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Lançamento do Estudo da Pesca mobiliza sociedade à conservação da Costa Amazônica

Lançamento do Estudo da Pesca mobiliza sociedade à conservação da Costa Amazônica

Lançamento nesta sexta-feira (10) divulgou dados do estudo “Impactos do avanço do petróleo sobre a pesca da Costa Amazônica”, que traz análises dos diferentes cenários de risco à indústria pesqueira já consolidada na região.

Expressiva nos estados do Maranhão, Pará e Amapá, a indústria pesqueira desempenha grande papel na balança comercial brasileira, movimentando toneladas de produtos para a subsistência, distribuição nacional e exportação para diversos países das Américas, Ásia e Europa.

Podendo ser considerada o “novo pré-sal” – pelo número de blocos de exploração de óleo e gás presentes na região e as possíveis reservas de petróleo, a Costa Amazônica também é um importante local de preservação, abrigando grande biodiversidade marinha e a segunda maior faixa contínua de manguezais do mundo. Comunidades tradicionais, biomas e a economia da pesca estariam em risco caso a indústria petrolífera avance.

 

Organizado pelo Departamento de Oceanos e Clima do Instituto Internacional Arayara, o Estudo da Pesca é um produto da Campanha permanente #SalveaCostaAmazônica, que tem como um dos objetivo promover iniciativas de conscientização em prol da conservação do litoral norte do Brasil, abundante em biodiversidade, comunidades e conhecimentos tradicionais que expressam a riqueza natural e cultural do país.

Como uma ferramenta de informação e mobilização, o Estudo busca contribuir para a valorização da atividade da pesca, artesanal e industrial, que possui uma cadeia produtiva abrangente e que gera empregos e rendas para a região. São cerca de 1 milhão de pescadores no Brasil; mais da metade (571 mil) concentrando-se no Pará, Amapá e Maranhão – região analisada no estudo, que, por sua vez, apresenta mais da metade sendo representada por mulheres (53%, segundo o Registro Geral da Atividade Pesqueira). São pescadoras e marisqueiras que sustentam seus lares, alimentam populações e preservam a diversidade local.

“Se tem mangue de pé, é porque tem um povo que está lá defendendo, preservando aquela área… com muita dificuldade, mas está lá. Nós somos os guardiões desses manguezais, e sem mangue não tem caranguejo, não tem peixe, não tem nada”, avalia José Carlos, coordenador estadual da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem-Pará). Em fala no evento, ele ainda sinalizou que a população local está preocupada com a discussão do petróleo no território: “Não é que somos contra, mas é para as coisas serem mais debatidas conosco, os donos do território”.

Vinícius Nora, gerente de Oceanos e Clima do Instituto Internacional Arayara, apontou que o lançamento do Estudo expõe uma lacuna que deve ser reparada, que é a falta de estatísticas pesqueiras atualizadas que poderiam subsidiar políticas públicas mais adequadas. “Tais estatísticas podem, deveriam inclusive, ser construídas junto às Reservas Extrativistas, para que sejam, além de atores da conservação, também co-gestores, aprimorando essas ações”, destaca Nora. 

Uma das considerações observadas pelo Instituto na construção deste conhecimento foi a inclusão no Estudo dos debates, demandas e aspirações das Associações, sociais e trabalhistas, locais para uma melhor e holística construção das conclusões e recomendações apresentadas. O Observatório do Marajó, ong parceira local, apoiou em diversas atividades na região e prestigiou o lançamento.

Um coletivo de jovens comunicadores locais também foi mobilizado em uma ação participativa de comunicação no intuito de levar o Estudo para dentro das casas e promover debates sobre o tema. “Nós, do Coletivo Cuíra, somos jovens do Soure, na ilha do Marajó, no Pará, preocupados em formar novas lideranças que levam a importância da região, um local de grande hidrodinâmica, de encontro das águas do Rio Amazonas com as águas do Oceano Atlântico, bem aqui em frente à cidade, cujos pescados representam o sustento de inúmeras famílias”, apontou o jovem Cuíra, Erivelton Chaves, em sua fala no lançamento. “A cadeia produtiva da pesca desempenha um papel central nas Associações de Moradores das RESEXs; ela é importante tanto para fazer circular o dinheiro entre a comunidade quanto para construir políticas públicas, como o seguro defesa das espécies”, destaca. 

