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Lançamento do Estudo da Pesca mobiliza sociedade à conservação da Costa Amazônica

Lançamento do Estudo da Pesca mobiliza sociedade à conservação da Costa Amazônica

Lançamento nesta sexta-feira (10) divulgou dados do estudo “Impactos do avanço do petróleo sobre a pesca da Costa Amazônica”, que traz análises dos diferentes cenários de risco à indústria pesqueira já consolidada na região.

Expressiva nos estados do Maranhão, Pará e Amapá, a indústria pesqueira desempenha grande papel na balança comercial brasileira, movimentando toneladas de produtos para a subsistência, distribuição nacional e exportação para diversos países das Américas, Ásia e Europa.

Podendo ser considerada o “novo pré-sal” – pelo número de blocos de exploração de óleo e gás presentes na região e as possíveis reservas de petróleo, a Costa Amazônica também é um importante local de preservação, abrigando grande biodiversidade marinha e a segunda maior faixa contínua de manguezais do mundo. Comunidades tradicionais, biomas e a economia da pesca estariam em risco caso a indústria petrolífera avance.

 

Organizado pelo Departamento de Oceanos e Clima do Instituto Internacional Arayara, o Estudo da Pesca é um produto da Campanha permanente #SalveaCostaAmazônica, que tem como um dos objetivo promover iniciativas de conscientização em prol da conservação do litoral norte do Brasil, abundante em biodiversidade, comunidades e conhecimentos tradicionais que expressam a riqueza natural e cultural do país.

Como uma ferramenta de informação e mobilização, o Estudo busca contribuir para a valorização da atividade da pesca, artesanal e industrial, que possui uma cadeia produtiva abrangente e que gera empregos e rendas para a região. São cerca de 1 milhão de pescadores no Brasil; mais da metade (571 mil) concentrando-se no Pará, Amapá e Maranhão – região analisada no estudo, que, por sua vez, apresenta mais da metade sendo representada por mulheres (53%, segundo o Registro Geral da Atividade Pesqueira). São pescadoras e marisqueiras que sustentam seus lares, alimentam populações e preservam a diversidade local.

“Se tem mangue de pé, é porque tem um povo que está lá defendendo, preservando aquela área… com muita dificuldade, mas está lá. Nós somos os guardiões desses manguezais, e sem mangue não tem caranguejo, não tem peixe, não tem nada”, avalia José Carlos, coordenador estadual da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem-Pará). Em fala no evento, ele ainda sinalizou que a população local está preocupada com a discussão do petróleo no território: “Não é que somos contra, mas é para as coisas serem mais debatidas conosco, os donos do território”.

Vinícius Nora, gerente de Oceanos e Clima do Instituto Internacional Arayara, apontou que o lançamento do Estudo expõe uma lacuna que deve ser reparada, que é a falta de estatísticas pesqueiras atualizadas que poderiam subsidiar políticas públicas mais adequadas. “Tais estatísticas podem, deveriam inclusive, ser construídas junto às Reservas Extrativistas, para que sejam, além de atores da conservação, também co-gestores, aprimorando essas ações”, destaca Nora. 

Uma das considerações observadas pelo Instituto na construção deste conhecimento foi a inclusão no Estudo dos debates, demandas e aspirações das Associações, sociais e trabalhistas, locais para uma melhor e holística construção das conclusões e recomendações apresentadas. O Observatório do Marajó, ong parceira local, apoiou em diversas atividades na região e prestigiou o lançamento.

Um coletivo de jovens comunicadores locais também foi mobilizado em uma ação participativa de comunicação no intuito de levar o Estudo para dentro das casas e promover debates sobre o tema. “Nós, do Coletivo Cuíra, somos jovens do Soure, na ilha do Marajó, no Pará, preocupados em formar novas lideranças que levam a importância da região, um local de grande hidrodinâmica, de encontro das águas do Rio Amazonas com as águas do Oceano Atlântico, bem aqui em frente à cidade, cujos pescados representam o sustento de inúmeras famílias”, apontou o jovem Cuíra, Erivelton Chaves, em sua fala no lançamento. “A cadeia produtiva da pesca desempenha um papel central nas Associações de Moradores das RESEXs; ela é importante tanto para fazer circular o dinheiro entre a comunidade quanto para construir políticas públicas, como o seguro defesa das espécies”, destaca. 

