O Instituto Internacional Arayara protocolou na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), na semana passada, um pedido formal de esclarecimentos sobre a ausência de detalhes cruciais sobre o componente indígena no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do projeto de mineração de carvão da Mina do Cerro, da mineradora Copelmi.
O empreendimento, situado no município de Cachoeira do Sul (RS), visa o fornecimento de carvão à petroquímica Braskem, mas enfrenta questionamentos sobre a falta de consideração sobre todas as comunidades indígenas na área de influência do projeto.
Em análise ao documento público do EIA-Rima, o Instituto Internacional Arayara identificou que o Acampamento Indígena Papagaio, localizado em Cachoeira do Sul, não foi mencionado nos estudos ambientais, apesar de registros da presença indígena nesta área. “A ausência do acampamento no relatório é grave e levanta preocupações sobre o histórico de omissões em empreendimentos da Copelmi”, diz Juliano Bueno de Araújo, diretor-presidente do Instituto Internacional Arayara.
Araújo destaca que, em 2022, um processo anterior de licenciamento da Mina Guaíba foi arquivado após determinação da Justiça Federal, devido à falta de consideração da Aldeia Guajayvi, situada próxima ao projeto, fato que comprometeu a transparência do processo.
A ARAYARA solicitou à FEPAM a atualização e inclusão de informações sobre os territórios indígenas impactados, destacando a necessidade de novos estudos e consultas à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para verificar e validar a presença dessas comunidades.
Segundo Araújo, o EIA-Rima atual omite o envolvimento direto das lideranças indígenas no processo, apesar da proximidade de várias aldeias, como a Tekoa Guabiju, a Terra Indígena Irapuá e o Acampamento Irapuá, localizadas a menos de 11 km do empreendimento.
Divergências e omissões no relatório ambiental
O Engenheiro Ambiental, John Wurdig, explica que o relatório do EIA-Rima não inclui entrevistas com membros das comunidades indígenas próximas, uma etapa essencial para captar a percepção local sobre o impacto do projeto.
“Durante audiência pública realizada no dia 31 de outubro de 2024, técnicos da Copelmi e da consultoria Profill afirmaram que o meio socioeconômico e as comunidades tradicionais foram considerados, mas não apresentaram detalhes sobre a identificação e o reconhecimento dessas comunidades, o que para o Instituto Internacional Arayara configura uma omissão de informações relevantes”, pontua.
Wurdig enfatiza ainda a urgência de inclusão do Acampamento Indígena Papagaio no EIA-Rima, criticando a identificação apenas como uma “comunidade indígena sem nome” no relatório.
“O uso inadequado de terminologias e a falta de identificação precisa demonstram negligência no processo. Além disso, reforça que a Emater/RS-Ascar, mencionada no EIA-Rima como fonte de localização das aldeias, não possui competência para a delimitação e identificação de territórios indígenas, função que é exclusiva da Funai”, ressalta o engenheiro.
Histórico de problemas com a Copelmi
A Copelmi já enfrenta um histórico de questionamentos e problemas jurídicos envolvendo a consideração das comunidades indígenas em estudos de impacto ambiental. No caso da Mina Guaíba, na cidade de Charqueadas, a omissão da Aldeia Guajayvi resultou no arquivamento do processo de licenciamento por decisão da Justiça Federal. O Instituto Internacional Arayara, portanto, exige maior transparência e adequação legal no processo de licenciamento da Mina do Cerro.
“Buscamos garantir o cumprimento dos direitos das comunidades indígenas e a transparência necessária nos processos de licenciamento de grandes empreendimentos”, declarou o diretor-presidente da ARAYARA.
Araújo também pontuou que a resposta da FEPAM será fundamental para esclarecer a responsabilidade da mineradora Copelmi e assegurar que as comunidades indígenas afetadas sejam devidamente ouvidas e consideradas nas decisões ambientais sobre a Mina do Cerro.
Na última quinta-feira, a audiência pública sobre o licenciamento da Mina do Cerro, em Cachoeira do Sul (RS), trouxe à tona uma série de questionamentos sobre os potenciais impactos ambientais e sociais deste projeto de mineração de carvão.
O processo administrativo, identificado pelo nº 22-0567/21-2, foi aberto junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler (FEPAM-RS) e trata do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da Copelmi Mineração Ltda., empresa que busca garantir a continuidade da extração de carvão para atender clientes estratégicos, como a Braskem e o setor termelétrico, conforme informado pelo empreendedor.