O evento também fez referência à situação climática no Rio Grande do Sul, que teve sua capital e centenas de cidades devastadas por enchentes que têm a perspectiva de se tornarem mais recorrentes e mais graves com o avanço das mudanças climáticas.

Eventos extremos como os ocorridos recentemente no Sul do Brasil são um reflexo da ainda expressiva queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o “gás natural”. A abertura de uma nova fronteira de exploração no litoral norte do Brasil pela indústria petrolífera, segundo ambientalistas, não é necessária para suprir a demanda de energia para os próximos anos, e ainda representaria um retrocesso, tanto aos acordos climáticos de frear emissões de gases de efeito estufa no intuito de combater as mudanças do clima, quanto para a conservação ambiental e a preservação de comunidades e culturas tradicionais da região.

Dentre as atividades de lançamento do Estudo da Pesca, inúmeras visitas aconteceram no Congresso Nacional e em órgãos ambientais nacionais, como o Ibama, ICMBio, Ministério da Pesca (MPA) e Câmara dos Deputados. Também foram elaboradas uma Carta Compromisso, para gestores públicos e tomadores de decisão se comprometerem a defender a indústria pesqueira, e inaugurada uma Petição Online, que convoca a sociedade civil a se engajar em prol da conservação do litoral norte do Brasil frente às ameaças que levariam à degradação dos mangues, da vida marinha e do povo que, vivendo em harmonia com a natureza, obtém dela o seu sustento e por isso honra seus ecossistemas e seus serviços ambientais prestados à humanidade. 

Confira como foi a agenda de lançamento do Estudo em Brasília nesta semana:

07/05 – Apresentação ao Deputado Federal Raimundo Costa (PODE/BA), ex-presidente da Federação dos Pescadores do Estado da Bahia (Fepesba) 

08/05 – Apresentação na Subcomissão da Pesca, da “Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural” da Câmara dos Deputados

09/05 – Apresentação ao presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Rodrigo Agostinho

09/05 – Apresentação à diretora de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial (Disat) do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Katia Torres

 

Acesse o estudo e demais materiais informativos sobre o Estudo da Pesca no portal:
https://marsempetroleo.arayara.org/pesca/

 

Assista na íntegra o evento de lançamento do Estudo da Pesca:

 

Arayara debate Exploração de Petróleo na Margem Equatorial em Audiência Pública na Comissão de Minas e Energia

Arayara debate Exploração de Petróleo na Margem Equatorial em Audiência Pública na Comissão de Minas e Energia

A Audiência Pública reunirá legislativo, governo e sociedade civil na próxima quarta-feira, 08/05, na Câmara dos Deputados, em Brasília/DF. O tema envolve o planejamento energético do país para os próximos anos.

 

A exploração de Petróleo e Gás na Margem Equatorial Brasileira tem sido tema de muitos debates públicos e da sociedade civil desde que a região começou a ser cotada como uma reserva promissora de óleo e gás, após descobertas de grandes reservas de petróleo no Suriname e na Guiana Francesa, países vizinhos à fronteira norte do Brasil.

Localizada na faixa de litoral que vai desde o Rio Grande do Norte até o Amapá, a Margem Equatorial também é uma região extremamente rica em biodiversidade e de comunidades tradicionais que dependem desses ecossistemas para o seu sustento, caracterizando-se, assim, como uma região muito sensível a impactos ambientais e passível de grandes medidas de conservação.

Para debater essa questão, que, para além dos aspectos supracitado, envolve também o planejamento energético do país para os próximos anos e para as próximas décadas, a Câmara dos Deputados sedia, na próxima quarta-feira, 08 de maio, uma Audiência Pública com o objetivo de ouvir tanto as partes interessadas na exploração de petróleo na Margem Equatorial, como a Petrobrás, o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP); quanto as partes preocupadas com a conservação ambiental, como o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), e organizações da sociedade civil que atuam em defesa do clima e das comunidades tradicionais, como o Instituto Internacional Arayara e o Instituto Mapinguari.

