+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org
Arayara na mídia | No ritmo da destruição: a exploração de Petróleo e The Rolling Stones

Arayara na mídia | No ritmo da destruição: a exploração de Petróleo e The Rolling Stones

Artigo de opinião originalmente publicado em Ecoa UOL em 29/09/2024.

Por: Beatriz Mattiuzzo* e Vinícius Nora e Kerlem Carvalho
*Colunista de Ecoa e Colaboração para Ecoa

Os rolling stones estão no Brasil – poderiam ser só mais uma atração do Rock in Rio, mas os astros aqui são um pouco diferentes: pedrinhas, nódulos calcários que literalmente rolam no fundo do mar (o que gerou o trocadilho com a banda). Chamadas de rodolitos em português, você pode se perguntar por quê se importar com pedras a centenas de metros abaixo da superfície do mar. Bom, porque é o rolar delas que decide nosso futuro.

Os rodolitos são feitos de algas calcárias que foram se acumulando ao longo de séculos, formando nódulos e podem ser formados inteiramente por apenas uma ou várias espécies de algas juntas. . Quando muitas dessas bolinhas estão juntas num mesmo local, temos um   banco de rodolitos. No Brasil, esses ambientes atuam como sumidouros de carbono, tendo papel fundamental no ciclo biogeoquímico do carbono no Atlântico Sul, por capturarem e armazenarem carbono em estruturas estáveis. Dessa forma, além de contribuírem para a regulação do clima,  sustentam uma biodiversidade marinha única e servem como habitats cruciais para várias espécies.

Ainda assim, todos os anos presenciamos uma desenfreada tentativa de expansão da indústria fóssil nos bancos de rodolitos dispostos em várias bacias sedimentares brasileiras – como se nada fossem.

Em 2021, por exemplo, a Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) realizou a 17ª Rodada de Licitação de Petróleo e Gás Natural, ofertando 92 blocos de exploração em 4 Bacias: Potiguar (Nordeste), Campos, Santos (Sudeste) e Pelotas (Litoral de Santa Catarina). Em Santa Catarina, os blocos estavam localizados em cima de alguns dos principais bancos de rodolitos do país. Na ocasião, o Instituto Internacional Arayara mobilizou uma ação civil pública e conseguiu com que a 6ª Vara da Justiça Federal em Florianópolis suspendesse a oferta dos blocos e exigisse a realização de estudos ambientais sobre os ecossistemas. 

A vitória, no entanto, não garante a proteção a longo prazo – e áreas com bancos de rodolitos continuam sendo incluídas em novos processos licitatórios. No edital liberado recentemente para revisão pública temos diversas áreas sensíveis em jogo: a Cadeia Vitória-Trindade, bancos isolados próximos a Abrolhos e o Grande Sistema Recifal Amazônico (GARS) são alguns deles. 

No contexto global de transição energética, a exploração de recursos fósseis enfrenta o desafio de conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação ambiental. É um velho dilema que cada vez fica mais atual: a crise climática está aí, mas talvez nem as enchentes, nem a seca e nem a fumaça que cobre 60% do país seja suficiente para convencer alguns grandes investidores do petróleo. 

Os ambientes submersos são tão valiosos para o clima quanto qualquer floresta em terra firme, afinal as algas produzem grande parte do oxigênio que respiramos e explorar petróleo neles é quase como colocar fogo na Amazônia – e a gente já viu e sentiu onde isso vai dar né?! Cof, cof.

Foto: Rodolitos, algas calcárias acumuladas ao longo de séculos em forma de nódulos. Rodrigo Moura/UFRJ/via Agência Fapesp

Novos blocos buscam turbinar óleo e gás em territórios tradicionais, sob temor de fracking

Novos blocos buscam turbinar óleo e gás em territórios tradicionais, sob temor de fracking

Técnica de fraturamento hidráulico leva risco a aquíferos, e não há clareza sobre intenção de empresas em adotar a prática nas novas frentes de combustíveis fósseis

Os muras de Sissaíma, uma pequena terra indígena à espera de demarcação na região de Careiro da Várzea, no leste do Amazonas, estão cercados por fazendas e búfalos.