O evento também fez referência à situação climática no Rio Grande do Sul, que teve sua capital e centenas de cidades devastadas por enchentes que têm a perspectiva de se tornarem mais recorrentes e mais graves com o avanço das mudanças climáticas.

Eventos extremos como os ocorridos recentemente no Sul do Brasil são um reflexo da ainda expressiva queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o “gás natural”. A abertura de uma nova fronteira de exploração no litoral norte do Brasil pela indústria petrolífera, segundo ambientalistas, não é necessária para suprir a demanda de energia para os próximos anos, e ainda representaria um retrocesso, tanto aos acordos climáticos de frear emissões de gases de efeito estufa no intuito de combater as mudanças do clima, quanto para a conservação ambiental e a preservação de comunidades e culturas tradicionais da região.

Dentre as atividades de lançamento do Estudo da Pesca, inúmeras visitas aconteceram no Congresso Nacional e em órgãos ambientais nacionais, como o Ibama, ICMBio, Ministério da Pesca (MPA) e Câmara dos Deputados. Também foram elaboradas uma Carta Compromisso, para gestores públicos e tomadores de decisão se comprometerem a defender a indústria pesqueira, e inaugurada uma Petição Online, que convoca a sociedade civil a se engajar em prol da conservação do litoral norte do Brasil frente às ameaças que levariam à degradação dos mangues, da vida marinha e do povo que, vivendo em harmonia com a natureza, obtém dela o seu sustento e por isso honra seus ecossistemas e seus serviços ambientais prestados à humanidade. 

Confira como foi a agenda de lançamento do Estudo em Brasília nesta semana:

07/05 – Apresentação ao Deputado Federal Raimundo Costa (PODE/BA), ex-presidente da Federação dos Pescadores do Estado da Bahia (Fepesba) 

08/05 – Apresentação na Subcomissão da Pesca, da “Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural” da Câmara dos Deputados

09/05 – Apresentação ao presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Rodrigo Agostinho

09/05 – Apresentação à diretora de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial (Disat) do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Katia Torres

 

Acesse o estudo e demais materiais informativos sobre o Estudo da Pesca no portal:
https://marsempetroleo.arayara.org/pesca/

 

Assista na íntegra o evento de lançamento do Estudo da Pesca:

 

Arayara debate Exploração de Petróleo na Margem Equatorial em Audiência Pública na Comissão de Minas e Energia

Arayara debate Exploração de Petróleo na Margem Equatorial em Audiência Pública na Comissão de Minas e Energia

A Audiência Pública reunirá legislativo, governo e sociedade civil na próxima quarta-feira, 08/05, na Câmara dos Deputados, em Brasília/DF. O tema envolve o planejamento energético do país para os próximos anos.

 

A exploração de Petróleo e Gás na Margem Equatorial Brasileira tem sido tema de muitos debates públicos e da sociedade civil desde que a região começou a ser cotada como uma reserva promissora de óleo e gás, após descobertas de grandes reservas de petróleo no Suriname e na Guiana Francesa, países vizinhos à fronteira norte do Brasil.

Localizada na faixa de litoral que vai desde o Rio Grande do Norte até o Amapá, a Margem Equatorial também é uma região extremamente rica em biodiversidade e de comunidades tradicionais que dependem desses ecossistemas para o seu sustento, caracterizando-se, assim, como uma região muito sensível a impactos ambientais e passível de grandes medidas de conservação.

Para debater essa questão, que, para além dos aspectos supracitado, envolve também o planejamento energético do país para os próximos anos e para as próximas décadas, a Câmara dos Deputados sedia, na próxima quarta-feira, 08 de maio, uma Audiência Pública com o objetivo de ouvir tanto as partes interessadas na exploração de petróleo na Margem Equatorial, como a Petrobrás, o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP); quanto as partes preocupadas com a conservação ambiental, como o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), e organizações da sociedade civil que atuam em defesa do clima e das comunidades tradicionais, como o Instituto Internacional Arayara e o Instituto Mapinguari.

O objetivo é instrumentalizar a sociedade com o máximo de informações possíveis sobre o tema, a fim de se construir uma opinião pública que paute políticas justas e sustentáveis sobre a Margem Equatorial Brasileira, rica em reservas fósseis, mas também a maior área contínua de manguezais do planeta, lar de inúmeros animais marinhos, de condições ambientais únicas, e região do sustento de muitas comunidades pesqueiras e marisqueiras que impulsionam a economia da região. 