O objetivo é instrumentalizar a sociedade com o máximo de informações possíveis sobre o tema, a fim de se construir uma opinião pública que paute políticas justas e sustentáveis sobre a Margem Equatorial Brasileira, rica em reservas fósseis, mas também a maior área contínua de manguezais do planeta, lar de inúmeros animais marinhos, de condições ambientais únicas, e região do sustento de muitas comunidades pesqueiras e marisqueiras que impulsionam a economia da região. 

O Instituto Internacional Arayara atua há 30 anos em prol do Desenvolvimento Econômico, Social, Científico, Energético, Climático e Ambiental, no Brasil e em países da América Latina, e se contrapõe à abertura de novas frentes de exploração de combustíveis fósseis, maiores responsáveis pelo aumento de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Para o Instituto, novas áreas de exploração impactam territórios de populações indígenas, quilombolas, sítios arqueológicos, e ainda ferem compromissos ambientais firmados pelo Brasil, como o Acordo de Paris.

A Audiência Pública foi requerida pelos deputados Júnior Ferrari (PSD/PA) e Sidney Leite (PSD/AM). Também confirmaram participação: o Ministério de Minas e Energia (MME), a Marinha do Brasil, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Serviço:

Audiência pública sobre Exploração de Petróleo na Margem Equatorial 

Horário: às 10h, 

Local: Comissão de Minas e Energia – Anexo II, Plenário 14, da Câmara dos Deputados. Brasília/DF.

 

Para informações à imprensa:

Ana Claudia Castro – Gerente de Comunicação do Instituto Internacional Arayara

e-mail: ana.castro@arayara.org e/ou Whatsapp: (61) 99295-2174

Não espante os jaburus: com atraso, indígenas entram na equação do petróleo na foz do Amazonas

Não espante os jaburus: com atraso, indígenas entram na equação do petróleo na foz do Amazonas

Depois de muita insistência, povos do Oiapoque conseguem fazer a primeira reunião com a Petrobras e mostram que já há impacto das atividades da estatal na área que ela pretende explorar. Mesmo assim, o licenciamento avança: uma simulação de acidente de derrame de óleo, considerada a etapa final do processo de licenciamento ambiental, está prevista para este mês

Originalmente publicado em sumauma.com

Nove anos depois do início do licenciamento ambiental para a busca de petróleo em alto-mar na bacia da foz do rio Amazonas, e apenas quando o processo se aproxima de suas etapas finais, as consequências do projeto para os cerca de 8 mil indígenas do Oiapoque, a região mais ao norte da costa brasileira, entraram na pauta do governo federal. Isso só aconteceu por causa da insistência dos quatro povos originários dessa região do Amapá – Karipuna, Palikur, Galibi Kaliña e Galibi-Marworno – em serem consultados sobre a eventual perfuração no chamado bloco 59, cuja operação foi assumida pela Petrobras há dois anos, depois da desistência de sua sócia, a britânica BP. Numa área extremamente sensível social e ambientalmente, a estatal pretende abrir uma “nova fronteira” de exploração do combustível que desafia os compromissos ambientais do presidente Lula, como mostrou reportagem publicada em fevereiro por SUMAÚMA.

 Mapas mostram três terras indígenas que correm risco se as atividades de exploração de petróleo na costa do amapá forem autorizadas. A imagem da esquerda destaca os territórios. A da direita exibe a cobertura vegetal e a hidrografia da região. Infografia: Rodolfo Almeida/Sumaúma

Em sua primeira reunião com uma equipe da Petrobras, em 13 de fevereiro, os indígenas relataram que os voos diários de helicóptero entre o aeroporto do município de Oiapoque e o navio-sonda enviado pela estatal para a zona do bloco 59 em dezembro, quando esperava que a licença de operação saísse ainda naquele mês, já estão provocando impactos negativos nos três territórios indígenas da região: Uaçá, Juminã e Galibi. Voando baixo, eles afugentam aves como o pato selvagem e o jaburu – o tuiuiú, popularizado pela novela Pantanal – e a caça de que as aldeias precisam para alimentação, artesanato e práticas rituais.