O fogo está incorporado à rotina nessas propriedades, e os indígenas convivem com ondas volumosas de fumaça na seca amazônica, apesar de garantirem a existência de uma ilha verde em meio aos descampados rurais. Os búfalos criados pelos fazendeiros, dependentes da água, contaminam rios e lagos e impedem a procriação de peixes.

Os indígenas ainda enfrentam o cerco de madeireiros ilegais e o avanço do comércio de drogas em comunidades vizinhas.

Em Sissaíma, onde vivem 32 famílias, a maioria é evangélica. A religião é vista pelas lideranças como um contraponto às drogas.

Num sábado de junho, a aldeia recebeu convidados de outras comunidades do rio Mutuca para a inauguração de um centro cultural. Os bois levados pelos convidados viraram churrasco. No palco, uma banda tocou músicas gospel em ritmo de forró.

Criancas da Terra Indigena Sissaima brincam no rio Mutuca. A comunidade esta localizada na area de um bloco arrematado para a exploração de petróleo e gás.

 

Entre os muras de Sissaíma, praticamente ninguém sabe da existência de um projeto de exploração de petróleo em um bloco situado a menos de um quilômetro do território. Se o projeto sair do papel, será a nova frente de embate dos quase 200 indígenas que vivem nesse ponto da Amazônia ocidental.

“Em 2017, uma pessoa do Cimi [Conselho Indigenista Missionário] falou que existe um bloco de petróleo a 700 metros daqui”, afirma o cacique do território, Ozeias Cordeiro, 43. “Desde então, nunca mais ouvi falar disso.”

O projeto ganhou contornos mais concretos a partir de dezembro de 2023, quando cinco blocos para exploração de óleo e gás na Amazônia foram ofertados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Os cinco blocos da Bacia de Amazonas impactam unidades de conservação e comunidades tradicionais, e algumas estão dentro das áreas dos blocos, como apontou o MPF (Ministério Público Federal) em laudos de perícia e em ação civil pública que pede que a Justiça Federal no Amazonas anule a concessão dos blocos.

No caminho do que pode ser uma nova fronteira de óleo e gás na amazônia, caso as empresas que arremataram os blocos levem os projetos de prospecção adiante, estão seis terras indígenas e 11 unidades de conservação, conforme os laudos elaborados pelo MPF.

A busca por combustível fóssil passa por áreas de proteção da região de Manaus onde está o encontro dos rios Negro e Solimões e onde vive uma espécie de macaco –o sauim-de-coleira– endêmica e ameaçada de extinção, segundo os laudos.

Os blocos AM-T-107 –o que está próximo a Sissaíma e a outras terras indígenas dos muras–, AM-T-133, AM-T-63 e AM-T-64 foram arrematados pela ATEM Participações.

Em nota, a ATEM afirmou que o arremate das áreas foi precedido de diagnóstico socioambiental e que existe manifestação conjunta dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente.

“A ATEM cumpriu rigorosamente com todos os requisitos estabelecidos pelo edital de licitações e reafirma seu comprometimento com o cumprimento das leis e das decisões judiciais, em respeito ao meio ambiente, às populações tradicionais e ao desenvolvimento econômico da região”, disse.

A área de acumulação marginal Japiim –um campo com prospecção passada e com potencial de existência de petróleo– foi arrematada por consórcio formado por Eneva, empresa que já detém o maior empreendimento privado de óleo e gás na amazônia, na região de Silves (AM), e ATEM Participações. Segundo a Eneva, o contrato de concessão de Japiim não foi assinado.

Em 14 de junho deste ano, em decisão liminar, a Justiça Federal no Amazonas determinou que a ANP e a União deixem de assinar os contratos referentes ao leilão feito em dezembro, enquanto não houver consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais que possam ser impactados.

A ANP afirmou, em nota, que cumpre decisões judiciais e que os contratos não foram assinados. A agência recorreu contra a liminar. “Os blocos não incidiriam ou interfeririam em terras indígenas e unidades de conservação”, disse.

No caso do AM-T-133, a área onde está o território reivindicado pelos maraguás deve ser excluída de dentro do bloco, conforme a liminar. Esses indígenas estão em aldeias nos rios Abacaxi e Paraconi, na região de Nova Olinda do Norte (AM), e vivem um histórico processo de marginalização, enquanto tentam a demarcação do território.