O Instituto Internacional Arayara atua há 30 anos em prol do Desenvolvimento Econômico, Social, Científico, Energético, Climático e Ambiental, no Brasil e em países da América Latina, e se contrapõe à abertura de novas frentes de exploração de combustíveis fósseis, maiores responsáveis pelo aumento de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Para o Instituto, novas áreas de exploração impactam territórios de populações indígenas, quilombolas, sítios arqueológicos, e ainda ferem compromissos ambientais firmados pelo Brasil, como o Acordo de Paris.

A Audiência Pública foi requerida pelos deputados Júnior Ferrari (PSD/PA) e Sidney Leite (PSD/AM). Também confirmaram participação: o Ministério de Minas e Energia (MME), a Marinha do Brasil, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Serviço:

Audiência pública sobre Exploração de Petróleo na Margem Equatorial 

Horário: às 10h, 

Local: Comissão de Minas e Energia – Anexo II, Plenário 14, da Câmara dos Deputados. Brasília/DF.

 

Para informações à imprensa:

Ana Claudia Castro – Gerente de Comunicação do Instituto Internacional Arayara

e-mail: ana.castro@arayara.org e/ou Whatsapp: (61) 99295-2174

Arayara participa de marcha e integra programação do ATL 2024

Arayara participa de marcha e integra programação do ATL 2024

Segundo dia (23/04) do Acampamento Terra Livre (ATL 2024) foi marcado pela Marcha “Emergência Indígena: nossos direitos não se negociam”. Milhares de indígenas de todo o país marcharam até o Congresso Nacional reivindicando seus direitos.

O Instituto Internacional Arayara participou do ato, ao lado dos povos: Terena (MS), Karajá (GO) e Tukuna (AM), por uma “Amazônia Livre de Petróleo”.

Na quarta, 24 de abril, Arayara integra rodas de conversa e plenárias sobre combustíveis fósseis e agendas do clima.

Primeira marcha do ATL 2024, “Emergência Indígena: Nossos direitos não se negociam”, reuniu cerca de 8 mil pessoas e marcou os 4 anos da campanha de mesmo nome, criada em 2020 pela Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib) como uma medida de enfrentamento à Covid-19. Na marcha até o Congresso Nacional, povos indígenas pediram por demarcação de terras e garantia de direitos.

 

Agenda

O Instituto Internacional Arayara participará da programação do terceiro dia de ATL 2024, quarta (24), oferecendo apoio técnico aos indígenas que participam das rodas de conversa e plenárias.

As atividades têm o objetivo de fomentar o debate sobre a exploração dos combustíveis fósseis e os impactos da indústria de Petróleo e Gás em Terras Indígenas.

Confira abaixo a programação das tendas com participação do Instituto Internacional Arayara:

 

Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste,Minas Gerais e Espírito Santo (ApoinME)

24/04 às 8h

Mesa: Combustíveis Fósseis. Desenvolvimento ou Catástrofe?

 

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

24/04 às 14h

Roda de conversa: emergência climática e os caminhos para uma transição energética justa na Amazônia indígena

 

Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib)

24/04 às 16h

*Plenária – Articulação internacional entre os povos indígenas: defendendo nossos direitos nas agendas do clima e da biodiversidade

*evento será transmitido ao vivo pelo canal da Apib no Youtube:

Artigo de Opinião | Um Dia é Insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’

Artigo de Opinião | Um Dia é Insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’

O planeta já existia antes de elegermos este o seu dia. Não temos como afirmar, nestes mais de quatro bilhões de anos de existência, a data em que de fato nasceu a Terra, a hora, o momento exato de sua criação.

Assim, ainda que pensemos apenas nos 200 mil anos de existência da nossa espécie, um dia é insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’, ou mesmo para agirmos por ele, em especial, frente aos impactos que geramos, em nossa história mais recente.

Já passa da hora de agirmos de forma contínua contra empresas que matam nossos rios, contra empreendimentos que colocam em xeque nossa segurança hídrica e contra ações de governos que ferem os direitos daqueles que defendem as florestas.