Os indígenas se queixaram de que não foram avisados previamente dessa atividade, “que está atrapalhando até o sossego das comunidades”. Além disso, pediram um envolvimento maior da Petrobras na decisão sobre a mudança do lixão de Oiapoque, que fica perto do pequeno aeródromo da cidade. Uma decisão judicial de 2009 já determinava a construção de um lugar adequado, mas ela se tornou mais urgente com os voos da estatal. A ideia original da prefeitura era construir um aterro sanitário perto de duas aldeias, com risco de contaminação de fontes de água.

Neste início de março, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento ambiental, pediu à Petrobras que incluísse a questão dos sobrevoos no Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento e apresentasse “medidas mitigadoras”, uma vez que esses impactos “serão perpetuados” caso seja obtida a licença de operação. Sugeriu também “avaliação superior quanto à pertinência do encaminhamento do processo para manifestação” da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). No caso do aeroporto de Oiapoque, o relatório técnico do instituto, publicado no dia 6 de março, concorda com os indígenas quando afirmam que a Petrobras não deve se isentar da responsabilidade pelos resultados da reforma que patrocina na instalação. Afinal, se ela não fosse base de apoio das atividades da companhia na costa do Amapá, não haveria tais consequências.

A exploração de petróleo em alto-mar ameaça comunidades tradicionais, povos originários e o ecossistema da região cheia de mangues, florestas tropicais e recifes da Foz do Amazonas. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace.

 

Foi a primeira vez que demandas específicas dos indígenas entraram em um documento do Ibama no caso do bloco 59, embora isso tenha ocorrido num momento avançado do processo de licenciamento. Está prevista a realização ainda neste mês de março, talvez já no dia 20, de uma simulação de acidente de derrame de óleo. Caso a Petrobras seja aprovada na chamada Avaliação Pré-Operacional (APO), esta é considerada a última etapa antes da emissão da licença para a prospeção. Em entrevista a SUMAÚMA, Rodrigo Agostinho, o novo presidente do Ibama, afirmou, porém, que todas as recomendações feitas pelos técnicos do instituto ainda serão analisadas por ele antes de uma decisão, o que pode levar semanas.

Já a Petrobras afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que está alterando a rota e a altitude dos voos entre Oiapoque e o navio-sonda, e que sua frequência continuará sendo de dois por dia, de segunda a sexta-feira, se obtiver a licença. Argumentou que sua operação “está dentro da capacidade instalada do aeroporto”, autorizado a transportar 200 mil passageiros por ano. Informou que “está contribuindo nos estudos” para a definição do local do aterro sanitário e que “há previsão” de que os “órgãos públicos” consultem os indígenas sobre a melhor solução.

As lideranças indígenas afirmam estar satisfeitas por terem conseguido que a Petrobras fosse discutir em seu próprio território. A reunião foi realizada na terra Uaçá, no Centro de Formação Domingos Santa Rosa, nome de um antigo líder indígena da região, servidor da Funai, que morreu em 2020. Em novembro do ano passado, os caciques haviam se recusado a ir a um encontro “informativo” que a companhia realizou na sede do município e pediram uma reunião exclusiva. A mobilização dos povos do Oiapoque nasceu nos anos 1970 e conseguiu que a primeira das três terras indígenas da região fosse homologada em 1982, ainda no final da ditadura empresarial-militar (1964-1985). Os indígenas locais realizam anualmente uma assembleia geral, famosa no Amapá – a deste ano, a 29ª, aconteceu de 11 a 14 de março, na aldeia Kuhaí, e foram discutidas políticas públicas em áreas como educação, saúde, cultura e agricultura. Estão também organizados em entidades como o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) e a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp). Em 2019, lançaram seu protocolo de consulta prévia, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil e incorporada à legislação nacional.

