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Artigo de Opinião | Um Dia é Insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’

Artigo de Opinião | Um Dia é Insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’

O planeta já existia antes de elegermos este o seu dia. Não temos como afirmar, nestes mais de quatro bilhões de anos de existência, a data em que de fato nasceu a Terra, a hora, o momento exato de sua criação.

Assim, ainda que pensemos apenas nos 200 mil anos de existência da nossa espécie, um dia é insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’, ou mesmo para agirmos por ele, em especial, frente aos impactos que geramos, em nossa história mais recente.

Já passa da hora de agirmos de forma contínua contra empresas que matam nossos rios, contra empreendimentos que colocam em xeque nossa segurança hídrica e contra ações de governos que ferem os direitos daqueles que defendem as florestas.

 

 

 

Em 22 de Abril de 2009, o Dia da Mãe Terra, ou Dia da Terra, foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um momento para trocarmos reflexões sobre nossos impactos e a necessidade de se viver em harmonia com a natureza. Os debates giram em torno da crescente degradação ambiental e do esgotamento dos recursos naturais, resultantes dos padrões insustentáveis de consumo e produção. Tais padrões já trazem consequências severas tanto para a Terra quanto para a saúde e o bem-estar da humanidade. Nesse sentido, dentre as diversas reflexões que a data abrange, é de suma importância incluirmos a organização em que nossa sociedade se apresenta: Quem é privilegiado, nesse sistema? Quem é desfavorecido? E por quê?

O dia 22 de abril também marca a chegada dos colonizadores no Brasil. De descobrimento, a data nada tem, mas a partir daí, diversas descobertas vieram. Os colonizadores descobriram terras férteis para os seus cultivares, sustentados pela exploração, e, posteriormente, o ouro e a prata. As imigrações se reduziram no decorrer do século XX, mas o Brasil seguiu/segue na posição de território colonizado a ser explorado, em especial, com o advento do capitalismo. Assim, também foram descobertos o cobre, o petróleo, a silvinita, o gás natural e, mais recentemente, o gás de xisto.

Já os povos que aqui viviam antes de 1500, descobriram o projeto genocida dos invasores, iniciado na colonização, mas que se perpetua até os dias de hoje. Enquanto os exploradores, passados e atuais, sob o incentivo do governo, buscam novas descobertas sob e sobre a terra, os povos indígenas seguem vivendo no ponto cego da perspectiva desenvolvimentista, protegendo e celebrando a terra da qual dependem, hoje e todos os dias.

Mas e nós? Os demais brasileiros e brasileiras que não somos indígenas, tampouco europeus ou grandes empresários? Neste dia de reflexão, devemos apoiar essas explorações ou devemos zelar pelo meio ambiente? onde queremos ver nosso país chegar? Nossa Terra? Diversos povos têm suas respostas para essas perguntas, a exemplo do povo Yanomami. Destaca-se um trecho do livro A queda do céu, em que Davi Kopenawa trata sobre o tema:

 

“Tudo o que cresce e se desloca na floresta ou sob as águas e também todos os xapiri e os humanos têm um valor importante demais para todas as mercadorias e o dinheiro dos brancos. Nada é forte o bastante para poder restituir o valor da floresta doente. Nenhuma mercadoria poderá comprar todos os Yanomami devorados pelas fumaças de epidemia. Nenhum dinheiro poderá devolver aos espíritos o valor de seus pais mortos!”

 

A maior parte de nós não vive nas florestas, mas todas e todos, sem exceção, dependem dos serviços ecossistêmicos prestados pelas áreas naturais deste continente, que, além dos aspectos ambientais, trazem benefícios econômicos e sociais, relativos ao bem-estar humano. A Floresta Amazônica tem papel fundamental nos ciclos das chuvas que sustentam a nossa agricultura, que mantém nossa segurança hídrica e a estabilidade climática do país. A Floresta Amazônica também condiciona a existência de outros biomas brasileiros, que desempenham papel semelhante. Ademais, áreas bem preservadas e ambientalmente equilibradas impedem a proliferação de doenças, como dengue, zika e chikungunya.