 

 

 

Em 22 de Abril de 2009, o Dia da Mãe Terra, ou Dia da Terra, foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um momento para trocarmos reflexões sobre nossos impactos e a necessidade de se viver em harmonia com a natureza. Os debates giram em torno da crescente degradação ambiental e do esgotamento dos recursos naturais, resultantes dos padrões insustentáveis de consumo e produção. Tais padrões já trazem consequências severas tanto para a Terra quanto para a saúde e o bem-estar da humanidade. Nesse sentido, dentre as diversas reflexões que a data abrange, é de suma importância incluirmos a organização em que nossa sociedade se apresenta: Quem é privilegiado, nesse sistema? Quem é desfavorecido? E por quê?

O dia 22 de abril também marca a chegada dos colonizadores no Brasil. De descobrimento, a data nada tem, mas a partir daí, diversas descobertas vieram. Os colonizadores descobriram terras férteis para os seus cultivares, sustentados pela exploração, e, posteriormente, o ouro e a prata. As imigrações se reduziram no decorrer do século XX, mas o Brasil seguiu/segue na posição de território colonizado a ser explorado, em especial, com o advento do capitalismo. Assim, também foram descobertos o cobre, o petróleo, a silvinita, o gás natural e, mais recentemente, o gás de xisto.

Já os povos que aqui viviam antes de 1500, descobriram o projeto genocida dos invasores, iniciado na colonização, mas que se perpetua até os dias de hoje. Enquanto os exploradores, passados e atuais, sob o incentivo do governo, buscam novas descobertas sob e sobre a terra, os povos indígenas seguem vivendo no ponto cego da perspectiva desenvolvimentista, protegendo e celebrando a terra da qual dependem, hoje e todos os dias.

Mas e nós? Os demais brasileiros e brasileiras que não somos indígenas, tampouco europeus ou grandes empresários? Neste dia de reflexão, devemos apoiar essas explorações ou devemos zelar pelo meio ambiente? onde queremos ver nosso país chegar? Nossa Terra? Diversos povos têm suas respostas para essas perguntas, a exemplo do povo Yanomami. Destaca-se um trecho do livro A queda do céu, em que Davi Kopenawa trata sobre o tema:

 

“Tudo o que cresce e se desloca na floresta ou sob as águas e também todos os xapiri e os humanos têm um valor importante demais para todas as mercadorias e o dinheiro dos brancos. Nada é forte o bastante para poder restituir o valor da floresta doente. Nenhuma mercadoria poderá comprar todos os Yanomami devorados pelas fumaças de epidemia. Nenhum dinheiro poderá devolver aos espíritos o valor de seus pais mortos!”

 

A maior parte de nós não vive nas florestas, mas todas e todos, sem exceção, dependem dos serviços ecossistêmicos prestados pelas áreas naturais deste continente, que, além dos aspectos ambientais, trazem benefícios econômicos e sociais, relativos ao bem-estar humano. A Floresta Amazônica tem papel fundamental nos ciclos das chuvas que sustentam a nossa agricultura, que mantém nossa segurança hídrica e a estabilidade climática do país. A Floresta Amazônica também condiciona a existência de outros biomas brasileiros, que desempenham papel semelhante. Ademais, áreas bem preservadas e ambientalmente equilibradas impedem a proliferação de doenças, como dengue, zika e chikungunya.

Temos tantos outros exemplos de benefícios advindos das áreas naturais deste país, mas, apenas para o que foi aqui citado, não há mercadorias que os compensem. Os Yanomami têm razão, não há dinheiro capaz de pagar pela nossa segurança alimentar, pela água que bebemos ou pela saúde de nossas famílias, tudo isso é grande e pesado demais e tem valor, não preço.

No entanto, o país nasceu e se desenvolveu sobre uma grande inversão de princípios, onde o lucro do empresário é priorizado, em detrimento do bem-estar social e da preservação ambiental. Questão essa explícita em casos como Brumadinho, Mariana, Maceió e no avanço das fronteiras de exploração de petróleo e gás. Os leilões de concessão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizam, regularmente, ofertas de blocos de exploração offshore (no mar) e onshore (em terra), sobre e às margens das Terras Indígenas e territórios tradicionais, aumentando conflitos e a pressão sobre os territórios e colocando em risco ecossistemas aquáticos e terrestres.