A aldeia Kuhaí durante a 29ª Assembleia de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), que aconteceu de 11 a 14 de março. Foto: Maksuel Martins/Secretaria de Comunicação do Governo do Amapá

 

“Foi uma reunião excelente, a gente fez os nossos questionamentos, eles aparentemente se demonstraram sensíveis aos nossos anseios. Levamos a proposta de criar um GT [grupo de trabalho], e a gente cobrou muito que seja feita a consulta, que se siga o protocolo para que a gente seja atendido de acordo com nossas necessidades, que nossas preocupações sejam esclarecidas. A gente não tem experiência de fazer tratativas com uma empresa multinacional de grande porte, como a Petrobras, mas conseguiu deixar nosso recado e obter informações importantes que a gente queria ouvir. Para início de conversa, a gente ficou satisfeito”, contou por telefone o cacique Edmilson dos Santos Oliveira, do povo Karipuna, coordenador do Conselho de Caciques.

Ao todo, 78 pessoas assinaram a lista de presença do encontro, que durou um dia inteiro e teve uma sessão “informativa” da Petrobras e falas dos indígenas, maioria entre os presentes. Havia representantes da Funai, do Ibama, do Ministério Público e de organizações com atuação local, como o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé). A Petrobras levou uma delegação nutrida, de 13 pessoas, que incluía Daniele Lomba, sua gerente de licenciamento e conformidade ambiental, e Priscila Moczydlower, coordenadora de responsabilidade social para o Oiapoque, além de geólogos e dois antropólogos recém-contratados de uma empresa terceirizada.

Os indígenas, que são quase um terço dos 28 mil habitantes do município, estão escaldados com dois empreendimentos em que suas demandas não foram atendidas: a BR-156, que liga Macapá a Oiapoque e levou à realocação de várias aldeias, e a pequena central hidrelétrica Cafesoca, que vai represar um trecho do rio Oiapoque, um dos quatro maiores da região. A negociação entre as lideranças indígenas e a empresa sobre a consulta prévia é intrincada, cheia de ginástica verbal. “O grupo de trabalho é uma vitória para os indígenas, mas não é uma consulta para o empreendimento”, disse Daniela Jerez, representante do WWF-Brasil na reunião. Se tornou comum nos últimos anos que reuniões com indígenas e comunidades tradicionais, organizadas por grandes empresas interessadas em explorações de grande impacto, fossem maliciosamente consideradas “consultas prévias” – o que estão longe de ser.

 

Helicópteros a serviço da petroleira no aeroporto de Oiapoque, no Amapá. Indígenas relataram que os voos dessas aeronaves afugentam aves e a caça de que as aldeias precisam para alimentação, artesanato e práticas rituais. Foto: Felipe Gaspar/Divulgação

 

Durante muito tempo, como suas projeções ignoravam o impacto direto da prospecção de petróleo nas terras indígenas, a Petrobras preferiu considerar que não seria necessário seguir a Convenção 169. Mas além de uma exigência dos povos do Oiapoque, a necessidade de consulta prévia foi objeto de recomendação enviada no ano passado à companhia por procuradores federais no Amapá e no Pará. A estatal alega agora que a atividade em licenciamento pelo Ibama é “temporária”, com duração prevista de cinco meses. Se encontrar petróleo no bloco 59, “é possível que se torne um empreendimento”, e então “um novo processo de licenciamento deverá ser conduzido”. No momento, segue a empresa, o protocolo de consulta do Conselhos de Caciques será adotado “como uma referência para o relacionamento e construção do diálogo para buscar implementar ações e parcerias que tenham sinergia com a atividade da empresa”.

A história mostra, porém, que uma vez obtida a licença para a perfuração, é muito difícil que ela seja negada para a produção. Em fevereiro, a Petrobras incluiu pela primeira vez a apresentação de projetos para o Amapá e o Pará, onde ficaria a base naval da exploração na foz do Amazonas, no edital do seu programa socioambiental. Questionada se esses projetos, que não têm relação direta com os negócios da companhia, seriam um modo de garantir o apoio dos indígenas, a estatal respondeu que “direcionar investimentos sociais para áreas do entorno de nossas atividades” faz parte de sua política de “responsabilidade social”. “Não é uma maneira de ‘granjear’ o apoio das comunidades; pelo contrário, é uma forma de potencializarmos os impactos positivos de nossa presença em determinada região e nos relacionarmos com nossos vizinhos”, diz a nota da empresa.