A decisão cita um argumento do MPF para que um bloco não fosse levado a leilão: o edital não especificava se “estariam ou não contempladas as atividades de exploração e produção com recursos não convencionais (especificamente por meio da técnica de fraturamento hidráulico, conhecida como ‘fracking’)”.

O “fracking” é uma técnica polêmica que objetiva potencializar a exploração de gás natural. Consiste na injeção de fluidos pressurizados num poço, em volumes acima de 3.000 m3, com objetivo de gerar fraturas em rochas de baixa permeabilidade, garantindo a recuperação dos hidrocarbonetos.

A técnica é bastante criticada em razão dos riscos de contaminação de recursos hídricos superficiais e de aquíferos, ocupação de grandes espaços para perfuração de múltiplos poços, grande consumo de água e uso de substâncias químicas, como cita um dos laudos do MPF usados na ação civil pública movida na Justiça Federal no Amazonas. Está também associada à liberação de metano na atmosfera, um dos principais gases de efeito estufa.

As empresas que atuam com gás e petróleo no Brasil costumam negar o uso clássico da prática. Em agosto de 2023, numa reunião na Procuradoria da República no Amazonas, representantes da Eneva foram questionados sobre intenção da empresa de adotar a prática para a exploração de gás.

Segundo um dos representantes, “existem poços horizontais que às vezes se faz ‘fracking’ (fratura) na vertical”. “Contudo, isso tem implicações diferentes da [prática na] Argentina (região de Vaca Muerta), por exemplo”, afirmou, conforme a transcrição da reunião.

Ainda conforme o representante da empresa, “no momento” não há intenção de prática de “fracking” nos moldes mais danosos.

“A Eneva não pratica ‘fracking’ em nenhum de seus ativos”, disse a empresa, em nota. “A frase em questão [sobre o ‘fracking’ na vertical] foi tirada do contexto.”

O diretor de exploração da empresa, Frederico Miranda, afirmou que a técnica não é utilizada em nenhum dos ativos e das bacias da Eneva, “nem vislumbramos utilizar”. “Toda nossa produção de gás natural é oriunda de poços convencionais.”

A ANP disse que, de fato, o edital do leilão feito em dezembro não especificou uma proibição da técnica, “o que não equivale a uma autorização para sua utilização, que deverá ser precedida de autorização dos órgãos ambientais estaduais e aprovação específica da ANP”.

Em 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), o Ministério de Minas e Energia lançou um edital para “realização experimental e monitorada” de atividade de perfuração e fraturamento hidráulico. A Eneva foi uma das poucas empresas que fizeram colaborações, em consulta pública, para o edital.

“A Eneva valoriza a realização experimental e monitorada das atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos em reservatórios não-convencionais de baixa permeabilidade”, afirmou a Eneva em ofício ao ministério, em abril de 2022.

Segundo o diretor da empresa, “pesquisa é diferente de exploração”.

Independentemente da técnica utilizada, o futuro do óleo e do gás na amazônia repete o passado, especialmente as sucessivas ações da Petrobras –antes, durante e depois da ditadura militar– para perfuração de poços e tentativa de acesso ao combustível fóssil.

Na terra Sissaíma, quem tem mais de 40 anos de idade lembra da ofensiva por petróleo na região.

“Quando eu era curumim [criança], a Petrobras andava por aqui detonando dinamites. Eles faziam estradas e abriam clareiras. Meu pai trazia restos de explosivos, a gente brincava com isso”, diz Ozeias, o cacique do território.

Manoel Francisco Cordeiro, 70, pai de Ozeias, afirma que os operários trocavam comida enlatada por peixe e caça. E sinalizavam com “fitas vermelhas para a gente ver” os perímetros demarcados para a busca por petróleo. “Eles detonavam as bombas dentro da água. Aquilo matava muito peixe. Diziam estar procurando petróleo.”

Na Vila Izabel, uma pequena comunidade com 21 famílias muras e mundurukus e que está no caminho para o campo de Japiim, os indígenas apontam estruturas próximas que indicam uma tentativa de exploração de petróleo na região. A cidade mais próxima é Itapiranga (AM), região onde a Eneva expande a exploração de gás e óleo.

