por Nicole Oliveira | 09, abr, 2020 | Coronavírus |
O coronavírus Sars-Cov-2 pode provocar grandes danos ao sistema respiratório e aos pulmões de pacientes infectados. Em casos mais graves da Covid-19, a síndrome respiratória pode levar a morte. Não há ainda um tratamento para a doença, mas o corpo humano tem mecanismos próprios para lutar contra a infecção.
Nesta reportagem do Bem Estar sobre a reação do corpo humano ao vírus, você verá:
- Como o coronavírus entra no corpo?
- O coronavírus pode dar dor de garganta?
- Como o coronavírus ataca as células?
- Como o coronavírus age nos pulmões?
- O coronavírus pode se espalhar pelo corpo todo?
- Como o corpo combate o coronavírus?
- Todos reagem da mesma forma ao vírus?
- O coronavírus pode causar danos permanentes?
Especialistas explicam que o caminho percorrido pelo vírus faz com que muitas vezes ele se acumule nos pulmões, causando uma pneumonia que pode evoluir para uma Síndrome Respiratória Aguda Grave. Além disso, contam como o corpo reage ao vírus e quais mecanismos são acionados para enfrentar a doença.
1. Como o coronavírus entra no corpo?
O vírus Sars-Cov-2 entra no corpo humano através do contato com fluidos corporais de outras pessoas. A forma mais comum dessa transmissão é a partir de pequenas gotículas de saliva que vão de um paciente infectado para outro sadio.
De acordo com pneumologista do HCor Fernando Didier, o coronavírus entra no corpo humano normalmente pelas vias aéreas. As gotículas carregando o vírus entram pelo nariz ou boca e se multiplicam até “estacionar” nos pulmões.
“As células do epitélio respiratório (mucosas) estão sempre muito expostas, afinal, a gente respira e assim o ar vai para dentro com gotículas”, explicou Didier ao G1. “Elas entram em contato com estas células que são muito vascularizadas e esse processo inteiro pode levar à disseminação do vírus pelo corpo.”
2. O coronavírus pode dar dor de garganta?
O especialista em pneumologia explicou que um dos sintomas da infecção pelo coronavírus é a dor de garganta. Isso porque o vírus geralmente entra em contato com as mucosas da boca e do nariz e ataca as células dessa região antes de poder avançar para outras partes do corpo, como os pulmões.
Em casos mais graves há uma intensa inflamação pulmonar – isso porque o vírus pode agredir e provocar lesões nos alvéolos, pequenas partes dos pulmões responsáveis pelas trocas gasosas e pela oxigenação do sangue.
3. Como o coronavírus ataca as células?
O coronavírus tem um formato que facilita sua ação nas células humanas. Seu corpo é envolvido com uma camada de proteínas que se parece com uma “coroa de espinhos”, é daí que vem o nome “corona”. É essa estrutura pontuda que tem a capacidade de se conectar às células humanas.
Os “espinhos” do coronavírus são chamados de proteína S, de spike, que em inglês quer dizer ponta. A proteína S se conecta à parede celular e, a partir daí, o vírus consegue introduzir seu material genético dentro da célula, e “sequestra” as funções celulares.
“Uma vez dentro das células, o material genético do vírus (RNA) comanda toda atividade interna da célula para se comportar como uma linha de produção de novos vírus”, disse ao G1 o pneumologista do hospital Oswaldo Cruz, Gustavo Prado.
Com a produção de bilhões de cópias do vírus feita pelas células atacadas, Prado explicou que um paciente infectado passa a liberar ainda mais vírus durante a respiração.
4. Como o coronavírus age nos pulmões?
Após a inflamação nas mucosas, a respiração pode fazer com que o vírus avance para os pulmões e ele vai se conectar às células deste órgão da mesma forma, com a ajuda das proteínas S.
Fernando Didier reforçou que as vias aéreas são muito expostas e é por isso que o vírus tende a agir no nariz, garganta e pulmões. Entretanto, o especialista alertou que, sim, existe a possibilidade de ele atingir outras partes do corpo (leia mais abaixo).
“Ele entra pela respiração e inflama bastante a mucosa do nariz e da garganta, daí os sintomas iniciais, mas nos casos graves pode haver uma intensa inflamação pulmonar”, disse Didier.
5. O coronavírus pode se espalhar pelo corpo todo?
Didier explicou que o processo inteiro pode levar à disseminação do vírus pelo corpo todo, apesar de seus efeitos estarem mais concentrados no sistema respiratório. Segundo ele, isso acontece porque esses órgãos funcionam como uma “porta de entrada” do ambiente externo para dentro do corpo humano, e por isso são mais vulneráveis às ações dos vírus.
