por Comunicação Arayara - Nívia Cerqueira | 18, set, 2024 | Recursos Hídricos |
O Instituto Internacional Arayara é uma das três organizações da sociedade civil eleitas no CNRH, órgão responsável pela gestão dos recursos hídricos de todo o país
O Instituto Internacional ARAYARA foi eleito como segundo suplente no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). A posse aconteceu no dia (10/9), em Brasília, durante a 55º Reunião Extraordinária da Secretaria Nacional de Segurança Hídrica, no Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
O CNRH articula a integração das políticas públicas no Brasil e é reconhecido pela sociedade como orientador para um diálogo transparente no processo de decisões no campo da legislação de recursos hídricos. Entretanto, esteve inoperante por 18 meses, em razão da política de desmonte ambiental do governo passado.
Sob nova gestão
Anteriormente vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), o CNRH passou por uma mudança em sua vinculação ministerial, em 2023. Desde então, está sob a alçada do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR). Essa mudança ocorreu durante a reorganização administrativa do governo atual e reflete uma possível reorientação da política. O objetivo é fortalecer a gestão integrada de recursos hídricos, alinhando-a com políticas de desenvolvimento regional e integração nacional.
O CNRH é composto por 50 (cinquenta) membros com representações do Governo Federal (Ministérios), Conselhos Estaduais e Distrital de Recursos Hídricos, Setores Usuários e Organizações Civis. Uma única vaga é destinada à sociedade civil, representada por 3 entidades: 1 titular e 2 suplentes, que têm direito permanente a voz e a requisições.
Araújo ressalta que a administração de toda a água do Brasil está nas mãos de aproximadamente 130 pessoas, das quais apenas 3 são representantes da sociedade civil.
“Ao invés de avançar, o Brasil enfrentou uma crescente precarização da gestão da água, com desafios cada vez maiores na distribuição e preservação dos recursos hídricos. Esse desequilíbrio reflete uma limitação significativa na representação social nas discussões e decisões sobre os recursos hídricos, apesar da promessa de mudanças”, ressalta Araújo.
A ARAYARA participou ativamente de diálogos com todas as 22 organizações da sociedade civil brasileira que foram homologadas no processo de eleição. O Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá foi eleito titular, e, como suplentes, as instituições SOS Mata Atlântica e Instituto Internacional Arayara. As três entidades receberam 21 votos, com 1 abstenção.
O papel dessas três entidades que representam todas as ONGs do Brasil é propor novos marcos legais e resoluções. O Brasil é um dos países mais ricos do mundo em recursos hídricos e já perdeu 40% de sua água disponível. O país precisa urgentemente de melhorias nesse campo, alerta Araújo.
Para o representante do InGá, Ângelo Lima, a retomada do CNRH é de extrema importância. No entanto, ele destacou a necessidade de o Conselho adotar uma postura mais estratégica, com uma visão integrada sobre o que ocorre nas bacias hidrográficas de nossos territórios. Segundo ele, isso envolve tanto o manejo e o uso do solo nas áreas urbanas e rurais, quanto a questão dos impactos que os povos tradicionais vêm enfrentando em relação à água.
“Essa retomada será um desafio para todos, especialmente para as organizações da sociedade civil, que precisarão fazer articulação com diversos setores e atores. Além disso, já estamos enfrentando uma emergência climática e é essencial implementar políticas de adaptação. Sensibilizar o setor econômico não será uma tarefa fácil, mas, por meio de dados, conscientização, debate e diálogo, é possível avançar nessa direção”, declara Lima.
por Comunicação Arayara | 28, maio, 2024 | Patrimônio Histórico |
As enchentes no Rio Grande do Sul afetam mais de 94% dos municípios, com severa extensão dos impactos sobre seus habitantes, povos tradicionais, áreas sensíveis de preservação ambiental e o patrimônio histórico e cultural de importância estadual e federal.
Por: Paôla Manfredini Romão Bonfim, Heloísa Sandiego e George Mendes
Aldeias indígenas e famílias quilombolas enfrentam a disrupção da comunicação (parcial ou inexistente), a escassez de alimentos, água potável e acesso a energia e outros serviços básicos. Ainda que consideremos que esses impactos não se restringem aos povos tradicionais, mas pesam sobre toda a sociedade gaúcha, é preciso também refletir sobre a ausência de medidas preventivas e ações imediatas na proteção desses povos historicamente mais vulneráveis e cuja manifestações culturais são base para a formação da identidade nacional.
Assim, o Ministério dos Povos Indígenas estima o impacto, direta ou indiretamente, sobre 9.000 indígenas e centenas de aldeias com famílias desabrigadas, além de comunidades urbanas ou periurbanas. Destaca-se a situação dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua, cujas casas foram destruídas, forçando-os a abandonar suas aldeias e buscar abrigo em locais temporários.