O Instituto Internacional Arayara, maior ONG de litigância ambiental e climática da América Latina, acompanhou a audiência e expressou uma série de preocupações sobre o projeto. “Destacamos a necessidade de uma avaliação mais rigorosa dos potenciais impactos ambientais e sociais da mina, principalmente devido à proximidade de comunidades indígenas e quilombolas que podem ser afetadas”, afirmou o diretor-presidente da Arayara, Juliano Bueno de Araújo.
A Mina do Cerro visa o abastecimento de carvão mineral ao Polo Petroquímico de Triunfo, onde o insumo ainda é utilizado como combustível. Dados do relatório de sustentabilidade de 2023 da Braskem indicam que aproximadamente 3% da energia consumida pela empresa no Brasil provém do carvão, utilizado exclusivamente nesse pólo petroquímico. Segundo Araújo, essa dependência do carvão representa um entrave para as metas de descarbonização da Braskem e contribui para o aumento das emissões de gases de efeito estufa, em um contexto no qual o Brasil se compromete a reduzir sua pegada de carbono.
Lacunas e omissões no EIA-RIMA
Durante a audiência pública, o Instituto Arayara observou omissões significativas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima), especialmente quanto à proximidade e aos potenciais impactos sobre as comunidades tradicionais da região e que não foram destacados na Audiência Pública quando apresentados os impactos socioambientais do empreendimento. Embora o estudo reconheça a presença das aldeias indígenas Tekoa Guabiju e Tekoa Araxaty (a 11 km e 22 km do empreendimento, respectivamente) e da Terra Indígena Irapuá (a cerca de 11 km), o documento não detalha os riscos e as possíveis consequências para essas populações. O mesmo se aplica a comunidades quilombolas, como Cambará e São Sebastião/Rincão do Irapuanzinho, localizadas a cerca de 15,5 km e 16 km da área de mineração.
Ainda que essas áreas estejam além dos 8 km de distância exigidos pela Portaria Interministerial nº 60/2015 para a obrigatoriedade de medidas de proteção, a ARAYARA considera que os possíveis impactos culturais e ambientais sobre as comunidades próximas tornam a questão relevante e preocupante e que a COPELMI Mineração e a empresa de consultoria ambiental deveria ter entrevistado estas comunidades e colocado estas informações no EIA-Rima. “Projetos desse porte precisam considerar todos os efeitos indiretos sobre o entorno, especialmente em se tratando de territórios tradicionais e ecossistemas frágeis”, argumentou Araújo.
Ação Formal e Pedidos de Esclarecimentos
Em resposta às lacunas identificadas, o Instituto Internacional Arayara se compromete a formalizar, até o dia 7 de novembro, um ofício com questionamentos detalhados à FEPAM-RS, por meio do email informado para questionamentos nesta etapa de licenciamento ambiental prévio. A instituição solicitará esclarecimentos sobre os riscos potenciais à saúde e à qualidade de vida das comunidades locais, além de informações detalhadas sobre as medidas de mitigação de poluentes previstas pelo projeto.
Confira a transmissão da audiência pública:
“A Mina do Cerro representa um passo para trás nas políticas de descarbonização e na luta contra a crise climática. Precisamos de garantias de que os impactos sejam minimizados e de que as comunidades envolvidas sejam ouvidas”, destacou Araújo.
A Arayara também chama atenção para a análise de precipitação do EIA-RIMA, que inclui apenas uma série histórica de 1961 a 2018, ignorando os eventos climáticos extremos de 2023 e 2024 em Cachoeira do Sul, quando decretos de calamidade pública foram emitidos. A ausência desses dados recentes compromete a precisão da avaliação dos impactos climáticos na área do empreendimento, especialmente para interpretar adequadamente os riscos de precipitação e inundações na região da mina de carvão.
Além disso, vale destacar que já se passaram mais de seis meses desde a maior tragédia climática que atingiu o estado do Rio Grande do Sul. De acordo com a Defesa Civil Estadual, o evento afetou mais de 2,3 milhões de pessoas, com chuvas superiores a 800 milímetros em mais de 60% do estado. Como resultado, mais de 55.813 pessoas foram abrigadas, 581.638 ficaram desalojadas, 806 ficaram feridas, e houve 42 desaparecidos e 172 óbitos. A gravidade desses números evidencia a necessidade de uma análise climática atualizada e abrangente no licenciamento ambiental do projeto.
