Empresas criminosas afirmam, em documento, que não se sabe ainda se os territórios do estado foram realmente atingidos
Faltam poucos meses para completar cinco anos do maior crime ambiental da história do país. No Espírito Santo, completamos 3 anos da deliberação número 58 do Comitê Interfederativo (CIF) que reconheceu várias comunidades do litoral capixaba que não constavam no primeiro termo de compromisso firmado (TTAC) pelas empresas criminosas como atingidas pelo crime.
Não reconhecer o litoral capixaba enquanto atingido pelo rompimento da barragem de Fundão, é atender aos interesses das empresas criminosas, e isso foi dito em documento nos autos da ação civil pública em trâmite na 12° Vara Federal Agrária de Belo Horizonte.
No documento que as empresas Vale, Samarco e BHP Billiton apresentam ao juiz, elas afirmam que não se sabe realmente se as comunidades, dos territórios macrorregião litoral norte, Conceição da Barra e São Mateus, e o território de Aracruz e Serra, que também envolve Praia Grande e os camaroeiros da Praia do Suá, foram mesmo atingidas. A assessoria técnica das comunidades foram aprovadas em assembleia, em 2018.
Confira o trecho do documento:
“Considera-se como Novas Áreas as áreas estuarinas, costeiras e marinhas indicadas na Deliberação do CIF n. 58. Por se tratarem de áreas não previstas originalmente na definição de área impactada do TTAC, sua inclusão na definição de “localidades do estado do Espírito Santo na Área de Abrangência Socioeconômica” (Clausula 1, VIII, do TTCA) depende de estudos que efetivamente constatem impactos sociais, culturais, econômicos ou ambientais nessas localidades (Cláusula 20 do TTAC). Tais estudos, a cargo da Fundação Renova, estão em fase de conclusão. Por essa razão, as Empresas entendem que até que esses impactos sejam cabalmente demonstrados, deve permanecer suspensa a contratação das respectivas assessorias técnicas.”
Três anos depois da Deliberação 58, as empresas debatem a finalização dos estudos para comprovar o reconhecimento das áreas atingidas. Até lá, sabemos que outras desculpas serão dadas para negar o direito a assessoria técnica aos atingidos pelo crime da bacia do rio Doce, e que os programas de indenização, auxílio financeiro, cadastro integrado e outros projetos de comércio e turismo também serão cancelados. Além disso, os estudos que “estão sendo finalizados pela Fundação Renova” até hoje não passou pela compreensão dos atingidos, dos territórios ou das instituições de justiça.
A deliberação 58, conquistada em 31 de março de 2017 após uma ocupação da reunião do CIF em Belo Horizonte/MG, realizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, foi uma conquista conjunta, que envolveu também a atuação da Defensoria Pública do Espírito Santo e do Fórum de Entidades em Defesa do Rio Doce, e reunia atingidos e atingidas das comunidades não-reconhecidas, associações locais, entidades de Direitos Humanos, entidades religiosas, além da própria defensoria.
A mobilização e a organização popular sempre foram a marca dessas comunidades do litoral para a conquista de seus direitos como atingidos. Foram nessas regiões as maiores assembleias para a escolha das assessorias: 500 atingidos em São Mateus e Conceição da Barra e 450 em Aracruz, Serra e Praia do Suá. Após acordo firmado entre a Força Tarefa e as próprias empresas, agora com a judicialização da questão, as empresas criminosas se sentem confortáveis para negar esse e outros direitos, tentando negar essa história de conquistas.
As empresas Vale, Samarco e BHP Billiton precisam fazer esse debate de forma aberta com as comunidades atingidas, pois elas têm o direito a participar e defender, além de que a contratação das assessorias segue necessária, principalmente diante do uso dos estudos das empresas contra os próprios atingidos.
O CIF, que é o órgão que garantiu esse direito, precisa se posicionar e usar os estudos de contaminação feitos pela Rede Rio Doce Mar, apresentando esses dados paras comunidades atingidas, principais interessadas na discussão e carentes de ferramentas técnicas que possibilitem o enfrentamento da visão estreita das empresas. Não é possível que a Justiça também acate de maneira passiva esse posicionamento das mineradoras, que fere direitos já adquiridos e acordados por elas nos fóruns de governança e mesas de negociação por elas mesmas criadas.
Diante deste cenário entendemos que a Defensoria Pública deve voltar a se reunir com as comunidades, entidades e com o MAB, para não permitirmos que essa que foi uma das maiores vitórias dos atingidos no contexto do rio Doce seja negada exatamente quando se completam cinco anos deste que é o maior crime ambiental da história do país. O litoral também é atingido!
Fonte: MAB