No que diz respeito aos territórios quilombolas, a CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) reporta que todas as cerca de 6,8 mil famílias quilombolas do Rio Grande do Sul foram impactadas pelas chuvas e enchentes que assolam o estado e em torno de 15 quilombos estão totalmente isolados.
É o que acontece no Território Quilombola Areal Luiz Guaranha, Quilombo dos Alpes, Família Silva e Família Fidelix – todos em Porto Alegre; e no Território Chácara das Rosas, em Canoas; e Rincão dos Negros, em Rio Pardo; e o Quilombo Vila do Salgueiro, no município General Câmara.
Com tantas vidas perdidas ou irremediavelmente impactadas, ainda cabe a pergunta sobre as consequências que virão sobre a identidade e as memórias afetivas desses povos, já que também suas formas de expressão, seus saberes e fazeres, seus lugares e celebrações, todos foram devastados junto com os edifícios, centros históricos e sítios arqueológicos pela força das águas.
O IMPACTO AO PATRIMÔNIO CULTURAL
A situação é realmente dramática. E não apenas para as pessoas, de comunidades tradicionais ou não. Aqui também é preciso falar do impacto das cheias aos signos de identidade do nosso povo. O patrimônio cultural, seja em sua dimensão material ou imaterial, também está sendo diretamente afetado pela crise climática no Rio Grande do Sul.
Ou seja, para além das vidas tragicamente perdidas ou terrivelmente afetadas, temos a própria história sob risco.
No âmbito dos bens imateriais gaúchos protegidos pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) temos: rodas e ofícios de mestre de capoeira; Tava, um lugar de referência para o povo Guarani; e as Tradições Doceiras na Região de Pelotas e Antiga Pelotas – Morro Redondo, Turuçu, Capão do Leão e Arroio do Padre.
Com praticamente todo o estado inundado, quando e como os detentores dessas tradições retomarão essas manifestações? Quais os planos do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para a retomada dessas atividades? Como minimizar o impacto que as perdas desses referenciais da memória poderão causar?
No que se refere aos bens materiais tombados, sabemos que o centro histórico de Porto Alegre esteve debaixo d’água, assim como o núcleo urbano tombado de Santa Tereza, e tantos outros bens sob risco ou já em evidente situação de perda total ou parcial.
São em torno de 41 bens materiais tombados em nível federal, acrescidos de mais 29 bens do patrimônio ferroviário valorados pelo IPHAN. Mas essa conta também precisa incluir os bens tombados em nível estadual, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul.
Até muito recentemente, apenas fora emitida uma nota oficial pelo IPHAN em solidariedade e que colocava alguns técnicos de prontidão para quando o tempo permitir agir. A nota também mencionava que o Instituto priorizaria os projetos do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) previstos para a região.
Na mesma toada, o IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus), também emitiu sua nota de solidariedade. Tampouco, à época, sem comunicar nenhum tipo de ação concreta que se pretendia para com o acervo museológico atingido do estado. Somente o ICOM (International Council of Museums) Brasil havia publicado um documento com orientações para museus, espaços culturais e gestores quanto ao resgate de acervos diante da catástrofe climática.
Em ação semelhante, o Arquivo Nacional, o Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul e o Departamento de Arquivo Geral da Universidade Federal de Santa Maria publicaram o documento Ações Iniciais para salvaguarda de Arquivos após ocorrência de desastre natural por inundação. Foi criado também um formulário para o levantamento e identificação de instituições públicas que possuem acervos documentais, sejam arquivos, bibliotecas, museus, centros de documentação e memória, unidades de informação, que foram atingidas pelos alagamentos.
A tangibilidade das ações começaram a ser realmente sentidas apenas a partir da segunda quinzena de maio, quando o Ministério da Cultura (MinC) deu início à criação de uma Rede para Mapeamento e Recuperação do Patrimônio Material, Acervos Museais e Arqueológicos e Arquivos no Rio Grande do Sul.
Dentre os encaminhamentos propostos, temos que: pelo Sistema MinC, o Ibram e o Iphan irão coordenar o processo de constituição das redes; já o Arquivo Nacional, do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), coordenará a rede na parte de arquivos.
Definiu-se também pela iniciativa de levantamento dos danos junto aos pontos de memória, previsão de atividades de formação, participação e orientação e pelo estabelecimento de um protocolo futuro para situações similares.
No entanto, em um cenário tão precário e de alto risco contra a preservação da história regional e nacional, tudo parece pouco e parece lento.
Aqui é preciso considerar os dados levantados por Marchezini, et al. (2023), que informa:
“O cruzamento entre as áreas com risco de deslizamentos e inundações com a localização dos bens tombados demonstra que, em princípio, 44% dos bens imóveis tombados estão a até 1 km de uma área de risco de deslizamento, sendo que para risco de inundação o percentual é de 46%. A referida estimativa é suficiente para pensar na necessidade de implementação de políticas públicas de gestão de risco específico para o patrimônio cultural”.