“Num terreno que comprei, tem um uma placa de ferro antiga indicando um poço”, diz Clara Aldecira, 33, cacica da Vila Izabel.

Irmão de Clara, Manoel Matos, 40, conhece o exato lugar onde há uma estrutura, semelhante a uma válvula, que indica uma prospecção passada por óleo. “Mandaram plantar capim aqui. É porque alguma coisa de bom e valioso tem nesse poço”, afirma.

Até agora, a comunidade não foi procurada pela Eneva ou pela ATEM para uma conversa sobre intenções de exploração de óleo e gás no campo de Japiim. “Nas audiências que eles fizeram [sobre o empreendimento que já existe, no campo de Azulão], eles disseram que não existem indígenas em Itapiranga”, diz Clara.

Na comunidade do Lago do Catalão, próxima de Manaus e do encontro entre os rios Negro e Solimões, o agricultor Elber Figueiredo, 77, relembra o período em que trabalhou para empresas terceirizadas da Petrobras, na busca por petróleo na amazônia. Isso ocorreu entre as décadas de 70 e 80.

“A empresa prospectava e fazia um poço. Quando furava, estava vazio, sem petróleo”, diz Elber. Ele é marido de Raimunda Viana, 62, presidente da Associação Comunitária e Agrícola do Lago do Catalão. Ela afirma nunca ter ouvido falar sobre projetos de óleo e gás na região. “Espero que não venham mexer com a gente.”

Catalão tem 112 casas, todas elas flutuantes, com as famílias vivendo no ritmo do rio Negro. A comunidade está no caminho de um dos blocos leiloados em dezembro, conforme laudos usados pelo MPF.

A preocupação de Raimunda e de outros moradores da comunidade é fazer prosperar a roça de mandioca plantada em um terreno de uma ilha vizinha, que segue sem inundação após a seca extrema de 2023.

“Plantamos mandioca e queremos plantar melancia”, diz Alcilene Pontes, 63, que trabalha na roça com Raimunda.

A prospecção de petróleo, mesmo que não resulte em exploração efetiva, tem efeitos danosos, por envolver várias perfurações e a retirada de óleo para quantificação, afirma Juliano Bueno, diretor do instituto Arayara, uma ONG (organização não-governamental) que atua contra a expansão da exploração de combustíveis fósseis.”As empresas estão cientes dos impactos dessa exploração na amazônia, mas insistem em modelos predatórios”, diz Bueno.

 

Segundo ele, a concessão dos novos blocos pode desencadear um processo de grilagem de terras associada à expectativa pelo petróleo. “Grileiros viram ‘donos’ da terra compreendida nos blocos para vender à empresa que ganhou o leilão e que é dona do subsolo.”

Em meio a prospecções diversas feitas na floresta nas décadas passadas, como na região do médio rio Solimões ou no Vale do Javari, uma vingou. A Petrobras explora petróleo há mais de 30 anos na província petrolífera de Urucu, no meio da floresta, em Coari (AM). É a mais antiga iniciativa de exploração de combustível fóssil, ainda em curso, na amazônia.

Com novas concessões feitas, a aposta em petróleo e gás pode repetir o passado. O Lago do Rei, em Careiro da Várzea, está no caminho de um dos blocos arrematados, segundo os laudos do MPF.

Existe um conjunto de 62 lagos na região, com diversas comunidades de pescadores, como a Cristo Rei, onde vivem 83 famílias.

Ali, ninguém está pensando em petróleo. O que os pescadores querem é contornar os efeitos das secas severas dos últimos anos, seguir em busca de curimatã e pacu, aproveitar ao máximo a tradicional pesca controlada do mapará em março e viabilizar o manejo de caça de jacaré.