Ao mesmo tempo em que os projetos exploradores avançam, são aprovados projetos de lei que anulam a proteção de territórios indígenas, como o PL 490/2007. Nos últimos 38 anos, as Terras Indígenas, demarcadas ou não, foram as áreas protegidas mais preservadas do país, como apontam estudos, de 2022, do MapBiomas, ainda assim o governo insiste em medidas que desfavorecem, justamente, essas populações. Nesse contexto, se observa que, mais do que pequenas ações pessoais, devemos agir coletivamente contra os verdadeiros devastadores, contra os exploradores contemporâneos, que tratam nosso país como uma despensa a ser exaurida, às custas de todas, todos e tudo o que aqui vive. Mais do que isso, devemos nos mobilizar em conjunto e em apoio àquelas pessoas e comunidades que dedicam suas vidas à defesa da vida e da floresta. 

O planeta já existia antes de elegermos este o seu dia. Não temos como afirmar, nestes mais de quatro bilhões de anos de existência, a data em que de fato nasceu a Terra, a hora, o momento exato de sua criação. Assim, ainda que pensemos apenas nos 200 mil anos de existência da nossa espécie, um dia é insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’, ou mesmo para agirmos por ele, em especial frente aos impactos que geramos, em nossa história mais recente. Já passa da hora de agirmos de forma contínua contra empresas que matam nossos rios, contra empreendimentos que colocam em xeque nossa segurança hídrica e contra ações de governos que ferem os direitos daqueles que defendem as florestas.

O que desejo para o ‘aniversário’ da Terra, é que a presente data seja um marco, uma virada nas nossas ações e mobilizações. Com isso, concluo com uma boa reflexão de Bertolt Brecht, através de uma tradução adaptada: “Há quem lute um dia e é bom, há quem lute um ano e é melhor, há aqueles que lutam vários anos e são muito bons, mas há quem lute por toda a vida, esses são os imprescindíveis.”

Artigo de Opinião | A nova fronteira da injustiça:  os avanços do petróleo e gás sobre territórios indígenas no Brasil

Artigo de Opinião | A nova fronteira da injustiça: os avanços do petróleo e gás sobre territórios indígenas no Brasil

Neste Dia dos Povos Indígenas, Paôla Manfredini, gerente Socioambiental, Comunidades e Clima do Instituto Internacional ARAYARA, comenta as ameaças representadas pelas empresas petroleiras que cada vez mais investem contra os Territórios Indígenas (TI) do Brasil.

O artigo destaca caminhos de esperança e resistência neste conturbado cenário secular de disputas e injustiças associado aos povos indígenas brasileiros.

Nas palavras de Paôla, “esperamos que  esta leitura reforce a importância do protagonismo indígena, da mobilização social e, por último, da pesquisa aliada à inovação na busca por soluções integradas e sustentáveis”.

 

Por Paôla Manfredini Romão Bonfim*, Gerente Socioambiental, Comunidades e Clima do Instituto Internacional ARAYARA.org

Na vastidão das florestas amazônicas e nas margens dos rios que cortam nossa terra, os Territórios Indígenas são não apenas espaços geográficos, mas sim o coração pulsante das culturas ancestrais e da biodiversidade que nos conecta à essência do Brasil. No entanto, esses lugares sagrados enfrentam uma batalha árdua contra o avanço predatório das fronteiras da exploração de petróleo e gás, a ameaça constante do Fracking e a violação sistemática dos direitos consagrados na Convenção 169 da OIT.

Neste cenário de desafios crescentes, onde as vozes dos povos indígenas ecoam em uma luta pela sobrevivência de suas terras e culturas, é fundamental agirmos todos em solidariedade e ação, não apenas contra as ameaças que pairam sobre esses territórios, mas também refletindo a coragem e resistência de seus guardiões ancestrais.

O Desafio do Avanço Predatório

O avanço das fronteiras de exploração de petróleo e gás tem sido uma das principais ameaças aos territórios indígenas do Brasil. Empresas, muitas vezes agindo sem o devido respeito aos direitos dos povos originários, têm buscado extrair recursos valiosos dessas áreas, causando danos irreparáveis ao meio ambiente e à vida dos povos indígenas.

Os leilões de concessão da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) mantém um calendário regular para oferta de blocos de exploração onshore (“em terra”) e offshore (“em mar”).  Esta constante ameaça aumenta consideravelmente a pressão sobre os territórios e coloca continuamente em risco ecossistemas frágeis e culturas ancestrais.

Nessa agenda, o 4º Ciclo da Oferta Permanente no regime de Concessão (OPC) foi realizado no dia 13 de dezembro de 2023, disponibilizando 602 blocos e 1 bloco de Acumulação Marginal, representando 63% do total de blocos em oferta permanente. Estudos indicaram que as emissões potenciais desses blocos poderiam exceder 1 GtCO2e, equivalendo às emissões anuais do Brasil previstas para 2030

Esse leilão levantou preocupações sobre possíveis impactos negativos nas metas das novas NDCs Brasileiras, especialmente para Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TI) e Territórios Quilombolas (TQ).

No que concerne às Terras Indígenas foram identificados possíveis impactos socioambientais, com centenas delas podendo ser afetadas pela exploração de petróleo e gás em blocos ofertados em sua Área de Influência Direta (AID)  – conforme determina o limite de 10 Km na Amazônia Legal e 8 Km nas demais regiões, imposto pelo Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015

O estudo técnico da ARAYARA, Análise de risco socioambiental e climático das áreas do 4º Ciclo de Oferta Permanente da ANP sobre Terras Indígenas, identificou as seguintes etnias a serem potencialmente impactadas: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/Nhamunda-Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng – o que afetaria aproximadamente 156 milhões de hectares de Terras Indígenas e uma população estimada de 21.910 indígenas não consultados. 

O Leilão da ANP resultou em 193 blocos arrematados por empresas petroleiras e de exploração de gás. No entanto, a incidência judicial promovida pela ARAYARA sobre 77 blocos afastou a ambição de diversas empresas, poupando 94% dos blocos licitados – destes, apenas 4 foram adquiridos (AM-T64, AM-T-107, AM-T-133, PAR-T-335)

No entanto, 5 Terras Indígenas seguem ameaçadas pelo arremate de blocos pelas empresas ATEM e Blueshift. São elas: no Amazonas, do Povo Mura, a TI Gavião, TI Lago do marinheiro, TI Ponciano e TI Sissaíma; e em Santa Catarina, do Povo Xokleng, a TI Rio dos Pardos.

Esses territórios enfrentam agora a possibilidade da aplicação de uma técnica extremamente danosa para a extração do gás de xisto nas camadas profundas do subsolo: o fracking, ou fraturamento hidráulico. 

Para fraturar a rocha e liberar o gás, a técnica injeta no solo enormes quantidades de água e um número alarmante de produtos tóxicos, contaminando o solo, as águas subterrâneas (que logo chegam aos rios) e o ar (com o escape do gás metano para a superfície) – ocasionando mudanças radicais no clima e colocando em risco a saúde dos indígenas e não indígenas (câncer, infertilidade, aborto e doenças neurais), que dependem desses recursos naturais para sua subsistência e bem-estar.

Afrontas à Convenção 169 da OIT e os Protocolos de Consulta

Diante de um cenário de possibilidades tão devastadoras, era de se esperar que o governo brasileiro acionasse a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual estabelece o direito dos povos indígenas à consulta prévia, livre e informada sobre questões que afetam diretamente seus territórios e vidas. 

No entanto, temos testemunhado um flagrante desrespeito a esse direito fundamental, com empreendimentos sendo implementados sem o consentimento ou cumprimento das condicionantes estabelecidas pelas comunidades afetadas.

A falta de respeito aos protocolos autônomos não apenas viola direitos básicos das comunidades tradicionais, mas também fragiliza a autonomia e a dignidade dos povos indígenas ao impor sobre eles projetos de infraestrutura que podem ter impactos irreversíveis.

Inovação e mobilização

Na contramão dessas ausências, o Instituto Internacional ARAYARA realiza uma campanha incansável para proteger a Amazônia e seus habitantes. Para isso desenvolvemos uma ferramenta inovadora: o Monitor Amazônia Livre de Petróleo e Gás. 

A plataforma oferece informações detalhadas sobre esse tipo de exploração nos nove países amazônicos: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.

Dessa forma, o conhecimento anteriormente disperso em diferentes plataformas e bancos de dados governamentais e especializados, e que dificultava análises abrangentes do contexto e dos riscos associados à exploração de petróleo e gás na região, agora está disponível para todos.

Por meio da ferramenta, é possível gerar mapas e planilhas que rapidamente cruzam dados sobre o país, informando o bloco de exploração de petróleo e gás, a empresa envolvida, a fase exploratória e detalhes sobre as localidades afetadas, como a presença de terras indígenas, territórios quilombolas, regiões de corais e unidades de conservação, bens culturais acautelados e sítios arqueológicos.

Nosso monitor ajuda a entender a extensão das ameaças e a tomar medidas eficazes, pois fornece dados essenciais para conscientizar o público, pressionar por políticas mais rigorosas e envolver a sociedade civil na defesa dos Territórios Indígenas.

Para além do Monitor, trabalhamos em várias outras frentes, como advocacy, litigância, mobilização social e pressão política. Exigimos transparência e cumprimento dos dispositivos legais nos leilões de concessão, atuamos na aprovação de leis contra o fracking, fomentamos a adoção de alternativas sustentáveis de geração e distribuição de energia e denunciamos as violações de direitos humanos e ambientais. 

Em Ações Civis Públicas, a ARAYARA já atuou para a remoção de mais de 1350 blocos de petróleo e gás, em mar e terra, dos leilões permanentes de partilha da ANP. Já aprovamos leis anti-fracking em 512 municípios brasileiros e seguimos na luta para preservar a Amazônia e proteger os Territórios Indígenas brasileiros.

Recomendações

Na busca incessante pela garantia dos direitos dos povos originários, é essencial adotar uma série de medidas fundamentais. Primeiramente, é imperativo exigir a revogação da Lei nº 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal, que perpetua injustiças e violações ao estabelecer que os povos originários só têm direito às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, desconsiderando séculos de história e ancestralidade.

Além disso, é crucial pressionar o Estado brasileiro para que acelere e efetive a demarcação e proteção dos territórios indígenas, pois essa indefinição os torna alvos de empreendimentos predatórios que se aproveitam da brecha legal para invadir e explorar ilegalmente essas áreas, causando danos irreparáveis. 

É também necessário exigir o cumprimento integral dos direitos estabelecidos na Convenção 169 da OIT, incluindo o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas em todas as decisões que afetem seus territórios, garantindo assim a sua integridade e autonomia.

A participação ativa em campanhas, manifestações e iniciativas de conscientização sobre a importância dos territórios indígenas para o Brasil e para o mundo é essencial. Devemos apoiar e fortalecer as organizações e lideranças locais, reconhecendo o papel central que desempenham na defesa de seus direitos e do meio ambiente equilibrado.

Por fim, é fundamental estabelecer alianças interinstitucionais entre organizações da sociedade civil, instituições acadêmicas, empresas socioambientalmente responsáveis e órgãos governamentais comprometidos com a causa. Somente através de soluções sustentáveis e integradas, construídas em conjunto, poderemos garantir a preservação e proteção desses territórios sagrados, essenciais não apenas para as comunidades que os habitam, mas para a saúde do nosso planeta.

Este conjunto de ações representa um compromisso coletivo em defesa da justiça, da dignidade e da preservação ambiental, guiado pelo respeito às culturas ancestrais e à sabedoria dos povos indígenas. Juntos, podemos ser a força que transforma a realidade e assegura um futuro onde a harmonia entre humanidade, natureza e diversidade cultural seja não só um ideal, mas uma realidade concreta e duradoura.

Considerações Finais

Que este artigo seja mais do que uma reflexão, mas um convite à ação permanente, em uma jornada de compromisso e respeito pela diversidade cultural e ambiental que torna o Brasil único.

Diante dessas novas fronteiras da injustiça que avançam sobre os povos indígenas, é imperativo que nos posicionemos todos na luta pela preservação de suas terras, culturas e modos de vida. 

Que o propósito do bem comum promova uma corrente de solidariedade e esperança, em direção a um futuro onde os territórios indígenas sejam protegidos, respeitados e celebrados como pilares da nossa identidade e da nossa sustentabilidade como nação.

Que a coragem e a resistência dos povos originários sejam o exemplo propulsor de uma jornada coletiva, onde cada gesto de apoio, cada voz que se levanta e cada ação planejada e executada seja um tributo à vivência, e não a mera sobrevivência, dos povos indígenas do Brasil.

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1. Os dados foram compilados no documento Análise de risco socioambiental e climático do 4º Ciclo de Oferta Permanente da ANP.

2. Esses dados foram compilados no documento Áreas arrematadas no 4º Ciclo da Oferta Permanente da ANP.

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* Paôla Manfredini é consultora em patrimônio cultural, pesquisadora e mestre em história pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente, exerce o cargo de gerente socioambiental, comunidades e clima do Instituto Internacional ARAYARA. E-mail: paola.manfredini@arayara.org