Temos tantos outros exemplos de benefícios advindos das áreas naturais deste país, mas, apenas para o que foi aqui citado, não há mercadorias que os compensem. Os Yanomami têm razão, não há dinheiro capaz de pagar pela nossa segurança alimentar, pela água que bebemos ou pela saúde de nossas famílias, tudo isso é grande e pesado demais e tem valor, não preço.

No entanto, o país nasceu e se desenvolveu sobre uma grande inversão de princípios, onde o lucro do empresário é priorizado, em detrimento do bem-estar social e da preservação ambiental. Questão essa explícita em casos como Brumadinho, Mariana, Maceió e no avanço das fronteiras de exploração de petróleo e gás. Os leilões de concessão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizam, regularmente, ofertas de blocos de exploração offshore (no mar) e onshore (em terra), sobre e às margens das Terras Indígenas e territórios tradicionais, aumentando conflitos e a pressão sobre os territórios e colocando em risco ecossistemas aquáticos e terrestres.

Ao mesmo tempo em que os projetos exploradores avançam, são aprovados projetos de lei que anulam a proteção de territórios indígenas, como o PL 490/2007. Nos últimos 38 anos, as Terras Indígenas, demarcadas ou não, foram as áreas protegidas mais preservadas do país, como apontam estudos, de 2022, do MapBiomas, ainda assim o governo insiste em medidas que desfavorecem, justamente, essas populações. Nesse contexto, se observa que, mais do que pequenas ações pessoais, devemos agir coletivamente contra os verdadeiros devastadores, contra os exploradores contemporâneos, que tratam nosso país como uma despensa a ser exaurida, às custas de todas, todos e tudo o que aqui vive. Mais do que isso, devemos nos mobilizar em conjunto e em apoio àquelas pessoas e comunidades que dedicam suas vidas à defesa da vida e da floresta. 

O planeta já existia antes de elegermos este o seu dia. Não temos como afirmar, nestes mais de quatro bilhões de anos de existência, a data em que de fato nasceu a Terra, a hora, o momento exato de sua criação. Assim, ainda que pensemos apenas nos 200 mil anos de existência da nossa espécie, um dia é insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’, ou mesmo para agirmos por ele, em especial frente aos impactos que geramos, em nossa história mais recente. Já passa da hora de agirmos de forma contínua contra empresas que matam nossos rios, contra empreendimentos que colocam em xeque nossa segurança hídrica e contra ações de governos que ferem os direitos daqueles que defendem as florestas.

O que desejo para o ‘aniversário’ da Terra, é que a presente data seja um marco, uma virada nas nossas ações e mobilizações. Com isso, concluo com uma boa reflexão de Bertolt Brecht, através de uma tradução adaptada: “Há quem lute um dia e é bom, há quem lute um ano e é melhor, há aqueles que lutam vários anos e são muito bons, mas há quem lute por toda a vida, esses são os imprescindíveis.”

Tragédia de Brumadinho completa um ano – O mesmo dia 25 todos os dias

Tragédia de Brumadinho completa um ano – O mesmo dia 25 todos os dias

No próximo dia 25 de janeiro, será completado o primeiro ano do maior crime ambiental da mineração brasileira, quando a barragem do Córrego do Feijão, controlada pela mineradora Vale, rompeu-se no início da tarde, vários operários trabalhavam na área, fazendo com que toneladas de lama se espalhassem por toda a região. Mais de 600 pessoas trabalhavam naquela unidade, muitas delas que estavam num refeitório para 200 pessoas logo abaixo da barragem. Além do refeitório, estavam ali também diversos edifícios administrativos e seus funcionários. O saldo da negligência com a segurança da estrutura de contenção de rejeitos de minério, além da inexplicável logística de se colocar áreas de convívio na linha direta de um eventual ponto de ruptura, foi a morte de mais de 250 pessoas e outras dezenas de desaparecidos. O Ministério Público de Minas Gerais realizou entrevista coletiva nesta terça-feira, em Belo Horizonte, na qual o Procurador Geral de Justiça de Minas, Antônio Sérgio Tonet, anunciou que buscará punição exemplar não só para Vale, mas também para a empresa de consultoria alemã Tüv Süd, que atestou a segurança da barragem. Ao apresentar hoje (21) detalhes da investigação sobre a tragédia de Brumadinho (MG) que levou à denúncia contra 16 pessoas por homicídio doloso, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) sustentou “que houve um conluio entre a mineradora Vale e a consultoria alemã Tüv Süd. Conforme a acusação, ambas as empresas tinham conhecimento da situação crítica da barragem que se rompeu, mas não compartilharam as informações com o poder público e com a sociedade e assumiram os riscos”.

