprindo seu papel no combate às mudanças climáticas e na proteção do meio ambiente.

Esta manifestação da Coalizão Energia Limpa e do Observatório do Clima chama a atenção para a necessidade de ajustes no PL 2.308/2023, visando a garantir que os princípios de sustentabilidade e redução de emissões sejam plenamente atendidos. É um chamado à ação para que a legislação promova uma verdadeira transição energética, beneficiando não apenas o presente, mas garantindo um futuro sustentável para as próximas gerações.

Referência:

1. “Rotas para a produção do hidrogênio sustentável no Brasil – análise ambiental e econômica.” WWF-Brasil, 2023. Disponível em: [WWF Brasil](https://wwfbrnew.awsassets.panda.org/downloads/factsheet_hidrogeniobaixocarbono_final.pdf).

Negacionismo Científico e Enchentes no Rio Grande do Sul: Um Alerta Climático

Negacionismo Científico e Enchentes no Rio Grande do Sul: Um Alerta Climático

A crise climática que nos afeta se intensifica à medida que desmatamos e exploramos combustíveis fósseis.

O Brasil, um dos maiores emissores de CO2, continua a fomentar a indústria de petróleo e gás, aumentando a frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos.

No Rio Grande do Sul, os desafios ambientais são ainda mais graves pela relutância do governo, tanto em reconhecer a ciência climática quanto em implementar políticas ambientais eficazes.

O estado do Rio Grande do Sul enfrenta uma crise climática severa, manifestada por enchentes devastadoras que atingiram mais de 475 municípios, desalojaram cerca de 579 mil pessoas e causaram 172 mortes.

Este cenário alarmante é um reflexo direto do aquecimento global, impulsionado pela queima de combustíveis fósseis e pela destruição ambiental.

Segundo o relatório AR6 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC 2022), as atividades humanas, especialmente as emissões de gases de efeito estufa (GEE) pela queima de combustíveis fósseis, estão aquecendo a Terra. A concentração de CO2 alcançou 420 ppm em 2024, intensificando eventos climáticos extremos, como enchentes. No Brasil, o incentivo à exploração de combustíveis fósseis contraria as diretrizes da Agência Internacional de Energia (IEA), que recomenda a suspensão de novos investimentos nesta área para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

As enchentes resultam de chuvas intensas ou prolongadas e são exacerbadas pelo uso inadequado do solo e pela falta de vegetação. Em áreas urbanizadas e agrícolas, a infiltração das águas pluviais ao solo tem sido reduzida pela pobreza de árvores, aumentando o escoamento superficial. A vegetação, especialmente nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), desempenha um papel crucial na absorção de água e na prevenção de cheias.

Relatórios do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) indicam que, de 24 a 28 de abril de 2024, municípios como Quaraí, Rio Grande e Caçapava do Sul registraram precipitações superiores a 200 mm. Em maio, a precipitação acumulada chegou a 400 mm, superando significativamente a média mensal de 140 a 180 mm. Este excesso de água, combinado com a limitada capacidade de drenagem do Guaíba, resultou nas enchentes catastróficas que vimos.

Negacionismo científico – até quando?

A crise climática é intensificada pelo desmatamento e pela exploração de combustíveis fósseis. O Brasil, um dos maiores emissores de CO2, continua a fomentar essas atividades, aumentando a frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos. No Rio Grande do Sul, essa situação é agravada pela relutância do governo em reconhecer a ciência climática e implementar políticas ambientais eficazes.

A aprovação do Projeto de Lei nº 151/2023, que facilita a construção de barragens e as intervenções em APPs, enfraquece as proteções ambientais e exacerba os problemas de enchentes. Em 2019, o governo estadual do Rio Grande do Sul ainda revisou o Código Ambiental, comprometendo ainda mais a preservação ambiental.

As enchentes de 2024 tiveram consequências devastadoras: 170 mil pessoas ficaram sem energia elétrica, importantes infraestruturas como a Arena do Grêmio e o aeroporto Salgado Filho foram inundadas, e o transporte foi severamente afetado. A Defesa Civil atualizou em 3 de junho de 2024 que 2.390.556 pessoas foram impactadas, 806 ficaram feridas e 42 estão desaparecidas.

Os eventos extremos no Rio Grande do Sul são um chamado urgente para a ação climática. A ciência deve ser valorizada para prever e mitigar desastres, e políticas ambientais rigorosas são essenciais para combater o aquecimento global. Somente com a redução das emissões de GEE e a preservação ambiental podemos evitar que tragédias como esta se tornem mais frequentes. O futuro do clima, da biodiversidade e da segurança das populações depende das ações que tomarmos agora.