Responsabilidade Ambiental e Social
Em tempos de crise climática, a ARAYARA enfatiza que a transição para fontes de energia menos poluentes é essencial, e que a pressão por um desenvolvimento sustentável deve pautar a atuação das empresas e das autoridades licenciadoras.
“Essa manifestação pública reforça a importância de garantir que o desenvolvimento econômico esteja alinhado com a sustentabilidade e o respeito aos direitos das comunidades tradicionais”, concluiu Araújo.
Um dos mais reconhecidos geólogos do mundo, Rualdo Menegat, professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS, concedeu entrevista ao Observatório do Carvão e explicou por que a Mina Guaíba não pode sair do papel. Os argumentos do professor são irrefutáveis e precisam ser levados à população, pois são os moradores da região metropolitana de Porto Alegre os principais atingidos pelos males que a exploração do carvão mineral pode gerar.Confira a entrevista:
O Rio Grande do Sul precisa de uma mina de exploração de carvão?
No século XXI ninguém mais quer minas de carvão, ainda mais perto de casa. Trata-se de uma fonte de energia obsoleta e a mais agressiva ao meio ambiente. A Mina Guaíba, por exemplo, pretende se instalar no coração da Região Metropolitana de Porto Alegre, a 16 km do centro da capital, com potencial de impacto negativo à vida e ao patrimônio ambiental, material e cultural de 4,6 milhões de pessoas. Esse projeto oferece um risco tão grande a essa população que não valeria a pena implantá-lo, nem mesmo se o Rio Grande estivesse vivendo uma grave crise energética, que não é o caso. Uma mina de carvão tão próxima de um gigantesco aglomerado urbano e da água que o abastece pode causar sérios danos à saúde de seus habitantes. Então, é contraditório dizer que ela é necessária para fornecer energia à população, quando na verdade ela pode matar os consumidores dessa energia e degradar sua qualidade de vida. O Rio Grande do Sul tem vocação pioneira para inovar fontes de energia, como os parques eólicos. Então porque insistir em fontes de energia dos séculos XVIII e XIX?
Além disso, a exploração de carvão nunca trouxe riqueza para as regiões onde ela é realizada. Em qualquer lugar do mundo, essas minas trazem severos danos ambientais e empobrecem os habitantes locais. Quem quer visitar um lugar degradado pela mineração de carvão? Ninguém. Então, as minas de carvão afugentam as pessoas. Quando o ex-vice-presidente norte americano, Al Gore, visitou a região carbonífera dos Apalaches, nos Estados Unidos, ele disse que se um estrangeiro tivesse feito todo aquele estrago na paisagem, eles teriam que declarar guerra contra eles, tamanha a destruição do ambiente que essa mineração tem causado naquele país.
Porto Alegre e as demais cidades da região metropolitana foram ignoradas no EIA-RIMA da Copelmi. Estas cidades serão impactadas em caso de licenciamento da Mina Guaíba?
Há uma série de enormes contradições no EIA-Rima apresentado pelo minerador. É um documento que não se sustenta tecnicamente. O projeto pretende instalar uma Mina e lançar efluentes contaminados na água que abastece Porto Alegre, Guaíba, Eldorado do Sul e Canoas. O lançamento de efluentes acontecerá a tão somente 20 km dos pontos de captação de água. É lógico que haverá contaminação dessa água, ainda mais quando consideramos que o tempo de funcionamento dessa Mina é de pelo menos 23 anos. Além disso, a exploração de carvão produz muito pó, também com contaminantes, que será espalhado pelo vento sobre nossas cidades. Então é preciso reconhecer que haverá potencial impacto à vida da população da Região Metropolitana. Agora vejam o que propôs o Eia Rima: incluiu como área de influência indireta a região que se situa a 50 km a sul do local onde pretendem instalar a Mina. Essa região está a montante da mina, quer dizer as águas contaminadas da mina não escoarão para lá. Possíveis ventos, claro, poderão levar poeiras contaminadas, mas não água. Então como justificar tecnicamente que uma região distante 50 km da área da pretensa mina e situada a montante do escoamento da água seja considerada área de influência indireta (e de fato é), e a região de Porto Alegre situada a apenas 16 km a jusante do lançamento de efluentes não seja área de influência indireta?