Familiares, amigos e outras centenas de cidadãos se unem pedindo Justiça e reparação aos atingidos, não somente às famílias das vítimas fatais e desaparecidos, mais às milhares de pessoas que foram afetadas, como as pessoas que viviam da atividade econômica proporcionada pela Vale e os agricultores que viviam às margens do Córrego do Feijão. Com a lama que correu desde a barragem rompida, ele foi contaminado junto, também, ao lençol freático, impedindo as atividades de centenas de agricultores da região.

Os mesmos fatos de Mariana, ainda interminados porque não completamente reparados os danos provocados pela barragem de Fundão, da Samarco, repetem-se agora em Brumadinho. O impacto social é bárbaro comparado a Mariana, com centenas de mortes contra 19 vítimas fatais e dezenas de desabrigados neste último, mas o impacto ambiental do primeiro é maior, visto ter atingido um dos principais mananciais da região Sudeste, o Rio Doce. Juntos, os dois consolidam a maior catástrofe ambiental da História do Brasil, ambas enquadradas por seu aspecto criminal pela negligência para com a construção e manutenção das barragens, e tendo, inclusive, a Vale por corresponsável em Mariana, visto a Samarco ser uma holding dela própria com a australiana BHP Billiton.

No relato dos moradores de Brumadinho, sobretudo dos atingidos, fica uma insistente e indignada afirmação “aquele dia 25 a gente vive todos os dias”, ou seja, completa-se um ano sem que as dores e angústias daquela tarde saiam da cabeça das pessoas e, portanto, do dia a dia de Brumadinho e áreas rurais próximas. Desde então, projetos culturais foram lançados para dar apoio aos cidadãos locais, principalmente os familiares e amigos das vítimas. Movimentos de negociação com a Vale, pedindo reparação pelos danos sociais, ambientais e econômicos causados, foram estabelecidos, mas diversos moradores seguem sem receber o que foi prometido. Mais uma vez, Mariana se repete.

Um homem que preferiu apenas se identificar como Jefferson, parente e amigo de várias pessoas mortas no rompimento da barragem, afirma a Plurale que várias preocupações, ansiedades e revoltas permeiam o imaginário dos moradores de Brumadinho e áreas rurais próximas. “A barragem rompeu ao meio dia e vinte e oito, do dia 25 de janeiro do ano passado. Desde aquela hora, a gente acorda, almoça, trabalha, janta e dorme o dia 25. As reparações são poucas, e tem coisas que revoltam. A Vale paga um valor maior às vidas que se perderam dentro da sua área, como se vida pudesse medir valor. Ao mesmo tempo, paga pra uns e não pra outros, tem gente indiretamente atingida que já recebeu, outras vítimas diretas que não. E sempre menos do que deveria”, protesta Jefferson.

Outra preocupação apontada por Jefferson é quanto à contaminação das águas e do ar na região. “Até hoje não foi emitido nenhum laudo de segurança sobre a água e o solo, pelos resíduos deixados, e do ar, pela poeira que se vê até hoje nas áreas atingidas”. A narrativa de Jefferson vai ao encontro daquela do agricultor Rogério Resende, 33, que conversou com Plurale e relatou o drama dos trabalhadores rurais que dependem da água do Rio Paraopeba, contaminado pelo Córrego do Feijão, e estão proibidos de usá-la. “Eu não posso mais trabalhar no meu terreno, porque estou proibido de usar a água do rio para irrigar minhas plantas. A Vale não se manifestou nem tomou nenhuma providência em relação aos meus prejuízos financeiros. Ligo e nunca tenho retornos”. Enquanto isso, Rogério relata que vive de pequenos trabalhos. “Preciso de uma luz no fim do túnel, se vou ter uma resposta sobre quando vou poder retomar o meu trabalho.”

Apoio importante dos trabalhadores da cultura

Além de cidade mineradora, Brumadinho sempre foi conhecida por sua identificação com a Cultura, desde a abertura do espaço Inhotim, que mistura conservação ambiental com arte contemporânea para formar um dos maiores museus a céu aberto do mundo. O evento “Arte abraça Brumadinho” vem ocorrendo desde os primeiros meses após a tragédia, e em dezembro celebrou sua 5ª edição, já tendo contado com a participação de renomados artistas brasileiros, como o maestro João Carlos Martins, o violinista Marcus Viana e o cantor Sérgio Pererê.

Neste fim de semana, de sexta até domingo, haverá apresentação da peça teatral de bonecos, “Paraíso mais belo do mundo“, voltada para crianças como parte do “Arte abraça Brumadinho”.

Uma das estrelas do evento de dezembro foi Mariana Nascimento, menina de 13 anos que perdeu o pai, Denilson Silva, na lama da Vale. O pai era músico, sambista, e a tristeza se apossou da família, que possivelmente não veria mais seus acordes nos domingos à tarde. A garota, no entanto, enfrentou a dor para seguir os passos do pai e se apresentar no festival, cantando com a companhia do violino de Marcus Vianna.

“Junto com a ação de cantar me vem um sentimento de alegria. De felicidade. Eu me sinto bem cantando”, diz Mariana, à organização do evento. A mãe, Claudiana, explicou também à organização como a música tem transformado a relação de Mariana com a tragédia. “Mariana nasceu no berço da música. Eu quero que ela sirva de exemplo, como tem sido, que a música pode salvar, transformar. Que a música pode dar alegria para as pessoas e eu sinto a alegria da minha filha cantando.”

Veja aqui o vídeo da apresentação de Mariana Nascimento.

O “Arte abraça Brumadinho” tem, também, produzido diversos vídeos institucionais, com conteúdo que mistura a denúncia e o amparo aos atingidos de Brumadinho, e conta com uma página no Facebook com todos os materiais até o momento produzidos, além do registro dos eventos.

Vale e Justiça foram procuradas por Plurale

A Vale dedica uma página na internet dedicada exclusivamente a divulgar suas ações de reparação aos atingidos de Brumadinho. Procurada por Plurale, reproduziu o que vem sendo divulgado em seus canais, argumentando, quanto às indenizações, manter ajuda emergencial a 106 mil pessoas, tendo realizado 723 acordos de indenização que beneficiaram 2.300 pessoas, além de outros 516 acordos trabalhistas que beneficiaram 1.539 pessoas.

Também afirma que que vem desenvolvendo um amplo projeto de recuperação ambiental da área atingida, com revegetação e um plano responsável para preservação futura do meio ambiente, nesta e em outras áreas onde há vegetação vizinha a operações da empresa. Igualmente, se compromete a revisar a segurança de todas as barragens e abolir o método de construção por alteamento a montante, considerado por analistas um dos responsáveis pelas rupturas de Brumadinho e Mariana.

A Tüv Süd emitiu nota dizendo-se ainda consternada pelo fato, mas afirmando que, diante das investigações sobre responsabilidade ainda em curso, prefere não fornecer mais informações sobre o processo e sobre os laudos emitidos. No entanto, frisou estar colaborando com a Justiça para melhor compreender os possíveis quais foram os erros cometidos pela empresa.

Contato para indenizações

De acordo com a Vale, os escritórios para pedido de indenização estão nas cidades de Brumadinhos, Macacos, Barão de Cocais e Belo Horizonte. Há uma documentação que deve ser apresentada. A lista de documentos e os endereços estão disponíveis aqui.

Por Hélio Rocha, Especial para Plurale
Foto do Corpo de Bombeiros MG/ Divulgação

Brumadinho: leia um relato de quem viu de perto a tragédia

Brumadinho: leia um relato de quem viu de perto a tragédia

Três dias após acontecer a maior tragédia ambiental da história do Brasil, o gestor ambiental Renan Andrade, da 350.org e Arayara, chegou a Brumadinho, Minas Gerais. Com 18 anos de experiências atuando com meio ambiente, desastres e crimes ambientais, Andrade ficou paralisado ao ver de perto a imensidão de lama e rejeitos que romperam a barragem do Córrego Feijão. “Foi um impacto físico. De um lado a população chorando a perda de familiares, amigos, sonhos, vida. De outro, a devastação provocada pela sanha humana por dinheiro e lucro. Ao mesmo tempo que sentia uma dor e uma tristeza, me solidarizava com os moradores locais, sentia raiva e o peso da injustiça, tão presente no Brasil”.

Hoje, um ano após a tragédia/crime de Brumadinho, Renan Andrade ainda se emociona. Ele cobra justiça e afirma que, “mesmo havendo justiça, o sentimento de tristeza e devastação serão eternos”.

Confira a entrevista:

Qual foi o cenário que você encontrou ao chegar na cidade de Brumadinho no dia 28 de janeiro, três dias após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão?
Meu primeiro contato foi com o rio Paraopeba cheio de lama, um vermelho escuro que parecia que aquele rio estava sangrando. Um morador local olhando incrédulo para aquilo que me disse: “Mataram nosso rio, o que vamos fazer agora?” O cenário era desolador, famílias desesperadas em busca de informações sobre vítimas desaparecidas, autoridades chegando a todo momento, mas sem tomada de decisões efetivas, a imprensa do mundo todo buscando respostas e a Vale, a empresa que cometeu o maior crime socioambiental da história do Brasil, cerceando o acesso aos locais do crime, o que gerou muita revolta e reação dos moradores.

Havia muitas pessoas de fora do Brasil em Brumadinho? Se sim, qual a impressão delas sobre a tragédia e a capacidade de resposta do poder público?
Sim, muita gente da imprensa, analistas técnicos, ONGs, voluntários, enfim, uma infinidade de setores que buscavam, no primeiro momento, se solidarizar com as famílias das vítimas, e a impressão deles, acredito, que parecida ou igual a minha, algo que jamais poderia ter acontecido, uma mistura de angústia e tristeza que é inexplicável.  Já o estado, não conseguia dar as respostas necessárias, primeiro porque foi conivente com tudo que aconteceu, flexibilizando a legislação ambiental para que licenças fossem emitidas, não fiscalizando como deveria a barragem e a empresa, ou seja, tinha que dar uma resposta que não o comprometesse ainda mais; e depois porque o poder econômico da empresa sequestrou a capacidade de resposta do estado, o tornando dependente. Porém, os lucros que a empresa teve, inclusive pós-tragédia, é dos acionistas; já os custos com o deslocamento de aeronaves, bombeiros, médicos, hospitais, fomos nós que pagamos. Infelizmente esse é o modelo que temos de mineração no país e no mundo.

E sobre a atuação de voluntários e o sentimento deles diante da tragédia?
Eu julgo importante dizer que não foi uma tragédia. Tragédia pra mim tem outro sentido. Vejo o ocorrido como um crime premeditado, com requinte de crueldade, haja vista que a Vale sabia de tudo, o número de pessoas que morreriam e quanto iriam ter que gastar caso isso acontecesse. Sabiam em Mariana, sabiam em Brumadinho, e sabem de mais um monte de locais onde operam. Isso posto, como já disse anteriormente, o sentimento era de angústia e tristeza, que se transformava em revolta, pois quem deveria cuidar da sociedade (estado) não teve a capacidade de fazê-lo e é, na verdade, aliado de uma empresa que mais parece uma máquina de moer gente para fazer dinheiro. 

Você conheceu parentes e amigos de vítimas? Qual era o sentimento deles diante de tudo o que houve?
O sentimento principal era de revolta, pois tinha muita gente querendo ajudar e não podia. Além do que, grupos e movimentos daquela região, como o Movimento pelas Serras e Águas de Brumadinho, há muito tempo vinham denunciando os desmandos governamentais e os perigos que a empresa oferecia para toda a comunidade e, ainda assim, nada foi feito.

Pelo que viu e ouviu nos dias em que esteve em Brumadinho, era possível ter evitado essa tragédia?
Sim, se a legislação vigente no país fosse respeitada teríamos uma chance. Se os esquemas milionários de corrupção que envolvem a mineração não permeassem os setores governamentais, outra chance. E, lógico, se as empresas que fazem os laudos técnicos de estabilidade tivessem responsabilidade com as pessoas, se tecnologias avançadas no processo e sistemas de gerenciamento ambiental e de riscos fossem aplicados… Tudo isso ajudaria a minimizar os riscos. Mas o que vimos foi o contrário, empresas e governos num conluio criminoso que vitimou centenas de pessoas e deixou famílias inteiras desamparadas. Infelizmente o modelo minerário no país e no mundo fez, faz e continuará fazendo milhares de vítimas. 

Quais histórias mais impactantes você viu e ouviu em Brumadinho?
Foram inúmeras histórias, mas três me marcaram mais. A primeira foi de uma vítima que estava dentro de uma caminhonete que depois do ocorrido, estava soterrado e ligou para pedir ajuda, diante da quantidade de lama que ali estava foi impossível socorrer a pessoa, o que me fazia pensar no desespero e sofrimento da vítima antes do fim da sua vida.

A segunda foi de um amigo meu que chegou na hora do ocorrido para ajudar nos resgates e se deparou com 17 cabeças sem seus corpos, teve que ajudar a lavar essas cabeças para que pudessem ser reconhecidas e as famílias pudessem dar um enterro digno para essas pessoas. E é assim que funciona, quando falam que encontraram mais “corpos” na sua grande maioria, é apenas um membro ou parte do corpo, que é encaminhado pra família. Isso trazia profunda angústia e dor naquele momento.

E a última, foi quando fui buscar informação com uma senhora muito humilde, moradora do bairro do Córrego do Feijão, e no decorrer da conversa perguntei se ela tinha perdido alguém. Ela disse que sim, uma filha, e como não tinha visto o corpo dela, pra ela a filha ainda estava ali e iria voltar, e aquilo não passava de um sonho ruim que ela tava vivendo. Neste momento a única reação que tive foi de dar um abraço e chorar junto com ela.

Acho que ninguém merece isso, mas aquele povo, humilde, solidário e humano merecia menos ainda.

É possível fazer uma correlação entre o que aconteceu em Mariana e o que aconteceu em Brumadinho? 
Sim: a ausência do estado na fiscalização. Flexibilização de leis para atender interesses das empresas. Corrupção permeando todos os setores. E o interesse no lucro acima da vida.

Você é mineiro, está acostumado com a história do seu estado e a mineração. Pelo que tem visto em sua atuação como gestor ambiental, a mineração gera o que promete: desenvolvimento e crescimento econômico e social?
Não. A mineração nos moldes que está estabelecida hoje só faz o contrário. Eles trabalham num tripé para se manter: violação dos direitos humanos, violação dos direitos ambientais e violação dos direitos trabalhistas. Um tripé que não é nada sustentável.

O desenvolvimento econômico prometido nunca chega, o que chega são os problemas sociais e ambientais e ainda o sequestro do poder público que fica refém das empresas por não conseguirem desenvolver outras atividades nos seus municípios, além da conta que chega sob os aspectos da saúde de quem vive no entorno de uma mineradora. 