Acesse aqui o Resumo Executivo do estudoNegacionismo científico: causas dos eventos de enchentes no Rio Grande do Sul”, produzido por técnicos especialistas da Arayara.

Ou clique aqui, para o Estudo na íntegra..

Crédito: O estudo está sob a licença Creative Commons: CC BY-NC (Atribuição-NãoComercial). Você pode remixar, adaptar e criar a partir deste trabalho, desde que para fins não comerciais e atribua ao Instituto Internacional Arayara o devido crédito. 

 

Apesar dos Alertas Socioambientais, Candiota Persiste no Uso do Carvão

Apesar dos Alertas Socioambientais, Candiota Persiste no Uso do Carvão

Em janeiro deste ano, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assinou um protocolo de intenções com uma empresa de cimento e argamassa para viabilizar um investimento de mais de R$100 milhões na indústria carbonífera local.

 

A informação é da Tribuna do Pampa. O objetivo é ampliar a fábrica existente em Montenegro e instalar uma nova indústria em Candiota, ao lado da Usina Termoelétrica Candiota III.

 

 

Investimentos Que Custam A Saúde Da População E Do Meio Ambiente

Embora a notícia destaque os benefícios econômicos da nova indústria cimenteira em Candiota, é importante considerar os impactos ambientais e sociais associados à produção de cimento e à queima de carvão mineral.

A produção de cimento é um processo que exige muita energia , ao mesmo tempo que gera uma quantidade significativa de gases de efeito estufa, o que a caracteriza como uma prática poluente de ponta a ponta. Isso quer dizer que se a indústria de cimento fosse um país, seria o terceiro maior emissor de CO2 do mundo, atrás apenas da China e dos EUA. Além disso, estima-se que a produção de cimento seja responsável por cerca de 8% das emissões globais de CO2. Sua fabricação resulta na liberação de poluentes gasosos na atmosfera, como o dióxido de carbono (CO2), o maior responsável pelo aquecimento global.

Quanto à queima de carvão mineral, ela produz efluentes altamente tóxicos, como mercúrio e outros metais pesados, como vanádio, cádmio, arsênio e chumbo. A liberação de dióxido de carbono pela queima também causa poluição na atmosfera, agravando o aquecimento global e contribuindo para a chuva ácida.

 

Cimento E Co2: Construindo A Crise Climática

O concreto tem sido um dos materiais mais amplamente utilizados no mundo, principalmente na construção, sendo o cimento o principal componente dessa mistura que conta com areia, brita e água.

O impacto do cimento na crise climática inicia na extração e transporte de suas matérias primas, que representam apenas 10% de suas emissões. Já 90% das emissões estão atribuídas ao seu processo de fabricação, principalmente do clínquer – material que representa, em média, 50% da mistura que constitui o cimento, sendo obtido através da exposição da mistura de calcário e argila às temperaturas superiores à 1450ºC. O mesmo é responsável pelo endurecimento do cimento na presença de água.

Além disso, durante o processo de fabricação do clínquer nos fornos é necessário utilização de muita energia, muitas vezes sendo ela proveniente de carvão mineral ou gás natural, ambos combustíveis fósseis. Ao final desta conta, gera-se uma tonelada de CO2 para cada tonelada de cimento. Assim, percebe-se como toda a cadeia de realização do cimento gera extremos passivos ambientais que contribuem para o aquecimento global e para as injustiças socioambientais, haja vista que é a população vulnerabilizada a que mais sofre com os desastres ambientais que anualmente se agravam.

 

Apesar de sua problemática substituir o cimento poluente é uma iniciativa muito cara, porém possível, pesquisadores da universidade de Cambridge, desenvolveram e patentearam a fabricação de um cimento que realiza mais de 50% de reciclagem além de consumir menos matéria prima, utilizando de inspiração o processo de “lime-flux” técnica usada no processamento de reciclagem de aço.

O novo processo começa com resíduos de concreto provenientes da demolição de edifícios antigos. Este é triturado para separar as pedras e a areia que formam o concreto da mistura de pó de cimento e água que os une. O pó de cimento antigo é então usado em vez do fluxo de cal na reciclagem do aço. À medida que o aço derrete, o fluxo forma uma escória que flutua no aço líquido, para protegê-lo do oxigênio do ar. Depois que o aço reciclado é retirado, a escória líquida é resfriada rapidamente ao ar e transformada em pó que é virtualmente idêntico ao clínquer que é a base do novo cimento Portland. Em testes em escala piloto do novo processo, a equipe de Cambridge demonstrou esse processo de reciclagem combinado, e os resultados mostram que ele tem a composição química de um clínquer feito com o processo atual.