O especialista alerta, no entanto, que o vírus se espalha pela corrente sanguínea e pode resultar em dores musculares, fadiga intensa, e provocar lesões no coração ou fígado. A evolução da doença vai depender, explicou, de como o corpo consegue reagir ao vírus e de que forma o coronavírus passa a atacar o paciente.
“Mesmo pessoas com boa imunidade podem ter uma resposta extremamente agressiva, até mesmo os jovens, sem doenças crônicas”, disse Didier.
6. Como o corpo combate o coronavírus?
Gustavo Prado explicou que o corpo passa a atacar as células infectadas pelo vírus para tentar se defender. Essa ação liderada pelos linfócitos T (células de defesa) produz um líquido repleto de interleucinas, proteínas de ativação do sistema imune que alertam o corpo humano que há a presença de um vírus e atuam para a reparação do tecido atacado.
O pneumologista explicou que o acúmulo desse líquido no pulmão dificulta na oxigenação do sangue, além de deixar o órgão mais “pesado”, dando a sensação de falta de ar. Ainda alertou que, nos casos mais graves, pode acontecer o fechamento dos alvéolos.
Prado explicou que nosso sistema imunológico reage à presença do Sars-Cov-2 e tenta combatê-lo, segundo ele, de duas formas. Ele disse que o corpo pode tanto passar a produzir proteínas antivirais, como ativar suas células citotóxicas (que matam células infectadas).
É depois disso, informou, que o corpo consegue fabricar seus próprios anticorpos e desenvolver uma resposta “mais efetiva e persistente.”
7. Todos reagem da mesma forma ao vírus?
Não, cada paciente pode reagir de maneiras diferentes à infecção pelo Sars-Cov-2. Os relatórios da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde apontam que alguns grupos e faixas da população são mais suscetíveis ou vulneráveis à Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
Por conta do sistema imunológico comprometido, diabéticos, por exemplo, não conseguem dar os sinais de alarmes claros da doença. Já em idosos, o sistema imunológico costuma ser deficiente por causa da idade.
Muitos dos casos graves da síndrome respiratória provocada pela Covid-19 estão relacionados a pacientes destes grupos vulneráveis, entretanto, estudos recentes apontam para o alto índice de hospitalizações de pacientes com menos de 40 anos e há registros de mortes em pacientes sem comorbidades.
8. O coronavírus pode causar danos permanentes?
Ainda não há dados conclusivos sobre os danos permanentes após a cura da Covid-19. No final de fevereiro, a revista científica “Lancet” publicou um estudo prévio que apontava para a possibilidade de que pacientes curados carregassem uma síndrome respiratória crônica.
A equipe médica do hospital Princesa Margaret, de Hong Kong, relatou casos de pacientes que receberam alta e apresentaram dificuldades de respiração e falta de ar, mesmo sem a presença do vírus.
Pesquisadores do Reino Unido divulgaram em 15 de março que em alguns casos, danos nos pulmões de pacientes mais graves da Covid-19 podem levar mais de uma década para serem reparados, mesmo curados da doença.
por Nicole Oliveira | 09, abr, 2020 | Coronavírus |
Ele pertencia a quase todos os grupos mais atingidos pelo novo coronavírus. Era homem, tinha 86 anos e apresentava 13 doenças crônicas antes de contrair a grave doença respiratória. Só que, para a surpresa dos profissionais de saúde, ele se tornou uma das 300 mil pessoas recuperadas da Covid-19 até agora.
A história inesperada é relatada em um artigo assinado por cinco médicos das cidades chinesas de Guangzhou e Wuhan, onde a pandemia começou em dezembro de 2019.
O trabalho, já avalizado por pares, foi submetido à revista científica da Associação Internacional para Estudos de Câncer de Pulmão.
Poucas esperanças
Os autores contam que o homem, de identidade não revelada, chegou ao hospital em 22 de janeiro, após dois dias de tosse e febre em torno de 38,8ºC. As perspectivas não eram muito promissoras para o paciente no Hospital Universitário de Jianghan.
De acordo com o mais amplo estudo já feito sobre a doença, com dezenas de milhares de infectados na China, o grupo com a mais alta taxa de mortalidade era o de pessoas com 80 anos ou mais: 15 a cada 100 infectados morrem.