Um mundo sem minérios não é possível. Ou seja, a mineração é uma atividade que precisa ser realizada. Há um caminho para que seja realizada essa prática de forma que respeite a vida em todas as suas formas?
Entendo que sim. Com o endurecimento da fiscalização das atividades das empresas, cumprimento da legislação ambiental e trabalhista, responsabilidade sobre os direitos humanos e principalmente com controle social efetivo.

Marcha de Belo Horizonte a Brumadinho protesta contra crimes da Vale

Marcha de Belo Horizonte a Brumadinho protesta contra crimes da Vale

Mais de 350 pessoas atingidas pelo crime ambiental de Brumadinho vão percorrer, a partir de segunda-feira (20), 300 quilômetros de Belo Horizonte até a cidade de Brumadinho. A chegada está prevista para sábado (25). O episódio completa um ano em 25 de janeiro, quando a barragem em Córrego do Feijão se rompeu, deixando 272 mortos.

Com a marcha, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) pretende dar visibilidade e legitimidade nacional e internacional à luta dos atingidos diante dos crimes da Vale – Mariana e Brumadinho.

Pretende, também, fortalecer a unidade e organização estadual e nacional entre atingidos na luta e resistência pelos seus direitos e na construção de um novo projeto energético popular; denunciar os crimes e o tratamento que as empresas privadas vêm fazendo sobre a sociedade brasileira, especialmente aos atingidos por barragens; e reconhecer os atingidos como defensores dos Direitos Humanos.

Fonte: Rede Brasil Atual – RBA/ Via IHU On-line

Brumadinho: Vale e TÜV Süd são denunciadas por homicídio doloso

Brumadinho: Vale e TÜV Süd são denunciadas por homicídio doloso

Ministério Público denuncia ainda ex-presidente da Vale e outras 15 pessoas, além de pedir prisão cautelar de diretor da TÜV Süd na Alemanha. Conluio entre empresas levou à tragédia em Brumadinho, dizem investigadores.

Às vésperas do primeiro aniversário da tragédia causada pelo rompimento de uma barragem em Brumadinho, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou nesta terça-feira (21/01) a mineradora Vale e a alemã TÜV Süd por homicídio doloso duplamente qualificado e por diversos crimes ambientais.

Além das empresas, 16 pessoas ligadas às duas companhias foram denunciadas pelos mesmos crimes. Entre os nomes listados pelo MP estão o do ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman e o do gerente-geral da TÜV Süd, Chris-Peter Meier.

Na tragédia, em 25 de janeiro de 2019, o rompimento abrupto da estrutura matou 270 pessoas soterradas pela lama que se movimentou em alta velocidade. A destruição e a contaminação escorreram pelo rio Paraopebas e inviabilizaram o modo de vida de várias comunidades, além de impedir a captação de água. Com o colapso da estrutura, 9,7 milhões de metros cúbicos de rejeito foram liberados no meio ambiente.

Além da denúncia à Justiça, o MP pediu a prisão cautelar de Meier sob alegação de que ele não contribuiu para as investigações. Por outro lado, segundo os promotores, há o risco de a lei penal não ser aplicada pelo fato de Meier residir na Alemanha.

Depois de ouvir 183 pessoas entre acusados, testemunhas e sobreviventes, o inquérito concluiu que as duas empresas mantinham uma relação promíscua e escondiam das autoridades, acionistas e investidores a inaceitável situação de segurança das barragens de mineração da Vale.

“Essa ainda não é a resposta que a sociedade merece”, afirmou sobre a denúncia o promotor de Justiça William Garcia Pinto Coelho, durante coletiva de imprensa em Belo Horizonte. “Mas sim um julgamento e condenação com efetiva prisão de todos aqueles que contribuíram para que o resultado do que aconteceu no dia 25 do ano passado ocorresse da forma e proporção que ocorreram.”