 

Os Impactos Regionais Da Indústria Fóssil

O Rio Grande do Sul tem enfrentado uma série de eventos climáticos extremos, como enchentes, secas e tempestades, que têm se tornado mais frequentes e intensos. Esses eventos são intensificados pela mudança climática, que é impulsionada em grande parte pela queima de combustíveis fósseis.

Candiota, no Rio Grande do Sul, é conhecida por sua indústria de carvão. A cidade abriga a maior jazida de carvão brasileira, com aproximadamente 38% do carvão nacional. A Usina Termelétrica que opera com o carvão mineral abundante é uma das principais fontes de emprego e renda para a região.

No entanto, a exploração e queima de carvão têm causado impactos ambientais significativos na região ao longo de suas cinco décadas de operação. A mineração de carvão resulta na remoção de grandes volumes de solo e rochas, gerando impactos ambientais significativos na paisagem, poluição do ar com sua queima e da água com a DAM, drenagem ácida de mina.

Além disso, as usinas termelétricas de Candiota, que operam com carvão mineral, são algumas das mais poluentes do país. Um relatório do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) apontou as duas unidades ativas no município – Candiota III, da CGT Eletrosul, e Pampa Sul, da Engie – como as líderes em emissões de gases do efeito estufa (GEE) e entre as menos eficientes do país. A Pampa Sul aparece no topo do ranking, entre as termelétricas em atividade, com 2 milhões de toneladas de emissões de gás carbônico (CO2). A Candiota III aparece na sexta posição, com 1,6 milhão.

Em 2022 o Brasil concedeu R$ 80,9 bilhões em subsídios à indústria do petróleo e gás, um valor que é cinco vezes maior do que os incentivos voltados às energias renováveis. Esses subsídios acabam incentivando a indústria do petróleo e do carvão, apesar dos impactos ambientais significativos associados a esses combustíveis.

 

 

O Instituto Internacional Arayara tem feito esforços significativos para mitigar o impacto dos combustíveis fósseis no Brasil, incluindo a diminuição do uso de carvão mineral. Aqui estão alguns exemplos:

 

Projetos para a Redução do Impacto da Indústria de Combustíveis Fósseis

• A Arayara elaborou o estudo “Legado Tóxico”, em parceria com o Observatório do Carvão Mineral, que expõe os impactos da cadeia produtiva do carvão mineral na Usina Termelétrica Jorge Lacerda. Lançado durante a COP27, revela áreas residenciais e agrícolas contaminadas, colocando mais de um milhão de pessoas em risco à saúde. Os custos estimados para a recuperação ambiental e reparação dos danos ultrapassam R$1,5 bilhão.

• Criticou o Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional, apresentado pelo Ministério de Minas e Energia, por perpetuar a presença do carvão na matriz elétrica de modo antieconômico e não apresentar qualquer alternativa de transição justa para os trabalhadores do setor e o restante da população das regiões carboníferas do país.

• Realizou o 1º Congresso Internacional sobre a Obsolescência do Carvão Mineral em 2022, um evento híbrido realizado nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará. Contando com a participação de setores acadêmicos, movimentos sociais e comunidades atingidas por empreendimentos fósseis.

Esses esforços demonstram o compromisso da Arayara em promover uma transição energética justa e sustentável no Brasil. A organização está trabalhando para garantir que essa transição seja participativa, inclusiva, responsável e universal, respeitando os trabalhadores, os territórios, as demandas populares e os princípios de dignidade humana e bem-viver, assim como a defesa do meio ambiente sadio para a atual e as futuras gerações.

Legislação brasileira é vista como “antilei” de transição energética justa

Legislação brasileira é vista como “antilei” de transição energética justa

  • Crítica consensual em debate promovido pelo Instituto Arayara e OAB-DF teve como alvo a continuidade dos subsídios ao carvão mineral e a expansão de combustíveis fósseis na matriz

     

  • Presidente do Ibama participou do evento, reforçando a importância do regramento dos licenciamentos ambientais para atender aos acordos climáticos e de direitos humanos


No Dia Nacional de Conscientização sobre Mudanças Climáticas, celebrado nessa quinta-feira (16/3), o Instituto Internacional Arayara, em parceria com a Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), promoveu um seminário, para aprofundar o debate sobre litigância climática e de transição energética justa como ferramentas para avanços efetivos nos compromissos globais de descarbonização e, também, para a inclusão da sociedade na formulação das políticas públicas de transição energética e de enfrentamento das mudanças climáticas.