E para agravar as perspectivas, o paciente de 86 anos apresentava outro fator de risco para o coronavírus: as chamadas comorbidades, que enfraquecem o sistema imunológico. Mais precisamente, 13 delas. A exemplo de hipertensão, diabetes, aterosclerose cerebral, pancreatite e insuficiência renal.
Apesar da corrida global em busca de um remédio que seja eficaz contra a nova doença, ainda não há nenhum estudo clínico em larga escala que tenha apontado alguma solução. Todos, até o momento, são usados de forma experimental a partir de estudos preliminares.
Os cinco médicos que atenderam o idoso chinês relatam que o tratamento foi a associação de um remédio para combater a infecção, outro contra o vírus em si e um terceiro à base de corticoide (metilprednisolona) para evitar o que se chama de “tempestade de citocinas”, substâncias que modulam o tamanho da resposta imunológica do corpo contra um invasor.
Essa tal tempestade é, na verdade, uma reação exagerada de defesa do corpo para combater o patógeno que acaba levando, em alguns casos de Covid-19, a uma quantidade desproporcional de células nos pulmões que acaba obstruindo as vias aéreas e impedindo a transferência de oxigênio para a corrente sanguínea. É como se os pulmões acabassem inundados e sufocados.
Segundo especialistas, essa resposta imune exagerada tem sido uma das principais causas de morte de pacientes (principalmente os jovens) com coronavírus. Ainda não está claro porque algumas pessoas apresentam essa “tempestade de citocinas” e outras não.
O tratamento para o paciente de 86 anos descrito pelos cinco médicos chineses também recebeu na veia uma injeção de imunoglobulina humana, produzida a partir do plasma sanguíneo de outros doadores e usada para reforçar o sistema imunológico.
O tratamento com base em anticorpos de pessoas que se curaram, utilizado de forma experimental na China durante a pandemia, é uma das alternativas mais promissoras em estudo contra a Covid-19.
O fato é que não dá para ter certeza se a melhora foi resultado dos remédios, mas alguns dias após a administração desse tratamento quádruplo, a febre cedeu e a inflamação nos pulmões recuou, segundo os pesquisadores.
Esse caso isolado de cura do paciente de 86 anos com 13 comorbidades não pode ser tomado como uma prova de que essa abordagem funciona. O mesmo vale para os casos de pacientes que venceram a doença após receberem outros medicamentos experimentais.
Não é possível determinar atualmente que esses remédios foram responsáveis pela melhora do paciente, ou se o corpo venceu a batalha contra o vírus por si próprio, mas todas essas informações servem de pistas dos caminhos que podem ser seguidos pelos pesquisadores.
Há duas principais pistas dadas pela recuperação do paciente de 86 anos. Uma é a eventual eficácia da chamada imunização passiva com transfusão de plasma sanguíneo, que utiliza anticorpos de outras pessoas. Centros de pesquisa do Brasil foram autorizados a estudar essa possibilidade.
A segunda é um possível caminho para a batalha contra a “tempestade de citocinas”, que ganhou fama durante a Gripe Espanhola entre 1918 e 1920, ao matar muitos jovens.
Randy Cron, especialista em tempestades de citocinas da Universidade do Alabama em Birmingham, afirmou ao jornal americano The New York Times que essa resposta imunológica exagerada aparece em 15% das pessoas que estão lutando com infecções graves.
Ainda não há dados específicos sobre a incidência dela na pandemia atual de coronavírus.
Essa tempestade também é uma das hipóteses (ainda sem confirmação) para explicar por que crianças parecem não estar ficando gravemente doentes.
Em adultos em estado grave, uma resposta imune exagerada parece causar mais danos do que benefícios, provocando uma falência múltipla de órgãos.
Mas crianças, com sistema imunológico mais imaturo, parecem ser menos capazes de criar tempestades de citocina no combate a infecções virais.
Esse quadro de reação desenfreada pode explicar também porque a obesidade é um dos fatores de risco para a Covid-19.
“Existem estudos em animais e em humanos que apontam, em quadros de obesidade, uma maior secreção de citocinas, que são substâncias inflamatórias produzidas por diferentes células do organismo e que modulam as células que defendem o corpo de infecções”, afirmou Oscar Cingolani, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, em entrevista recente à BBC News Brasil.
“Estamos começando a ver se isto contribui (para agravamento de quadros de Covid-19). O que já sabemos é que, em alguns Estados americanos, como Nova Orleans, onde existem muitos obesos, estes estão entre os mais afetados pelo novo coronavírus.”
Fonte: BBC