Fonte: Folha de São Paulo

Leilão do Juízo Final: estudo técnico motiva a ANP a adotar novos critérios socioambientais para a inclusão de blocos exploratórios e de área com acumulações marginais da Oferta Permanente de Concessão – OPC

Leilão do Juízo Final: estudo técnico motiva a ANP a adotar novos critérios socioambientais para a inclusão de blocos exploratórios e de área com acumulações marginais da Oferta Permanente de Concessão – OPC

Na última terça-feira, 3 de setembro, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou a Audiência Pública nº 02/2024, onde foram discutidas as alterações propostas na minuta do edital da Oferta Permanente sob o Regime de Concessão (OPC). O evento recebeu contribuições de 11 organizações , entre elas, o Instituto Internacional ARAYARA, em colaboração da Coalizão Não Fracking Brasil (COESUS), do Observatório do Petróleo e Gás (OPG), Coalizão Energia Limpa e  da Fé, Paz e Clima, que destacou os impactos socioambientais da exploração de petróleo e gás no Brasil.

 

Das 132 contribuições recebidas pela ANP, 45 foram enviadas pelo Instituto ARAYARA: 39 para a minuta do edital de licitações, além de 6 contribuições para a minuta do contrato de concessão de blocos com risco exploratório.

 

Entre as principais preocupações levantadas pela ARAYARA estão a continuidade de violações das regras relativas às salvaguardas socioambientais previstas, a degradação do solo, água e ar, e os impactos sociais sobre as comunidades tradicionais. A organização também questionou o curto prazo dado para a submissão de contribuições, argumentando que as comunidades locais e pequenas empresas não teriam tempo suficiente para revisar adequadamente os complexos contratos e editais.

 

“Parabenizamos a ANP pelas adequações realizadas às poligonais dos blocos, muitas delas atendendendo pedidos feitos pela ARAYARA e COESUS, mas reconhecemos que  há um trabalho ainda mais aprofundado a ser realizado pela agência”, declarou Nicole Oliveira, diretora executiva do Instituto Internacional Arayara.

 

Estudos e Litigância

 

Dr.Juliano Bueno de Araújo, relatou a importância das revisões e análises ambientais rigorosas da ANP para reduzir riscos e danos. Ele ressaltou a série de cadernos técnicos produzidos pela ARAYARA para o 4º Ciclo de Oferta Permanente, que foram fundamentais para a suspensão da assinatura dos blocos de exploração de petróleo na Amazônia em 2023. 

 

“Os conflitos com as salvaguardas ambientais fez com que o presidente da ANP suspendesse o edital para a revisão dos blocos em oferta. Entretanto, em nossa análise, verificamos que, atualmente, a ANP reduziu o número de blocos, porém a área total ofertada aumentou. Agora 3% do território nacional  está em oferta”, pontua o diretor presidente do Instituto Internacional ARAYARA e da COESUS.

 

Leilão do Juízo Final

 

Buscando evitar impactos ambientais adversos e assegurar a conformidade com as diretrizes socioambientais e biodiversidade do país, o Instituto ARAYARA recomendou a exclusão/revisão dos blocos do edital da Consulta Pública nº 02/2024.

 

De acordo com estudo apresentado, 66 blocos ainda estão em desacordo com as salvaguardas regimentais apresentadas pela própria ANP (considerando Nota técnica Conjunta 08/2024). 

 

“Embora sejam feitas correções no shape que eliminem sobreposições a Terras Indígenas, ainda assim, esses blocos se sobrepõem a outros critérios, como assentamentos, fauna e flora Ameaçadas de Extinção”, explica a diretora executiva da ARAYARA, Nicole Oliveira. O estudo mostra que 31 blocos ainda estão sendo propostos na Amazônia Legal; 47 blocos ainda estão sendo propostos na Costa Amazônica e 2 blocos sobrepostos a Unidades de Conservação.

 

Os dados fazem parte do Caderno Técnico intitulado de Leilão do Fim do Mundo, elaborado com base nos dados do Monitor da Amazônia Livre de Petróleo e Gás e do Monitor Oceano.

Mais de sete judicializações movidas pelo Instituto ARAYARA motivaram a ANP a adotar novos critérios socioambientais para a inclusão de blocos:

 

  • No 4º ciclo da Oferta Permanente, 10 blocos indicados no estudo da ARAYARA tiveram suas áreas integralmente excluídas: 4 na Bacia do Potiguar, devido a existência da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), Ponta de Tubarão e da Área de Proteção Ambiental (APA) Dunas do Rosado; e 6 na Bacia de Tucano, devido à presença de Terras Indígenas;

 

  • 79 dos 404 blocos da Consulta Pública nº 02/2024 precisaram sofrer recortes que somam uma redução da área dos blocos de 24 mil km²;

 

  • Com base  nos estudos e ações levantadas pela ARAYARA, durante o leilão do fim do mundo, a ANP adotou novos critérios de exclusão: (i) Área de Influência Direta (AID) de Terras Indígenas e Territórios Quilombolas; (ii) Zonas de amortecimento de Unidades de Conservação;  (iii) Áreas densamente povoadas; (iv) Áreas de mineração de sal-gema.  