Os caciques deixaram claro que esperam a consulta sobre o projeto de exploração de petróleo, mesmo que ocorra num momento futuro. Daniela Jerez, do WWF, e Hiandra Pedroso, advogada da Articulação dos Povos Indígenas e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará, contaram que, na reunião de fevereiro, o conflito entre “o conhecimento acadêmico e o conhecimento dos locais”, entre “a palavra do não indígena e o conhecimento tradicional das comunidades”, voltou a se manifestar.

Comunidade de pescadores na cidade de Calçoene, no Amapá. a petroleira tem planos de explorar petróleo na costa do estado, colocando em risco o modo de vida de populações tradicionais e o ecossistema. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace

 

Desde o início do licenciamento do bloco 59, que fica a 160 quilômetros da costa, as projeções para casos de derrame de óleo não preveem a chegada da mancha ao Oiapoque, região de mangues e campos alagados onde a maré tem amplitude de 4 metros e o mar entra quilômetros adentro dos rios em épocas de cheia. No encontro, enquanto os representantes da Petrobras enfatizaram a “robustez” de seus estudos e sua experiência na perfuração de poços em alto-mar, vários indígenas recorreram à própria vivência e ao cotidiano para expressar suas dúvidas.

Ramon dos Santos, liderança do povo Karipuna, lembrou que “70% dos territórios indígenas é água” influenciada pelas “dinâmicas da marés” e que por isso não sabe “o que pode acontecer caso haja um acidente”. Maxwara Nunes, diretor escolar do povo Galibi-Marworno, falou do rio Cassiporé, próximo da área costeira, que tem “vários igarapés interligados” à terra Uaçá. O cacique Damasceno Fortes Karipuna disse que “pela maré, a mancha chegaria, sim, às terras indígenas”.

Ramon propôs a contratação de agentes ambientais indígenas para monitorarem o impacto do projeto, começando pelos sobrevoos, e o cacique Nasildo Nunes sugeriu um “componente indígena” na Petrobras, “para as comunidades estarem cientes do que está acontecendo”. “A gente queria de alguma forma incluir alguns representantes indígenas dentro da estrutura da Petrobras para que possam acompanhar e passar as informações para nós de uma forma mais clara, mas falaram que é difícil, que talvez esbarre numa parte muito técnica”, contou o cacique Edmilson. “A gente explicou que tem indígena formado em várias áreas.”

Diante dos questionamentos, Daniele Lomba, a gerente da estatal, pediu que as pessoas falassem dos “impactos positivos” que a Petrobras pode trazer para os povos indígenas e solicitou propostas. Priscila Moczydlower, também da empresa, citou um “leque de opções” em contrapartidas, falou em doação de computadores e capacitação de pessoas e informou sobre o lançamento do edital para projetos socioambientais, que inclui a região. “Um dos caciques colocou: se eu não tiver boas informações, posso falar não para uma coisa que é boa para mim e sim para uma coisa que não é”, contou Daniela, do WWF.

Uma das cobranças mais fortes foi feita pela liderança Priscila Barbosa Karipuna. Ela apontou a existência de “falhas desde o início do processo de diálogo” e afirmou que os indígenas “não são contra nenhum empreendimento, mas querem que o protocolo de consulta seja respeitado”. Disse que o atraso na consulta, agora, provoca “pressões” sobre suas lideranças . Uma das grandes preocupações dos povos originários do Oiapoque é serem acusados de “travar o desenvolvimento” diante das expectativas de emprego e recompensas econômicas que o empreendimento provoca no município.

Embora na reunião a Petrobras tenha enfatizado que hoje mantém uma equipe pequena em Oiapoque, com 20 pessoas, as atividades da companhia costumam ser destaque nas redes sociais da prefeitura, comandada por Breno Almeida, eleito em 2020 pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), sigla sem deputados federais mas que chegou a negociar a filiação de Jair Bolsonaro em 2021. Em 8 de março, a prefeitura noticiou no Instagram que a estatal havia assinado um aditivo para as obras de reforma no aeroporto. Um dia antes, deu conta de uma palestra sobre o Plano de Emergência Aeroportuária “na sala de briefings do terminal de passageiros da Petrobras”.