Assim, dado que impacto aos bens culturais em caso de inundação é evidente e previamente conhecido, quais as medidas tomadas para minimizar a perda desses bens em situação de catástrofe?
O manual de Gestão de riscos de desastres para o Patrimônio Mundial da UNESCO (2015) sugere que sistemas de vedação devem ser instalados para selar janelas e portas em caso de alagamentos. E ainda, que “no caso dos edifícios históricos de propriedade privada, onde a integração do muro de proteção ao edifício não for possível por razões legais, a proteção contra enchentes deverá ser colocada diretamente em frente e de forma adaptada, como se fosse um revestimento”.
De acordo com um Relatório de Gestão Anual, de 2022, o Iphan organizou, em conjunto com o Governo do Chile, o Workshop Internacional Online de Gestão de Riscos de Desastres em Sítios do Patrimônio Mundial. O evento teve como objetivo:
“oferecer uma capacitação sobre questões de Gestão de Riscos de Desastres de acordo com padrões internacionais, para instituições e/ ou profissionais responsáveis pela gestão e conservação de Sítios do Patrimônio Mundial no Chile, na América Latina e na África lusófona, contribuindo para a preservação do Valor Universal Excepcional dos bens inscritos na Lista do Patrimônio Mundial”.
Então, se o assunto estava em pauta e sendo discutido internamente, como é possível não termos identificado ações preventivas do principal órgão nacional de proteção ao bem cultural?
A diretora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto avalia:
“A mudança climática, é o assunto do nosso tempo e ela está entre as maiores ameaças ao patrimônio natural e cultural mundial. Um em cada três sítios do patrimônio natural e um em cada seis do patrimônio mundial histórico estão ameaçados pelas mudanças climáticas”.
Nesse contexto alarmante, o que dizer dos sítios arqueológicos? Em uma catástrofe dessas proporções, quantos resistirão? Registrados no Centro Nacional de Arqueologia, temos 1.838 sítios identificados no Rio Grande do Sul e nas áreas das inundações estão 1.657 sob risco.
Mapa 2: Cidades afetadas pelas inundações com indicação dos sítios arqueológicos e bens materiais tombados pelo IPHAN.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024), com dados da Defesa Civil de 24/05/2024.
Signos e registros de valor inestimável da nossa história talvez irrecuperáveis. Dados, anos de pesquisas, vestígios únicos apagados para sempre. São informações, culturas, modos de vida de sociedades pretéritas que nunca mais teremos a chance de desvendar.
Em meio ao caos do hoje, sofremos também por tudo aquilo que nunca conheceremos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atual crise climática, também mostra sua face trágica diante dos bens culturais.
Frente a um cenário tão catastrófico, fica evidente que os órgãos de proteção precisam ser mais previdentes, no sentido de apresentar mais ações de conservação para que os mesmos possam resistir com maior eficácia diante dos desastres naturais ou infligidos pelo homem.
Bem como é imprescindível que as respostas diante da urgência sejam mais imediatas, com planos bem estruturados de remoção para os bens móveis e acervos documentais das áreas em crise e prontidão de técnicos qualificados em situação de desastre para coordenar as ações de contingência em campo, de modo conjunto com outras equipes de proteção e defesa civil.
Para os bens materiais móveis entre as ações emergenciais alguns pontos precisam estar bem estabelecidos, tais como:
- Registro as informações da coleta: data, local do resgate, conteúdo resgatado e, se possível, o acompanhamento fotográfico;
- Separação dos itens conforme o grau de danos apresentados: itens secos, pouco molhados ou muito molhados; itens com barro ou evidência de fungos etc. e quantificação daqueles que irão necessitar dos tratamentos de conservação e/ou restauro e de um novo acondicionamento.
- Controle de transporte do acervo: com identificação das caixas e demais embalagens, preferencialmente, antes da retirada do local;
- A disposição do acervo nas salas de guarda pós-resgate deve permitir a secagem do maior número de itens recuperados possível, e muitas outras orientações que devem partir dos órgãos competentes especializados.
Já no que concerne às comunidades tradicionais afetadas, o suporte deverá ir muito além do básico, precisará incluir apoio psicológico, logístico, de recuperação dos seus signos e lugares identitários e os meios de retomada das suas expressões culturais – todos precisam ser garantidos em ações de longa duração, encampados por políticas públicas efetivas e ininterruptas.
Para tanto é preciso incluí-los nos espaços de debate, considerando seus interesses, respeitando seus modos de vida, suas manifestações culturais e cosmovisões, bem como agir preventivamente em proteção das áreas e bens historicamente sensíveis, como edificações, centros históricos, ruínas, sítios arqueológicos e acervos museológicos e arquivísticos, que a despeito de toda a intervenção humana e climática têm resistido até aqui. Mas a pergunta derradeira é: até quando?
Foto: Ramiro Sanchez / Divulgação: RGR Pneumáticos