 

Consulta aos povos tradicionais

 

A coordenadora do Programa Fé, Paz e Clima, Luíza Machado, ressaltou o direito de povos indígenas e comunidades tradicionais à consulta prévia, livre e informada em caso de empreendimentos que os afetem, conforme está previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 

Vinícius Nora, gerente de Oceanos e Clima da ARAYARA, pontuou a falta de participação do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) neste processo de decisão diante das comunidades de pescadores e pescadoras, que também são fortemente impactadas e não estão incluídos no grupo de povos tradicionais.

 

É importante ressaltar que a Economia da Pesca desempenha grande papel na balança comercial brasileira, movimentando toneladas de produtos para a subsistência, distribuição nacional e exportação para diversos países das Américas, Ásia e Europa. Dados do estudo Impactos do Avanço do Petróleo na Pesca da Costa Amazônica, do Instituto ARAYARA, revelam que apenas no ano de 2022, somente as exportações de subprodutos da pesca como bexigas natatórias, totalizaram US$18,6 bilhões para Hong Kong. 

 

Isso mostra que o investimento de US$3,1 bilhões previsto pela indústria fóssil para a Margem Equatorial nos próximos cinco anos – de acordo com o Plano Estratégico (2024-2028) – representa uma expressividade de mercado muito menor em relação à cadeia produtiva da pesca.

 

Não Fracking Brasil

 

Nicole Oliveira, que também atua como Coordenadora Nacional da COESUS, alertou sobre a urgência do Brasil em adotar energias renováveis. “Se as políticas atuais forem mantidas, estima-se que o aquecimento global seja limitado a 3°. O cumprimento de todas as promessas incondicionais e condicionais até 2030 reduz essa estimativa para 2,5°C”. 

 

A missão  da Coesus é impedir o Fracking e desenvolver uma economia de baixo carbono, propondo soluções energéticas que tornem a sociedade dona de uma energia barata, livre, limpa e que não ofereça riscos.

 

Também participaram da audiência representantes do setor de petróleo, como a EnerGeo, que defenderam a continuidade das atividades exploratórias, argumentando que a exploração é crucial para manter a autossuficiência energética do Brasil e combater a pobreza em regiões carentes.

 

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) prevê que, em 2024, os investimentos na fase de exploração dos contratos de petróleo e gás natural cheguem a cerca de R$10 bilhões (R$9,97 bilhões). O número está no Relatório Anual de Exploração 2023, publicado nesta segunda-feira (2).

 

Dos investimentos previstos apenas para 2024, R$9,50 bilhões serão alocados em ambiente marítimo, sendo R$8,50 bilhões na perfuração de poços. Para o ambiente terrestre, a previsão é de R$470 milhões.

Ato em Brasília marca 5 anos do maior desastre de petróleo no Brasil e alerta para futuros riscos

Ato em Brasília marca 5 anos do maior desastre de petróleo no Brasil e alerta para futuros riscos

O Instituto Internacional Arayara, em parceria com organizações não governamentais e representantes da sociedade civil, realizará um ato simbólico para marcar os cinco anos do maior derramamento de petróleo considerado o maior crime ambiental em extensão que já ocorreu no Brasil. O evento ocorrerá em Brasília, no dia 28/8, às 9h, em frente ao Ministério de Minas e Energia. O objetivo é rememorar o desastre de 2019 e exigir a responsabilização dos culpados por este crime ambiental.

Mais de mil localidades foram atingidas em 130 municípios em 11 estados em uma área total superior a 4 mil km, segundo o último relatório publicado pelo Ibama no dia 20 de março de 2020. Na época, sob a liderança do então Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o Plano Nacional de Contingência de Incidentes com Óleo (PNC) foi acionado tardiamente, deixando comunidades costeiras desamparadas e expostas à poluição. 