A Petrobras diz que no momento não há, de fato, previsão de criar empregos diretos na cidade, “uma vez que a atividade é temporária”. Mas faz o aceno: se houver produção, “é natural que surjam outras oportunidades”.

Simulação de acidente de derrame de óleo

Enquanto os choques de interesses se desenrolam no Oiapoque, o processo de licenciamento avança. Em 3 de março, numa reunião entre representantes da estatal e o novo responsável pela Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Marinhos e Costeiros do Ibama, Itagyba Alvarenga Neto, ficou acertado que a simulação de um acidente de derrame de óleo deverá ser realizada ainda neste mês, a princípio no dia 20. Foi combinado que a data seria confirmada num novo encontro.

Pescadores em Calçoene, a 200 quilômetros de Oiapoque, no litoral do estado do Amapá: modo de vida no extremo norte do brasil está ameaçado pela exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace

A previsão é que a Avaliação Pré-Operacional (APO), o nome asséptico para a simulação de acidente, ocorra na área do bloco 59 e que dela participem seis navios da Petrobras – a empresa acrescentou mais uma às cinco embarcações disponíveis há um mês, e ele já passou pela inspeção do Ibama. O chamado Plano de Emergência Individual (PEI), que será testado na simulação, precisou ser reforçado porque a base naval do empreendimento fica em Belém, a 43 horas por mar do local do poço, uma vez que o litoral de mangues não permite embarcações de alto calado no Oiapoque. Com isso, é preciso que navios se revezem a distâncias mais próximas do local da perfuração, para agir em caso de emergência.

Segundo a ata da reunião, Itagyba disse a Daniele Lomba, a gerente da Petrobras, que o licenciamento do bloco 59 é prioridade e que a Petrobras estaria atendendo a todas as demandas do órgão ambiental. O coordenador do Ibama, no entanto, observou que o processo “está sendo supervisionado por muitas instituições e entidades e, por isso, precisa estar muito bem saneado, instruído e detalhado de forma a subsidiar as instâncias superiores na decisão quanto ao licenciamento do empreendimento”. Daniele disse que “há muitas pessoas envolvidas e mobilizadas para a realização” da simulação do acidente, com toda a estrutura pronta.

Em seus últimos pareceres técnicos, o Ibama pré-aprovou o Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna, montado em Belém para o tratamento de aves que sejam atingidas por uma mancha de óleo. O Centro já foi licenciado, em meados de fevereiro, pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará. O instituto pediu uma série de informações sobre o Plano de Proteção à Fauna, considerando-o “insuficiente e inadequado” em alguns aspectos, quando se leva em conta o tempo de deslocamento entre o bloco 59 e os locais em que os animais seriam atendidos. Em despacho interno, porém, admitiu que “o nível de detalhamento solicitado talvez não seja passível de atendimento integral pela empresa, sobretudo por tratar de um tema como a estratégia de resposta a emergências, suscetível a diversos imprevistos operacionais” numa área, a bacia da foz do Amazonas, que “apresenta imensa dificuldade logística”.

No início de fevereiro, em resposta a um questionamento de SUMAÚMA, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ibama sugeriram que, para uma decisão abalizada sobre o licenciamento, seria necessário fazer uma avaliação mais ampla sobre a compatibilidade da região da foz do Amazonas com a atividade petrolífera. A pasta de Marina Silva e o instituto citaram um parecer técnico, de 31 de janeiro, no qual se afirma que “a ausência de avaliação ambiental estratégica, como a AAAS [Avaliação Ambiental de Área Sedimentar], e outros instrumentos de gestão ambiental, dificultam expressivamente a tomada de decisão a respeito da viabilidade ambiental da atividade, inserida em uma área de notória sensibilidade socioambiental e de nova fronteira para a indústria do petróleo”.

Revisão ortográfica: Elvira Gago
Edição de fotografia: Marcelo Aguilar, Mariana Greif e Pablo Albarenga

Pássaros na praia de goiabal, na costa do amapá, extremo norte do brasil. Comunidades indígenas e tradicionais e o ecossistema da região já sentem as perturbações de uma possível exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace