por Comunicação Arayara | maio 10, 2023 | Amazônia |
RIO DE JANEIRO (AP) – Após sua cerimônia de posse em 1º de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, subiu a rampa do palácio presidencial de braços dados com o líder indígena Raoni Metuktire, instantaneamente reconhecido por sua cobertura amarela e placa de lábio de madeira
Orinalmente publicado em AP News em 07/05/2023
Mas uma grande ferrovia que aceleraria o desmatamento na terra ancestral de Metuktire pode azedar as relações entre o líder de esquerda e o chefe do povo Kayapó. E é apenas um dos vários mega projetos que ativistas e especialistas dizem que devastariam o mundo natural – e prejudicariam seriamente a nova imagem de Lula como defensor do meio ambiente – se forem adiante.
Outros incluem um projeto de perfuração de petróleo perto da foz do Rio Amazonas; uma rodovia que cortaria algumas das áreas mais protegidas da floresta amazônica; e a renovação da licença de uma grande represa hidrelétrica.
“Lula está falando sobre meio ambiente, mostrando preocupação com mineração ilegal, demarcando territórios indígenas. Ele já aprendeu muito, mas precisa aprender mais. Ainda estamos muito preocupados”, disse Alessandra Korap, líder indígena do povo Munduruku, que recentemente ganhou o Prêmio Ambiental Goldman por um trabalho que incluiu a luta contra a mineração ilegal.
Sob o antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, o desmatamento atingiu um pico de 15 anos e as restrições ambientais foram enfraquecidas. O líder de extrema direita preencheu posições-chave em agências ambientais com aliados do agronegócio e oficiais militares. Os direitos dos povos indígenas foram pisoteados.
Após derrotar Bolsonaro por uma margem estreita nas eleições do ano passado, Lula se esforçou para colocar a proteção ambiental e o respeito pelos direitos dos povos indígenas no cerne de seu terceiro mandato. Ele retomou a bem-sucedida busca de doações internacionais para o Fundo Amazônia que combate o desmatamento, lançou uma campanha militar para expulsar mineradores ilegais do território Yanomami, comprometeu-se a acabar com todo o desmatamento ilegal até 2030 e reiniciou a demarcação de áreas indígenas.
Mas Lula enfrenta testes difíceis nos grandes projetos de infraestrutura. Enquanto os oponentes os consideram catastróficos, alguns membros do Partido dos Trabalhadores de Lula continuam a vê-los como essenciais para fornecer empregos e promover o crescimento. E o Brasil, uma nação em desenvolvimento, tem uma grande demanda por benefícios socioeconômicos.
O PROJETO DE PERFURAÇÃO DE PETRÓLEO
O Ibama, agência ambiental do Brasil, decidirá nos próximos meses se concederá licença para perfuração em um setor próximo à foz do Amazonas. A aprovação certamente levaria à perfuração em toda a região, disse Suely Araújo, ex-chefe do Ibama e agora especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, uma rede de organizações sem fins lucrativos.
“É uma questão de coerência. Os discursos de Lula sobre proteção ambiental e crise climática são perfeitos. Mas se a exploração de petróleo for intensificada, significará a expansão dos combustíveis fósseis. Haveria uma inconsistência”, disse Araújo.
Durante os primeiros mandatos de Lula, grandes descobertas offshore tornaram-se um meio de financiar programas de saúde, educação e assistência social.
“Em grande parte, essa visão permanece, o que significa que será muito difícil persuadir o governo a abandonar projetos estratégicos, mesmo quando há riscos socioambientais significativos”, disse Maiara Folly, diretora do CIPÓ, um think tank focado em clima e relações internacionais.
Com a produção existente prestes a atingir o pico nos próximos anos, há um forte interesse em garantir mais produção na costa norte do Brasil. É uma localização única e biodiversa, lar de extensas áreas de manguezais pouco estudados e de um recife de coral.
Araújo disse que o projeto corre o risco de vazamentos que seriam carregados por fortes correntezas para outras áreas.
A Petrobras, gigante estatal de petróleo, reservou quase metade de seu orçamento de exploração de US$ 6 bilhões para cinco anos na área. O CEO Jean Paul Prates disse que o primeiro poço será temporário e que a empresa nunca registrou um vazamento em perfurações offshore.
O ministro da Energia, Alexandre Silveira, disse em março que a área é o “passaporte para o futuro” do desenvolvimento nas regiões do norte do Brasil. Lula usou o mesmo termo para descrever as descobertas de petróleo offshore anteriores.
Oitenta organizações da sociedade civil e ambientais, WWF Brasil e Greenpeace, pediram que a licença fosse recusada até que seja realizada uma análise aprofundada.
A USINA HIDRELÉTRICA
A usina hidrelétrica de Belo Monte, um colosso de concreto no rio Xingu, foi planejada sob Lula e construída por sua sucessora, Dilma Rousseff. Os apoiadores viram isso como uma maneira de gerar empregos e adicionar energia à rede do Brasil.
Populações indígenas e ambientalistas se opuseram fortemente a isso, e estudos mostram que seus impactos foram desastrosos. Organizações da sociedade civil estimam que dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas, e especialistas atribuem um aumento local de violência à perda de empregos. Uma área de preocupação é a Volta Grande do Xingu, que perdeu grande parte de sua água. Isso causou o desaparecimento de peixes – a base de subsistência de muitas populações indígenas.
Belo Monte está de volta à agenda de Lula, com o Ibama avaliando se deve renovar sua licença. A agência relatou no verão passado que a Norte Energia, proprietária da usina, não havia respeitado muitas das condições de sua licença original.
A mídia local disse que a Norte Energia propôs distribuir 20 mil reais (cerca de US$ 4.000) em compensação para quase 2.000 pescadores.
Em janeiro, pesquisadores da região publicaram uma carta no site de jornalismo ambiental Sumauma pedindo que Lula e sua administração investiguem e punam crimes e injustiças em torno da usina.
“Qualquer governo realmente comprometido em conservar a Amazônia e combater a crise climática é obrigado a reconhecer os problemas causados por Belo Monte e a corrigir os danos e impactos causados”, dizia a carta.
As populações locais exigem que a licença seja renovada apenas se a Norte Energia concordar em usar a água de forma a permitir a vida no e ao redor do rio.
A licença foi originalmente emitida sob forte pressão do governo de Rousseff, disse Folly. Em uma entrevista em março ao Sumauma, a ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina Silva, prometeu que desta vez, “ninguém será coagido, como antes, e isso representa uma mudança total”.
por Comunicação Arayara | abr 19, 2023 | Mar Sem Petróleo |
Depois de muita insistência, povos do Oiapoque conseguem fazer a primeira reunião com a Petrobras e mostram que já há impacto das atividades da estatal na área que ela pretende explorar. Mesmo assim, o licenciamento avança: uma simulação de acidente de derrame de óleo, considerada a etapa final do processo de licenciamento ambiental, está prevista para este mês
Originalmente publicado em sumauma.com
Nove anos depois do início do licenciamento ambiental para a busca de petróleo em alto-mar na bacia da foz do rio Amazonas, e apenas quando o processo se aproxima de suas etapas finais, as consequências do projeto para os cerca de 8 mil indígenas do Oiapoque, a região mais ao norte da costa brasileira, entraram na pauta do governo federal. Isso só aconteceu por causa da insistência dos quatro povos originários dessa região do Amapá – Karipuna, Palikur, Galibi Kaliña e Galibi-Marworno – em serem consultados sobre a eventual perfuração no chamado bloco 59, cuja operação foi assumida pela Petrobras há dois anos, depois da desistência de sua sócia, a britânica BP. Numa área extremamente sensível social e ambientalmente, a estatal pretende abrir uma “nova fronteira” de exploração do combustível que desafia os compromissos ambientais do presidente Lula, como mostrou reportagem publicada em fevereiro por SUMAÚMA.

Mapas mostram três terras indígenas que correm risco se as atividades de exploração de petróleo na costa do amapá forem autorizadas. A imagem da esquerda destaca os territórios. A da direita exibe a cobertura vegetal e a hidrografia da região. Infografia: Rodolfo Almeida/Sumaúma
Em sua primeira reunião com uma equipe da Petrobras, em 13 de fevereiro, os indígenas relataram que os voos diários de helicóptero entre o aeroporto do município de Oiapoque e o navio-sonda enviado pela estatal para a zona do bloco 59 em dezembro, quando esperava que a licença de operação saísse ainda naquele mês, já estão provocando impactos negativos nos três territórios indígenas da região: Uaçá, Juminã e Galibi. Voando baixo, eles afugentam aves como o pato selvagem e o jaburu – o tuiuiú, popularizado pela novela Pantanal – e a caça de que as aldeias precisam para alimentação, artesanato e práticas rituais.
Os indígenas se queixaram de que não foram avisados previamente dessa atividade, “que está atrapalhando até o sossego das comunidades”. Além disso, pediram um envolvimento maior da Petrobras na decisão sobre a mudança do lixão de Oiapoque, que fica perto do pequeno aeródromo da cidade. Uma decisão judicial de 2009 já determinava a construção de um lugar adequado, mas ela se tornou mais urgente com os voos da estatal. A ideia original da prefeitura era construir um aterro sanitário perto de duas aldeias, com risco de contaminação de fontes de água.
Neste início de março, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento ambiental, pediu à Petrobras que incluísse a questão dos sobrevoos no Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento e apresentasse “medidas mitigadoras”, uma vez que esses impactos “serão perpetuados” caso seja obtida a licença de operação. Sugeriu também “avaliação superior quanto à pertinência do encaminhamento do processo para manifestação” da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). No caso do aeroporto de Oiapoque, o relatório técnico do instituto, publicado no dia 6 de março, concorda com os indígenas quando afirmam que a Petrobras não deve se isentar da responsabilidade pelos resultados da reforma que patrocina na instalação. Afinal, se ela não fosse base de apoio das atividades da companhia na costa do Amapá, não haveria tais consequências.

A exploração de petróleo em alto-mar ameaça comunidades tradicionais, povos originários e o ecossistema da região cheia de mangues, florestas tropicais e recifes da Foz do Amazonas. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace.
Foi a primeira vez que demandas específicas dos indígenas entraram em um documento do Ibama no caso do bloco 59, embora isso tenha ocorrido num momento avançado do processo de licenciamento. Está prevista a realização ainda neste mês de março, talvez já no dia 20, de uma simulação de acidente de derrame de óleo. Caso a Petrobras seja aprovada na chamada Avaliação Pré-Operacional (APO), esta é considerada a última etapa antes da emissão da licença para a prospeção. Em entrevista a SUMAÚMA, Rodrigo Agostinho, o novo presidente do Ibama, afirmou, porém, que todas as recomendações feitas pelos técnicos do instituto ainda serão analisadas por ele antes de uma decisão, o que pode levar semanas.
Já a Petrobras afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que está alterando a rota e a altitude dos voos entre Oiapoque e o navio-sonda, e que sua frequência continuará sendo de dois por dia, de segunda a sexta-feira, se obtiver a licença. Argumentou que sua operação “está dentro da capacidade instalada do aeroporto”, autorizado a transportar 200 mil passageiros por ano. Informou que “está contribuindo nos estudos” para a definição do local do aterro sanitário e que “há previsão” de que os “órgãos públicos” consultem os indígenas sobre a melhor solução.
As lideranças indígenas afirmam estar satisfeitas por terem conseguido que a Petrobras fosse discutir em seu próprio território. A reunião foi realizada na terra Uaçá, no Centro de Formação Domingos Santa Rosa, nome de um antigo líder indígena da região, servidor da Funai, que morreu em 2020. Em novembro do ano passado, os caciques haviam se recusado a ir a um encontro “informativo” que a companhia realizou na sede do município e pediram uma reunião exclusiva. A mobilização dos povos do Oiapoque nasceu nos anos 1970 e conseguiu que a primeira das três terras indígenas da região fosse homologada em 1982, ainda no final da ditadura empresarial-militar (1964-1985). Os indígenas locais realizam anualmente uma assembleia geral, famosa no Amapá – a deste ano, a 29ª, aconteceu de 11 a 14 de março, na aldeia Kuhaí, e foram discutidas políticas públicas em áreas como educação, saúde, cultura e agricultura. Estão também organizados em entidades como o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) e a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp). Em 2019, lançaram seu protocolo de consulta prévia, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil e incorporada à legislação nacional.

A aldeia Kuhaí durante a 29ª Assembleia de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), que aconteceu de 11 a 14 de março. Foto: Maksuel Martins/Secretaria de Comunicação do Governo do Amapá
“Foi uma reunião excelente, a gente fez os nossos questionamentos, eles aparentemente se demonstraram sensíveis aos nossos anseios. Levamos a proposta de criar um GT [grupo de trabalho], e a gente cobrou muito que seja feita a consulta, que se siga o protocolo para que a gente seja atendido de acordo com nossas necessidades, que nossas preocupações sejam esclarecidas. A gente não tem experiência de fazer tratativas com uma empresa multinacional de grande porte, como a Petrobras, mas conseguiu deixar nosso recado e obter informações importantes que a gente queria ouvir. Para início de conversa, a gente ficou satisfeito”, contou por telefone o cacique Edmilson dos Santos Oliveira, do povo Karipuna, coordenador do Conselho de Caciques.
Ao todo, 78 pessoas assinaram a lista de presença do encontro, que durou um dia inteiro e teve uma sessão “informativa” da Petrobras e falas dos indígenas, maioria entre os presentes. Havia representantes da Funai, do Ibama, do Ministério Público e de organizações com atuação local, como o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé). A Petrobras levou uma delegação nutrida, de 13 pessoas, que incluía Daniele Lomba, sua gerente de licenciamento e conformidade ambiental, e Priscila Moczydlower, coordenadora de responsabilidade social para o Oiapoque, além de geólogos e dois antropólogos recém-contratados de uma empresa terceirizada.
Os indígenas, que são quase um terço dos 28 mil habitantes do município, estão escaldados com dois empreendimentos em que suas demandas não foram atendidas: a BR-156, que liga Macapá a Oiapoque e levou à realocação de várias aldeias, e a pequena central hidrelétrica Cafesoca, que vai represar um trecho do rio Oiapoque, um dos quatro maiores da região. A negociação entre as lideranças indígenas e a empresa sobre a consulta prévia é intrincada, cheia de ginástica verbal. “O grupo de trabalho é uma vitória para os indígenas, mas não é uma consulta para o empreendimento”, disse Daniela Jerez, representante do WWF-Brasil na reunião. Se tornou comum nos últimos anos que reuniões com indígenas e comunidades tradicionais, organizadas por grandes empresas interessadas em explorações de grande impacto, fossem maliciosamente consideradas “consultas prévias” – o que estão longe de ser.

Helicópteros a serviço da petroleira no aeroporto de Oiapoque, no Amapá. Indígenas relataram que os voos dessas aeronaves afugentam aves e a caça de que as aldeias precisam para alimentação, artesanato e práticas rituais. Foto: Felipe Gaspar/Divulgação
Durante muito tempo, como suas projeções ignoravam o impacto direto da prospecção de petróleo nas terras indígenas, a Petrobras preferiu considerar que não seria necessário seguir a Convenção 169. Mas além de uma exigência dos povos do Oiapoque, a necessidade de consulta prévia foi objeto de recomendação enviada no ano passado à companhia por procuradores federais no Amapá e no Pará. A estatal alega agora que a atividade em licenciamento pelo Ibama é “temporária”, com duração prevista de cinco meses. Se encontrar petróleo no bloco 59, “é possível que se torne um empreendimento”, e então “um novo processo de licenciamento deverá ser conduzido”. No momento, segue a empresa, o protocolo de consulta do Conselhos de Caciques será adotado “como uma referência para o relacionamento e construção do diálogo para buscar implementar ações e parcerias que tenham sinergia com a atividade da empresa”.
A história mostra, porém, que uma vez obtida a licença para a perfuração, é muito difícil que ela seja negada para a produção. Em fevereiro, a Petrobras incluiu pela primeira vez a apresentação de projetos para o Amapá e o Pará, onde ficaria a base naval da exploração na foz do Amazonas, no edital do seu programa socioambiental. Questionada se esses projetos, que não têm relação direta com os negócios da companhia, seriam um modo de garantir o apoio dos indígenas, a estatal respondeu que “direcionar investimentos sociais para áreas do entorno de nossas atividades” faz parte de sua política de “responsabilidade social”. “Não é uma maneira de ‘granjear’ o apoio das comunidades; pelo contrário, é uma forma de potencializarmos os impactos positivos de nossa presença em determinada região e nos relacionarmos com nossos vizinhos”, diz a nota da empresa.
Os caciques deixaram claro que esperam a consulta sobre o projeto de exploração de petróleo, mesmo que ocorra num momento futuro. Daniela Jerez, do WWF, e Hiandra Pedroso, advogada da Articulação dos Povos Indígenas e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará, contaram que, na reunião de fevereiro, o conflito entre “o conhecimento acadêmico e o conhecimento dos locais”, entre “a palavra do não indígena e o conhecimento tradicional das comunidades”, voltou a se manifestar.

Comunidade de pescadores na cidade de Calçoene, no Amapá. a petroleira tem planos de explorar petróleo na costa do estado, colocando em risco o modo de vida de populações tradicionais e o ecossistema. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace
Desde o início do licenciamento do bloco 59, que fica a 160 quilômetros da costa, as projeções para casos de derrame de óleo não preveem a chegada da mancha ao Oiapoque, região de mangues e campos alagados onde a maré tem amplitude de 4 metros e o mar entra quilômetros adentro dos rios em épocas de cheia. No encontro, enquanto os representantes da Petrobras enfatizaram a “robustez” de seus estudos e sua experiência na perfuração de poços em alto-mar, vários indígenas recorreram à própria vivência e ao cotidiano para expressar suas dúvidas.
Ramon dos Santos, liderança do povo Karipuna, lembrou que “70% dos territórios indígenas é água” influenciada pelas “dinâmicas da marés” e que por isso não sabe “o que pode acontecer caso haja um acidente”. Maxwara Nunes, diretor escolar do povo Galibi-Marworno, falou do rio Cassiporé, próximo da área costeira, que tem “vários igarapés interligados” à terra Uaçá. O cacique Damasceno Fortes Karipuna disse que “pela maré, a mancha chegaria, sim, às terras indígenas”.
Ramon propôs a contratação de agentes ambientais indígenas para monitorarem o impacto do projeto, começando pelos sobrevoos, e o cacique Nasildo Nunes sugeriu um “componente indígena” na Petrobras, “para as comunidades estarem cientes do que está acontecendo”. “A gente queria de alguma forma incluir alguns representantes indígenas dentro da estrutura da Petrobras para que possam acompanhar e passar as informações para nós de uma forma mais clara, mas falaram que é difícil, que talvez esbarre numa parte muito técnica”, contou o cacique Edmilson. “A gente explicou que tem indígena formado em várias áreas.”
Diante dos questionamentos, Daniele Lomba, a gerente da estatal, pediu que as pessoas falassem dos “impactos positivos” que a Petrobras pode trazer para os povos indígenas e solicitou propostas. Priscila Moczydlower, também da empresa, citou um “leque de opções” em contrapartidas, falou em doação de computadores e capacitação de pessoas e informou sobre o lançamento do edital para projetos socioambientais, que inclui a região. “Um dos caciques colocou: se eu não tiver boas informações, posso falar não para uma coisa que é boa para mim e sim para uma coisa que não é”, contou Daniela, do WWF.
Uma das cobranças mais fortes foi feita pela liderança Priscila Barbosa Karipuna. Ela apontou a existência de “falhas desde o início do processo de diálogo” e afirmou que os indígenas “não são contra nenhum empreendimento, mas querem que o protocolo de consulta seja respeitado”. Disse que o atraso na consulta, agora, provoca “pressões” sobre suas lideranças . Uma das grandes preocupações dos povos originários do Oiapoque é serem acusados de “travar o desenvolvimento” diante das expectativas de emprego e recompensas econômicas que o empreendimento provoca no município.
Embora na reunião a Petrobras tenha enfatizado que hoje mantém uma equipe pequena em Oiapoque, com 20 pessoas, as atividades da companhia costumam ser destaque nas redes sociais da prefeitura, comandada por Breno Almeida, eleito em 2020 pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), sigla sem deputados federais mas que chegou a negociar a filiação de Jair Bolsonaro em 2021. Em 8 de março, a prefeitura noticiou no Instagram que a estatal havia assinado um aditivo para as obras de reforma no aeroporto. Um dia antes, deu conta de uma palestra sobre o Plano de Emergência Aeroportuária “na sala de briefings do terminal de passageiros da Petrobras”.
A Petrobras diz que no momento não há, de fato, previsão de criar empregos diretos na cidade, “uma vez que a atividade é temporária”. Mas faz o aceno: se houver produção, “é natural que surjam outras oportunidades”.
Simulação de acidente de derrame de óleo
Enquanto os choques de interesses se desenrolam no Oiapoque, o processo de licenciamento avança. Em 3 de março, numa reunião entre representantes da estatal e o novo responsável pela Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Marinhos e Costeiros do Ibama, Itagyba Alvarenga Neto, ficou acertado que a simulação de um acidente de derrame de óleo deverá ser realizada ainda neste mês, a princípio no dia 20. Foi combinado que a data seria confirmada num novo encontro.

Pescadores em Calçoene, a 200 quilômetros de Oiapoque, no litoral do estado do Amapá: modo de vida no extremo norte do brasil está ameaçado pela exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace
A previsão é que a Avaliação Pré-Operacional (APO), o nome asséptico para a simulação de acidente, ocorra na área do bloco 59 e que dela participem seis navios da Petrobras – a empresa acrescentou mais uma às cinco embarcações disponíveis há um mês, e ele já passou pela inspeção do Ibama. O chamado Plano de Emergência Individual (PEI), que será testado na simulação, precisou ser reforçado porque a base naval do empreendimento fica em Belém, a 43 horas por mar do local do poço, uma vez que o litoral de mangues não permite embarcações de alto calado no Oiapoque. Com isso, é preciso que navios se revezem a distâncias mais próximas do local da perfuração, para agir em caso de emergência.
Segundo a ata da reunião, Itagyba disse a Daniele Lomba, a gerente da Petrobras, que o licenciamento do bloco 59 é prioridade e que a Petrobras estaria atendendo a todas as demandas do órgão ambiental. O coordenador do Ibama, no entanto, observou que o processo “está sendo supervisionado por muitas instituições e entidades e, por isso, precisa estar muito bem saneado, instruído e detalhado de forma a subsidiar as instâncias superiores na decisão quanto ao licenciamento do empreendimento”. Daniele disse que “há muitas pessoas envolvidas e mobilizadas para a realização” da simulação do acidente, com toda a estrutura pronta.
Em seus últimos pareceres técnicos, o Ibama pré-aprovou o Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna, montado em Belém para o tratamento de aves que sejam atingidas por uma mancha de óleo. O Centro já foi licenciado, em meados de fevereiro, pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará. O instituto pediu uma série de informações sobre o Plano de Proteção à Fauna, considerando-o “insuficiente e inadequado” em alguns aspectos, quando se leva em conta o tempo de deslocamento entre o bloco 59 e os locais em que os animais seriam atendidos. Em despacho interno, porém, admitiu que “o nível de detalhamento solicitado talvez não seja passível de atendimento integral pela empresa, sobretudo por tratar de um tema como a estratégia de resposta a emergências, suscetível a diversos imprevistos operacionais” numa área, a bacia da foz do Amazonas, que “apresenta imensa dificuldade logística”.
No início de fevereiro, em resposta a um questionamento de SUMAÚMA, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ibama sugeriram que, para uma decisão abalizada sobre o licenciamento, seria necessário fazer uma avaliação mais ampla sobre a compatibilidade da região da foz do Amazonas com a atividade petrolífera. A pasta de Marina Silva e o instituto citaram um parecer técnico, de 31 de janeiro, no qual se afirma que “a ausência de avaliação ambiental estratégica, como a AAAS [Avaliação Ambiental de Área Sedimentar], e outros instrumentos de gestão ambiental, dificultam expressivamente a tomada de decisão a respeito da viabilidade ambiental da atividade, inserida em uma área de notória sensibilidade socioambiental e de nova fronteira para a indústria do petróleo”.
Revisão ortográfica: Elvira Gago
Edição de fotografia: Marcelo Aguilar, Mariana Greif e Pablo Albarenga

Pássaros na praia de goiabal, na costa do amapá, extremo norte do brasil. Comunidades indígenas e tradicionais e o ecossistema da região já sentem as perturbações de uma possível exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace
por Comunicação Arayara | abr 12, 2023 | Mar Sem Petróleo, Press Release |
O Ibama precisa solucionar questionamentos ambientais e sociais, buscando segurança técnica e jurídica, antes de avaliar a licença para o bloco FZA-M-59
Originalmente publicado em Observatório do Clima
Brasília, 12 de abril de 2023 – Representantes de 80 organizações da sociedade civil alertaram nesta quarta-feira ministérios e órgãos do governo federal para que não seja emitida licença de extração de petróleo e gás na foz do Amazonas enquanto não for realizada uma avaliação ambiental estratégica para toda a região e se adotarem as medidas necessárias previstas na legislação.
Segundo entendimento das organizações da sociedade civil que subscrevem o ofício entregue ao Ministério das Minas e Energia, esse bloco é a porta de entrada de um projeto mais amplo, que pretende expandir a exploração e produção de petróleo e gás natural em toda a Margem Equatorial Brasileira. “A abertura dessa nova fronteira exploratória é uma ameaça a esses ecossistemas e, também, é incoerente com os compromissos assumidos pelo governo brasileiro perante a população brasileira e a comunidade global.” O documento reforça ainda o pedido para que sejam adotadas as medidas necessárias para a transição energética justa e inclusiva no Brasil.
O ofício traz o histórico da tentativa de licenciamento do bloco FZA-M-59, iniciado em 2014, quando a concessão da área era liderada pela britânica BP em parceria com a Petrobras. Em 2021, a BP desistiu do negócio e a companhia brasileira assumiu 100% da concessão. Para que a exploração seja considerada, as organizações apontam os seguintes requisitos:
• Elaboração da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para a bacia da Foz do Amazonas, pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e Ministério de Minas e Energia, com a efetiva análise sobre a compatibilidade da instalação da indústria petrolífera na região. Devem ser considerados os impactos cumulativos e sinérgicos de toda a cadeia produtiva sobre fatores ambientais e socioeconômicos e, também, o conjunto de blocos previstos pela ANP para a região, além de se garantir a transparência e ampla participação da sociedade.
- • Realização da consulta livre, prévia e informada dos povos e comunidades indígenas e tradicionais no Pará e Amapá, seguindo as diretrizes da Convenção OIT nº 169. Esse processo visa dar acesso à informação e participação sobre os impactos e riscos da instalação da indústria de petróleo na região, com a possível identificação de impactos ambientais e socioeconômicos ainda não avaliados e mitigados, notadamente os cumulativos, considerando o conjunto de blocos previstos pela ANP para a região.
- • Conclusão do estudo sobre a Base Hidrodinâmica da Margem Equatorial e a incorporação de seus resultados no estudo de modelagem de dispersão de óleo do bloco FZA-M-59.
- • Demonstração da eficácia das ações de resposta transfronteiriça previstas no Plano de Emergência Individual em caso de acidentes com vazamento de óleo, considerando a necessidade de se comprovar a continuidade, de imediato, das ações de resposta em águas jurisdicionais da Guiana Francesa, por meio de documentos com esse conteúdo firmados com as autoridades locais e da França.
Em suma, o pleito é de que não seja emitida licença de operação para nenhum bloco na bacia sedimentar da foz do Amazonas “enquanto não houver plena segurança técnica e jurídica para a tomada de decisão informada e precaucionária do órgão licenciador”.
Sobre a foz do Amazonas: A região da Costa Amazônica é um território estratégico para a conservação da biodiversidade, abrigando 80% da cobertura de manguezais do Brasil. De importância ímpar e reconhecimento internacional, essa região agrega ecossistemas únicos no mundo, que coevoluem, formando, assim, o estuário amazônico, ambiente rico em manguezais, ambientes recifais, economias e culturas locais. O rio Amazonas, elemento central desse sistema, representa o maior aporte de água continental no oceano e a maior descarga de sedimentos em suspensão, despejando anualmente 17% do total mundial. Toda essa pluma de sedimentos é considerada uma das maiores riquezas em nutrientes, abastecendo até áreas do Caribe e ainda considerada como um ecossistema de “carbono azul”, ou seja, que podem contribuir com o desejável balanço de CO₂.
O setor petrolífero avalia essa região como a fronteira exploratória no Brasil com maior volume potencial de reservas, podendo atingir 14 bilhões de barris de petróleo. A sua exploração, além de afetar o ecossistema, contribui com as mudanças climáticas, aumentando as emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes, desviando investimentos de fontes renováveis de energia para campos de petróleo que, possivelmente, deverão ser desativados com o aumento dos preços de carbono e dos compromissos climáticos.
Informações para imprensa
Solange A. Barreira – Observatório do Clima
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