O gerente de Oceanos e Clima do Instituto Internacional Arayara explica que cinco anos após o derramamento, a situação continua crítica com a construção e operação de projetos de extração de petróleo e gás que causam danos físicos diretos aos ecossistemas, devastando ambientes coralíneos prioritários para a conservação. 

“Atualmente, 63% das áreas do PAN Corais na Costa Sul e Sudeste, 24% na Região do Sistema de Recifes Amazônicos e 14% na região da cadeia marinha ao redor da APA de Fernando de Noronha estão sobrepostas por blocos de petróleo em alguma categoria (exploração, concessão, oferta e estudo)”, declara Vinícius Nora. Os dados são o Monitor Oceano e Amazônia Livre de Petróleo, ferramentas que monitoram os impactos da exploração fóssil em ecossistemas marinhos brasileiros.

Crime sem culpados

O impacto do vazamento de 2019 foi devastador para diversos setores, incluindo o turismo e a saúde pública, com 144 mil pescadores artesanais do Nordeste em risco, além de outras regiões, como Espírito Santo e Rio de Janeiro, também afetadas.

A Secretária Executiva da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem) comenta a importância de relembrar os 5 anos do derramamento de petróleo, sobretudo pela falta de ações  e explicações por parte do governo. “As consequências  foram devastadoras para a vida de pescadores e pescadoras na cadeia produtiva da pesca. Ficamos em vulnerabilidade financeira e alimentar e tivemos também a nossa saúde afetada, especialmente as pescadoras, que  evidenciam até hoje na pele as graves queimaduras sofridas “, relata Ana Paula Santos.

Apesar da gravidade do crime ambiental, a sociedade brasileira segue sem respostas e responsabilização dos culpados. Em 2019, A CPI do Óleo foi instaurada para investigar o caso, porém, houve interrupção por conta da pandemia do COVID-19. Quando retomada em 2021, encerrou-se sem um relatório conclusivo. 

No mesmo ano, a Polícia Federal apontou o navio petroleiro grego Bouboulina, da empresa Delta Tanker, como o principal suspeito. Entretanto, as investigações iniciais indicaram que o óleo derramado tinha características físico-químicas compatíveis com o “DNA” do petróleo venezuelano.

Nora questiona as incertezas e falta de estrutura governamental e corporativa para responder a esse tipo de acidente. “Isso fica evidente quando empresas como a Petrobras propõem um plano de emergência para vazamentos em seus projetos na Foz do Amazonas, prevendo cerca de 48 horas de navegação partindo de Belém até o ponto dos blocos. É esse o aprendizado que tiramos do derramamento de 2019?”.

Litigância

O Instituto Internacional Arayara, uma das principais entidades de resistência ao avanço da indústria de óleo e gás no país, alerta que, se o governo brasileiro não tomar medidas concretas para esclarecer a origem do petróleo derramado na costa brasileira e responsabilizar os verdadeiros culpados, a organização recorrerá à Corte Internacional. 

“A Polícia Federal estimou R$525,3 milhões de danos causados pelo vazamento de óleo. Portanto, as comunidades afetadas por esse desastre precisam ser indenizadas, e é preciso reparar também todos os danos ambientais que ainda afetam a região”, ressalta Juliano Bueno, diretor técnico da Arayara. 

Prêmio Óleo sobre Pesca

O Instituto Internacional Arayara, em parceria com o grupo Jovens pelo Clima e o GT-Mar, Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha, além de  ativistas e representantes da sociedade civil, em um ato simbólico e pacífico, farão a entrega do “Prêmio Óleo sobre Pesca” ao Ministro Alexandre Silveira e à presidente da Petrobras, Magda Chambriard, no Ministério das Minas e Energia. 

O Prêmio Óleo Sobre Pesca foi confeccionado pelo grafiteiro e ativista Mundano, baseado em uma  de suas famosas esculturas que remonta o drama do derramamento de 2019.