Ora, então podemos perguntar: por que não querem discutir o assunto com a população da Região Metropolitana que justamente ficará com os maiores impactos negativos? Que passará a ser vista como região carbonífera para a qual turista nenhum vai querer visitá-la? Agora vejam que contraditório: os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul ficarão com os impostos, e os metropolitanos, com os prejuízos do impacto e ameaçados por enorme risco de ficarem com a água contaminada. Somente podemos concluir que a exclusão da Região Metropolitana é claramente uma manobra política grosseira, tecnicamente indefensável, própria de quem não quer enfrentar um debate técnico sério sobre o assunto.
Está mais do que evidente que a Mina Guaíba oferecerá severo risco ao abastecimento de água da Região Metropolitana. Para agravar, temos que considerar que Porto Alegre não tem, no momento, reservatórios de emergência caso venha acontecer um acidente industrial na água do Guaíba. Se isso por ventura venha acontecer – esperamos que nunca ocorra – a Capital poderá ficar sem água para abastecer sua população. É um brutal contrassenso colocar a Capital como refém desse empreendimento e sem ganhar nenhum centavo em troca. Isso significaria sitiar a Região Metropolitana.
Estão previstas, segundo a Copelmi, uma média de três explosões por dia na mina. É possível conter o pó (material particulado, que contém partículas muito finas, como as chamadas PM 2,5) dessas explosões? Para onde se deslocará essa poeira e qual seu impacto?
Quando analisamos os mapas da região, podemos mais claramente prever o percurso que faria a água contaminada para rios e aquíferos próximos à atividade de mineração. Diferente do percurso da água, a dispersão de partículas pelo vento pode se dar para todas as direções e alcançam longas distâncias. Veja o caso dos ventos que trouxeram material particulado das queimadas da Austrália para a atmosfera de Porto Alegre, ou das queimadas da Amazônia que obscureceram o céu de São Paulo. O Projeto da pretensa Mina Guaíba prevê a produção de 416 kg/h de material particulado que, ao longo de 23 anos de atividade, resultará em 30 mil toneladas de poeira. Impossível afirmar que esse pó não contaminará o céu das cidades da Região Metropolitana, podendo produzir danos à saúde de 4,6 milhões de habitantes.
O impacto desse pó é enorme. As residências dos bairros próximos ao superporto de Vitória, no Espírito Santo, conhecem muito bem o problema. Diariamente são contaminadas por pó preto que se origina do transporte de carvão dos navios para a área de estoque do porto. Os moradores desses bairros sofrem com aumento de doenças como asma bronquite entre outras. Se o transporte do carvão gera tamanha quantidade de pó, a ponto da sola dos pés ficarem escuras nas residências próximas, imagine ao lado de uma mina que produzirá 166 milhões de toneladas de carvão?
Agora veja, o material particulado possui vários tamanhos, entre os quais partículas muito finas, microscópicas, chamadas de PM 2,5, que ao serem inaladas podem entrar na corrente sanguínea. É uma contaminação que pode ocorrer sem porta de entrada, quer dizer, muito difícil de ser contida. Por isso, é melhor evitá-la.
Esses materiais particulados têm potencial cancerígeno? Quais são esses elementos?
Primeiramente devemos considerar que o carvão mineral não é a mesma coisa de carvão vegetal. Esse carvão que se utiliza nas churrasqueiras é proveniente da queima de galhos e troncos de árvores. O carvão mineral provém da decomposição de vegetais que foram soterrados há muito milhões de anos atrás, passando por vários processos geológicos. Esse carvão é uma espécie de lixão químico. Contém mais de 76 elementos da tabela periódica. Entre eles, encontram-se os chamados de metais pesados, como berilo, cádmio, chumbo, manganês. São esses elementos que poderão estar no pó produzido pela mina de carvão. Os metais pesados são extremamente danosos à saúde humana e poderão causar severos danos, como câncer, pancreíte, e hipertensão. A lista de possíveis doenças é enorme. Os médicos fazem hoje um alerta ao afirmarem categoricamente que essas partículas PM 2,5 matam tanto quanto o fumo. Queremos ter uma mina que produz esse pó ao lado de nossas casas? Contaminando sem cessar a paisagem do pôr do sol do Guaíba?
Para Cristiano Weber, da Copelmi, “objetivo do projeto é viabilizar a política energética do Rio Grande do Sul”. O senhor concorda com isso?
Essa é uma questão interessante. Veja: se para viabilizar certa ‘política energética’ devemos ser reféns de uma mina de carvão com potencial de produzir enormes danos ao meio ambiente, de se fazer presente em nossas casas por meio de pó e água contaminados, então é evidente que essa política está equivocada. Ela é um claro paradoxo. Países como Alemanha e Inglaterra estão eliminando o carvão de suas matrizes energéticas. Estão substituindo por energias renováveis como a eólica e a solar. Estão tratando de tornar mais eficiente o consumo de energia. Essa é a política energética do século XXI: eficiência, diminuição de consumo, fontes renováveis, descentralização de sua produção.
O carvão, portanto, inviabiliza que o Rio Grande avance para patamares superiores das boas políticas energéticas e nos empurra para um passado que de longe já está superado. Além disso, políticas energéticas com base no carvão tenderão a diminuir o valor agregado dos produtos. Aumentará enormemente a tendência dos mercados evitarem produtos que se originem de processos que utilizem energias obsoletas que causam enorme dano ao ambiente e à saúde.
Mais ainda: devemos considerar que o carvão é o principal vilão da atual emergência climática. Porto Alegre e a Região Metropolitana, por se localizarem em terras baixas, poderão sofrer as consequências da elevação do nível do mar e, com ele, também do Guaíba. O uso do carvão não viabiliza nenhuma política energética. Ao contrário, nos traz enormes problemas energéticos. Para fazer frente aos impactos locais, regionais e planetários que seu uso promove, contraditoriamente nos empurra para aumentar o consumo de energia. Algo como a metáfora do cachorro mordendo seu próprio rabo.
Quais são os impactos no meio ambiente da mina?
Uma mina de carvão impacta todos os elementos do meio ambiente: solo, água, ar, fauna, flora e a sociedade. Ela atinge simultaneamente todas as escalas: local, regional e planetária. Ela se constitui na mais agressiva mineração que se tem notícia, de sorte que, na literatura mundial, diz-se que não há mina de carvão limpa. É tecnicamente impossível. No caso da pretensa mina Guaíba, ela afetará três grandes patrimônios que temos na Região Metropolitana: o patrimônio hídrico, representado pela formidável confluência dos rios Jacuí, Caí, Sinos e Gravataí no Lago Guaíba, onde se acumula nada menos de 1 km³ de água doce. Um tesouro que devemos proteger com todas nossas forças. O patrimônio ecológico, representado pelo Parque Estadual do Delta do Jacuí, refúgio da fauna e flora ao lado de nossas grandes cidades. É um santuário ecológico que cumpre importantes funções para a qualidade de vida. Por fim, o patrimônio humano e cultural, representado pelas nossas cidades metropolitanas onde vivem 4,6 milhões de pessoas. É possível existir uma atividade que possa impactar simultaneamente todos esses patrimônios ao mesmo tempo? Sim, uma mina de carvão que pretende se situar a apenas 16 km do centro da Capital.
Vamos aos detalhes. O carvão mineral possui muita quantidade de enxofre, que, quando exposto ao ar livre e à água da chuva, reage produzindo ácidos. A água fica tão ácida que acaba dissolvendo os metais pesados, como Pb, Be, Cd, Mn, Cu, Mg, Hg, entre outros. Assim, esses perigosos contaminantes poderão alcançar a água do Jacuí e chegar aos pontos de abastecimento das cidades metropolitanas. Além disso, esses metais pesados contaminarão as áreas alagadiças onde há plantio de arroz. Veja, o arroz tem a propriedade de ser um acumulador de cádmio. Assim, o arroz produzido nessa região poderá ficar contaminado com cádmio. Também todo santuário do Parque Estadual do Delta do Jacuí ficará contaminado, toda a fauna e flora.
E os impactos humanos?
Os impactos à sociedade também são inúmeros. Primeiro devemos seriamente considerar que essa pretensa mina não se instalará em um lugar vazio. Naquela área há agricultores que produzem grande quantidade de arroz orgânico entre outros produtos agrícolas que abastecem a região metropolitana. Há também inúmeros sítios com belas paisagens, com tica fauna e flora. Para instalar a mina, deverão remover todas as pessoas que tem suas economias baseadas na agricultura. Então a mina para se instalar, irá destruir economias e empregos já existentes. Em segundo lugar, haverá grande impacto à saúde dos moradores de toda a região do entorno da pretensa mina. Nada menos de 4,6 milhões de habitantes. Calcula-se que o impacto na saúde de uma mina de carvão seja de 9,5 dólares por tonelada. No caso do projeto da mina Guaíba, serão explorados 166 milhões de toneladas de carvão. Então o impacto na saúde será extremamente elevado. Quem vai paga esse custo? Poderá o já lotado sistema de saúde da região metropolitana suportar essa demanda? Evidente que não. Sequer o EIA-Rima analisou seriamente o impacto na saúde. Por fim, haverá um impacto econômico em Porto Alegre. Na medida em que se acumulam os problemas ambientais e de saúde, as pessoas irão sair de Porto Alegre e tampouco os turistas vão querer visitá-la.
Ora, Porto Alegre é uma cidade de serviços, com seu próprio charme, capaz de ser atrativa. Não por acaso por aqui aconteceram jogos da copa e anualmente se realizam inúmeros congressos e convenções, atraindo milhares de pessoas. Porto Alegre é também um dos mais importantes centros de tratamento de saúde da América o Sul. Quem vai querer visitar uma cidade impactada pela mineração de carvão? Ninguém. Então haverá impacto na economia de Porto Alegre. Mas, os impostos da mineração ficarão nos municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul. Quem vai pagar os prejuízos que essa Mina causará na Região Metropolitana?
Se o senhor pudesse fazer um alerta ao governador, qual seria?
Senhor governador. A mina Guaíba é um contra senso em todos os sentidos. É economicamente inviável, porque não poderá pagar os prejuízos à saúde, ao ambiente e ao patrimônio dos 4,6 milhões de moradores da região metropolitana. É socialmente injusta, pois afetará diretamente uma área com indígenas e agricultores e fará com que a geração de nossos filhos e netos tenha que arcar com um passivo ambiental sem retorno. É ambientalmente condenável, deteriorando nosso patrimônio hídrico e ecológico, representado pelo sistema do delta do Jacuí e lago Guaíba e colocará o Rio Grande no mapa dos que impactam o clima planetário.
Senhor governador: Lembre-se que o Guaíba é o destino dos porto-alegrenses e metropolitanos. Nossos organismos são compostos por 70% de água, esta que bebemos do Guaíba. Nós somos o Guaíba. O que acontecer ao Guaíba irá acontecer conosco.
Senhor governador: não seja refém de uma situação que tua geração não criou. Olhe para frente, para os problemas do século XXI, que exigem energias limpas, água e ar saudáveis, agricultura ecológica. Não vá para a história como o governador que permitiu que a capital e a região metropolitana fossem sitiadas pelos coronéis do carvão.
Rualdo Menegat é professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS, geólogo, Mestre em Geociências (UFRGS), Doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem (UFRGS), Doutor Honoris Causa (UPAB, Peru). Assessor científico da National Geographic Brasil, membro da Cátedra da UNESCO/Unitwin – Foro Latino-Americano de Ciências Ambientais, Membro Honorário do Fórum Nacional dos Cursos de Geologia, membro da International Commission on History of Geological Sciences (IUGS) e Presidente da Sessão Brasileira da International Association for Geoethics.
A reportagem de M. Gonzatto sobre a Mina Guaíba (ZH;18-19/01/20) reabre a discussão sobre a ‘mina’ de problemas ambientais. Fomentar esse empreendimento anula esforços mundiais ao combate das mudanças climáticas. Os incêndios na Austrália ligam sinais de alerta, com grande perda de vida humana, fauna e flora, onde o carvão mineral é importante fonte da matriz energética. Precisamos considerar os fatos mundiais. Busco alertar a sociedade, pois, a discussão precisa ser democrática e racional. Não haverá lucro financeiro sustentável por vários motivos, muitos apontados por Gonzatto. Abrir mão dos subprodutos da mineração será optar pela transição energética e possibilitar o desenvolvimento sustentável territorial para as próximas gerações.
Quando a empreendedora Copelmi fala nos empregos que criará não fala na qualidade dos mesmos. Nossa população merece trabalho que gere evolução através de meios sustentáveis. Sr. Governador, subsidie a construção de usinas de energia eólica e solar fotovoltaica. Amplie a participação da energia renovável na matriz energética do RS. Se precisamos importar insumos para nossa produção (como cita a reportagem), ainda é mais barato que sofrer impactos ambientais irreversíveis.
No contexto ambiental e da saúde pública, caso licenciada a mina, o sítio designado perderia 2 mil ha da cobertura vegetal atual. Por estar perto da região metropolitana e contígua ao Parque Delta do Rio Jacuí, há uma série de peculiaridades à ecologia do local. Esta seria impactada por obras que alterariam os padrões de drenagem, afetando o lençol freático, entre outros complexos problemas será o aumento da poluição do ar pela poeira química fina, produzida pela mineração. Mesmo com tecnologias modernas a poeira no ar é conhecida em regiões que contêm minas de carvão. Antes de fomentar a exploração de mais uma fonte fóssil de energia, vamos investigar cientificamente os impactos ambientais.
Eloisa de Moraes Ambientalista e Dra. em Planejamento Urbano e Regional
No artigo “A Questão Mineral e os Índices do IDH-M e desigualdade (GINI) nos estados do Pará e Minas Gerais: uma abordagem comparativa”, os pesquisadores Loyslene de Freitas Mota e Tiago Soares Barcelos, engenheira civil e Doutor em Geografia Humana respectivamente, destacam que a atividade minerária não vem apresentando melhoras significativas para as cidades onde há exploração e para as populações que vivem no seu entorno, “apresentando alta externalidade negativa e criando uma economia de enclave que este setor apresenta nos municípios estudados”.
No mesmo sentido, a pesquisadora Heloísa Pinna Bernardo, Doutora em Contabilidade e Mestra em Controladoria e Contabilidade, constatou, entre outras coisas: geração de subempregos e má distribuição de renda. Além disso, segundo Heloísa, as taxas de crescimento das regiões de base mineral são inferiores às das regiões nas quais a mineração é inexpressiva.
Mina Guaíba
Nas cidades de Charqueadas e Eldorado do Sul, que ficam na região metropolitana de Porto Alegre, um desses projetos gigantescos e que se apresentam como a salvação da economia das cidades do entorno da região – e até mesmo do estado – é a Mina Guaíba, de responsabilidade da Copelmi.
Nesse
caso, específico, porém, a vida dos mineradores não deve ser fácil. O Instituto
Arayara, em parceria com a Associação Indígena Poty Guarani e com a Colônia de Pescadores Z5, protocolou
duas Ações Civis Públicas pedindo a suspensão do processo de licenciamento da
mina. O MPF recomentou à Justiça que acate o pedido da ACP e suspenda o
licenciamento de forma imediata.
“O parecer do MPF
reforça o que temos denunciado sobre a Mina Guaíba: a legislação não foi
respeitada. Isso por si só já seria uma condicionante para anulação total do
processo de licenciamento ambiental. Mas além disso, o EIA/RIMA que a empresa
apresentou contém inúmeras falhas e omissões graves. Temos diversos pareces
técnicos apontando as falhas e, assim, esperamos que a FEPAM, que tem em seu
quadro de analistas profissionais gabaritados, não conceda nenhuma licença à
empresa”, afirma Renan Andrade Pereira, organizador do Programa Fé, Paz e Clima
da 350.org, no Brasil.
Pereira destaca, ainda, que já se deparou com inúmeros casos similares ao dos gaúchos em diferentes lugares do Brasil. “Nasci em Minas Gerais e tive a oportunidade de percorrer o Brasil vendo de perto diversos crimes ambientais. Acabei conhecendo muitas comunidades atingidas pelo setor da mineração. A história é sempre a mesma: eles prometem emprego, qualidade de vida, desenvolvimento, prosperidade… mas eles trabalham, na verdade, com um tripé nada sustentável: violação dos direitos humanos; violação dos direitos ambientais; e violação dos direitos trabalhistas. É desse jeito em Minas Gerais, em Santa Catarina, no Maranhão, no Espírito Santo e no Piauí. No Rio Grande do Sul é igual. Na Mina Guaíba vai ser igual se ela for licenciada, basta ver a forma como a empresa quer licenciar o empreendimento, violando direitos antes mesmo de começar a operar”, diz o Especialista em Gestão Ambiental.
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