O evento, que trouxe reflexões importantes sobre a contribuição das organizações da sociedade civil na litigância climática e o conhecimento da advocacia sobre o que precisa ser legislado no âmbito das mudanças do clima, teve como pano de fundo duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 7095 e 7332) contra as leis 14.299 e 18.330, publicadas no ano passado, que instituíram o Programa de Transição Energética Justa (TEJ), em âmbito federal e em Santa Catarina, respectivamente. 

Contraditoriamente, as legislações, que deveriam promover a substituição gradativa dos combustíveis fósseis, prorrogam o funcionamento de termelétricas a carvão (as maiores emissoras de gases de efeito estufa na matriz), mantendo os subsídios à produção dessa energia, e incentivam a expansão da mineração, atividade de alto impacto socioambiental. As ações estão sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF).

As ADIs foram propostas pela Rede Sustentabilidade – partido da atual ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. A ADI 7095, que contesta a lei federal, tem ainda a participação do PSOL e PSB. Em ambas, o Instituto Araya figura como amicus curiae – termo jurídico que designa um terceiro que ingressa no processo com intuito de fornecer subsídios ao órgão julgador.

Foi consenso entre os participantes do seminário que as legislações são, na verdade, um “greenwashing” ou “antileis” da transição energética justa. Isso porque, no entendimento dos painelistas, a energia gerada a partir do carvão mineral é obsoleta, economicamente desvantajosa, pois encarece o custo para o consumidor, além de ser um desastre para o meio ambiente e para a saúde pública.

 


Direitos humanos

Outro ponto de consenso no debate foi a necessidade de considerar as questões relacionadas aos direitos humanos nos litígios climáticos e de transição energética para superar as injustiças decorrentes do racismo ambiental e do racismo energético, que ficaram ainda mais evidentes nas recentes tragédias, como a do litoral Norte de São Paulo, que deixou mortos, feridos e desabrigados.

O porta-voz nacional da Rede Sustentabilidade, Wesley Diógenes, presente no evento, destacou que, dentro do contexto de transição energética e urgência climática, “não há como pensar políticas públicas sem incluir as questões socioambientais, a questão dos povos indígenas e dos povos quilombolas”. Ele entende que o Brasil, em especial o Nordeste, tem um grande potencial para explorar tecnologias de energia renovável e citou como exemplo a usina de hidrogênio verde, inaugurada recentemente em São Gonçalo do Amarante (CE), além do avanço dos parques eólicos e solares, mas defendeu mais cautela em relação aos impactos nas comunidades. 

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, também participou do seminário e falou sobre o papel do órgão no regramento das atividades que podem ter algum impacto do ponto de vista das emissões e, também, na perspectiva dos direitos humanos, inclusive, para que acordos internacionais, como o OIT 169, sejam respeitados e a transição energética se dê, de fato, de forma justa. “A gente tem um grande desafio que é o de se preparar para que, no âmbito do licenciamento ambiental, a gente possa, cumprindo com nossa missão institucional, fazer o enfrentamento das mudanças climáticas e minimizar ao máximo eventuais litígios por conta dessa transição energética”, afirmou.

 

Litigância

O seminário também trouxe um panorama mundial e, em particular, da América Latina, sobre a litigância de transição energética justa e de enfrentamento das mudanças climáticas – resultado do trabalho de especialistas brasileiras, que desenvolvem pesquisas junto ao Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, da London School of Economics and Political Science (LSE), e ao Sabin Center for Climate Change Law, vinculado à Columbia University, dos Estados Unidos. As ADIs contra a continuidade dos subsídios ao carvão no Brasil, propostas por partidos políticos com participação da Arayara, são citadas como exemplos de litigância nesses estudos.

Ao encerrar o evento, a diretora executiva da Arayara, Nicole Oliveira, mencionou o levantamento feito pela organização quanto ao impacto da construção de empreendimentos do setor de energia no Brasil sobre comunidades tradicionais e quilombolas, que podem motivar novos litígios. Segundo ela, são 18 comunidades em 15 estados, que serão afetadas por novas termelétricas e gasodutos, 9 por oleodutos e 17 por mineração.

“Isso sem considerar os impactos das hidrelétricas e PCHs e sem considerar os povos tradicionais indígenas, de pescadores, pescadoras e marisqueiras, e todos os outros povos e comunidades tradicionais no Brasil, que estão sendo afetados pelos projetos”, reforçou Nicole, lembrando que a Arayara trabalha junto de outras organizações para propor um novo modelo de transição energética justa, que respeite os direitos humanos.