Durante o ato, uma Carta Manifesto também será entregue ao Ministério das Minas e Energia; ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; ao Ministério dos Povos Indígenas; ao Ministério da Pesca e Aquicultura; à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e à Casa Civil. A iniciativa é assinada pelo Instituto Internacional Arayara, em parceria com mais de cem organizações entre movimentos sociais e populares, coalizões, coletivos, parlamentares, redes e organizações da sociedade civil.

Falta de recursos na ANP

O evento busca também questionar o governo sobre a capacidade atual do país de lidar com futuros derramamentos de petróleo, visto que o Brasil tem uma das maiores costas marítimas do mundo. Araújo declara que sem uma revisão dos recursos e da infraestrutura da ANP – que vem enfrentando uma redução drástica no seu orçamento, ano após ano – a margem equatorial brasileira continuará vulnerável e sem a devida capacidade de responder a eventuais acidentes de forma efetiva. 

“O ato em Brasília reforça a necessidade de um plano de contingência robusto e a renovação das políticas de proteção ambiental, fundamentais para evitar que tragédias como a de 2019 se repitam”, pontua Juliano Araújo Bueno.

SERVIÇO

Data: 28 de agosto de 2024

Horário: A partir das 9h

Local: Área externa Ministério de Minas e Energia (MME) – Esplanada dos Ministérios, Brasília (DF)

Arayara lança monitor e aponta áreas sensíveis para a indústria de petróleo

Arayara lança monitor e aponta áreas sensíveis para a indústria de petróleo

A entidade atua como resistência ao avanço da indústria petrolífera no país. Em seu Monitor Oceano, ela identifica regiões onde acredita que o setor não deve atuar.

Fernando de Noronha, uma das áreas com sobreposição de blocos segundo o Arayara (Foto: ICMBio)

Uma das principais entidades de resistência ao avanço da indústria de óleo e gás no país, o Instituto Arayara produziu um mapa de monitoramento dos impactos da exploração do ambiente marinho-costeiro pelo setor, o Monitor Oceano. Entre as diversas indicações no documento estão a de definitiva suspensão da atividade “em áreas ecologicamente sensíveis, a adoção de tecnologias menos impactantes e planos palpáveis para um processo de transição energética justa”.

O Arayara entrou na Justiça em dezembro do ano passado para barrar a concessão de áreas no leilão de oferta permanente da ANP. O intuito não era apenas ganhar o processo judicial e impedir a realização da concorrência, mas também alertar as empresas para o risco de investir nessas áreas, por conta de uma possível dificuldade de licenciamento e de sofrer acusações da opinião pública.

Os focos nesse leilão foram, sobretudo, as Bacias do Amazonas, Sergipe-Alagoas e Paraná. As reivindicações do Arayara repercutiram na imprensa, principalmente por tratarem de blocos que estariam na área de abrangência de Fernando de Noronha. Na época, a indústria negou prejuízos à região. Mesmo assim, o bloco alvo de contestação não foi arrematado.

No mapa divulgado na última quarta-feira (14), a entidade identificou 483 blocos exploratórios e campos em produção de óleo e gás sobrepostos às áreas do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Recifes de Coral (PAN Corais). A sobreposição, segundo o instituto, abrange área de 99 mil km², o equivalente a 19% do total das áreas do plano, sendo que 14% destes projetos ainda estão em oferta ou em estudo.

O mapeamento identificou sobreposição às áreas do PAN de regiões consideradas tesouros nacionais, como a Ilha de Fernando de Noronha e o Banco dos Abrolhos. O Grande Sistema Recifal do Amazonas também está no mapa. Há uma disputa entre ambientalistas e a indústria de óleo e gás sobre os prejuízos da exploração na Margem Equatorial sobre esse bioma. A maior parte das áreas de sobreposição, no entanto, está localizada na Bacia de Santos (125) e Foz do Amazonas (98).

Há ainda, segundo o documento, 167 áreas de exploração e produção que se sobrepõem a unidades de conservação ou suas zonas de amortecimento. Nesse caso, são destaques as bacias do Espírito Santo e de Sergipe-Alagoas, consideradas umas das mais atrativas pela indústria, frente ao esgotamento da Bacia de Campos e do amadurecimento da região de pré-sal.

O monitor do Instituto Arayara foi produzido a partir de dados geoespaciais de fontes governamentais e de autarquias.

Fonte: Brasil Energia