Os denunciados devem ser julgados pela Justiça Estadual, no Tribunal do Júri em Brumadinho. O processo apresentado à Justiça, segundo Coelho, chegou a uma “conclusão firme, responsável e sólida” que, espera, resulte na condenação dos acusados.

Risco conhecido

As investigações apontaram que a Vale conhecia os problemas da Barragem I da mina Córrego do Feijão pelo menos desde 2017, e que a situação teria se agravado no ano seguinte com o registro de diversas anomalias.

Entre as principais falhas que traziam riscos de rompimento e eram de conhecimento da mineradora estão erosão interna e liquefação, ligadas a problemas de drenagem interna da barragem. A própria mineradora classificava a estrutura como em “inaceitável situação de segurança”.

Em junho de 2018, num documento interno, a barragem I da mina Córrego de Feijão apareceu na lista das dez estruturas da empresa com maior probabilidade de falha. Dias depois, porém, a barragem recebeu da TÜV Süd o atestado de estabilidade.
Segundo Coelho, esse seria um exemplo do mecanismo de pressão usado por funcionários da Vale contra empresas de auditoria externa. “Eram mecanismos de retaliação e recompensas. Quem não aceitava entrar no conluio e mostrava discordância, era retaliado e afastado dos contratos”, explica o promotor de Justiça.

Segundo ele, a TÜV Süd cedeu e foi recompensada por isso. O conluio com a Vale teria rendido bons negócios à empresa alemã, que expandiu sua atuação no Brasil após fechar contratos com a mineradora, aponta o inquérito.

Ao mesmo tempo que emitia os laudos de estabilidade para a Vale, a TÜV Süd executava trabalhos de auditoria externa, o que, segundo os investigadores, comprometia a independência do trabalho.

“Declarações falsas serviam de escudo para a Vale manter suas atividades perigosas. Permitiam a omissão da corporação na adoção de medidas de segurança e emergência. Tudo isso para evitar impacto negativo na reputação da Vale que afetasse o valor de mercado da empresa”, comentou Coelho, que chamou a postura de “ditadura corporativa”.

Questionado pela DW Brasil sobre a colaboração da matriz alemã TÜV Süd com as investigações no Brasil, Coelho informou que Meier nunca respondeu às solicitações.

Segundo o inquérito, Meier ocupava uma posição central e participou das decisões que contribuíram para o rompimento. “Ele detinha conhecimentos específicos sobre contratos e foi consultado ao tempo em que ocorreu o auge das pressões da Vale”, afirmou Coelho. “Meier teve uma função direta, primordial e técnica que levou à adesão de uma dinâmica ilícita da Vale.”

Diante da falta de colaboração de Meier, é possível que o Ministério Público solicite apoio institucional de órgãos na Alemanha. “Na instância judicial, é possível que uma colaboração se aprofunde para que medidas sejam adotadas na Alemanha”, detalhou.

A “caixa preta”

Para Antônio Sérgio Tomé, procurador-geral de Justiça de Minas, os denunciados – tanto a Vale como a TÜV Süd – “apostaram muito alto ao fazer vistas grossas à situação de risco daquela barragem”.

A investigação vasculhou os mais de 90 equipamentos apreendidos, entre computadores e celulares. Em um dos aparelhos, mensagens trocadas entre funcionários do alto escalão foram convertidas em 457 mil páginas de um PDF – que foi lido por completo, segundo os investigadores.

Segundo o inquérito, Fabio Schvartsman sabia dos riscos de rompimento da barragem em Brumadinho. Dias antes da tragédia, o presidente da Vale determinou a retaliação de um funcionário que enviou um e-mail anônimo denunciando a situação da estrutura.

À época, Schvartsman classificou a denúncia de “desaforo” e mandou que o remetente, chamado de “cancro”, fosse retirado da corporação, apontam os e-mails enviados pelo então presidente da mineradora. “Isso mostra o clima hostil a denunciantes de boa fé”, comentou Coelho.

Para os investigadores, os 16 acusados cometeram o crime de homicídio doloso 270 vezes, que é o número de vítimas confirmadas.

Fonte: Deutsche Welle