Manobra de privatização põe em cheque controle energético brasileiro da maior empresa de energia da América Latina, além de repassar gastos milionários aos consumidores.
A tendência de privatização de estatais é marca do governo Bolsonaro desde sua campanha e, há poucos meses das novas eleições, sua equipe econômica deixa o marco da privatização da maior empresa de energia da América Latina: a Eletrobras. Com um prejuízo inicialmente calculado de R$20 bilhões por ano aos consumidores, a manobra aposta em risco à soberania energética nacional, risco de apagões, de escassez hídrica – e abre mão de décadas de pesquisa e produção tecnológica na área energética, que poderia auxiliar na tão necessária transição energética justa brasileira.
Segundo o próprio site, a Eletrobras detém “36 usinas hidrelétricas, 10 termelétricas a gás natural, óleo e carvão, duas termonucleares, 20 usinas eólicas e uma usina solar, próprias ou em parcerias, distribuídas por todo território nacional”. Esse número corresponde a uma capacidade de atender mais de 1/3 do consumo de eletricidade no país, além de ser responsável por 52% de toda água armazenada no Brasil – sendo 70% dessa água utilizada na agricultura brasileira. Ou seja, todo esse potencial econômico, ambiental e político agora está nas mãos da iniciativa privada.
A discussão de privatização que se estendeu por anos – e se intensificou em 2021 – não foi suficiente para frear os interesses econômicos na primeira metade de 2022, consolidando, assim, o processo de privatização da empresa. Agora, a União deixa de ser o acionista majoritário na Eletrobras – deixando de possuir 72% das ações para apenas 45%. O que fortalece um cenário de insegurança à soberania energética nacional, como apontado por diversos especialistas.
A primeira projeção concreta, feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foi a de aumento das contas de luz, em uma média de 16% a 17% em todo território nacional. A Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), estima um aumento de R$ 20 bilhões ao ano, valor que será repassado a todo serviço e produto que precise do uso de energia elétrica. Logo, o preço do leite e da carne também aumentam, por exemplo, em 10% e 7% respectivamente.
Especialistas também apontam que a privatização da Eletrobras pode promover a mercantilização dos recursos hídricos, chegando em um cenário de escassez. Outro ponto que impacta diretamente a população brasileira são os exemplos de precarização da energia elétrica que temos visto recentemente, como em caso de apagões, que acontece constantemente em locais como Amapá – cujo caso ficou famoso em 2020 -, Goiás, Acre, Rondônia e Roraima.
Existem danos futuros que são difíceis de medir. Por exemplo, é falsa a argumentação de que a empresa trazia prejuízo aos cofres públicos. Mesmo no ápice da pandemia da Covid-19, a Eletrobras fechou em lucro líquido de R$ 6,4 bilhões em 2020. Foi a sexta empresa mais lucrativa do país naquele ano. A Eletrobras possui uma geração de caixa de R$ 15 bilhões ao ano, gerou lucro de R$ 2,7 bilhões no primeiro trimestre de 2022, e acumula nos últimos quatro anos, um lucro de R$ 40 bilhões. Esse dinheiro agora deixa de chegar à União e ser revertido à sociedade brasileira.
É importante também destacar que o Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (Cepel) está totalmente abandonado agora com a nova lei. O fim dos investimentos no Centro, responsável pela criação das plataformas utilizadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para supervisão do Sistema Interligado Nacional (SIN), significa o fim do desenvolvimento de tecnologias para a indústria energética brasileira e dependência ainda maior das do exterior.
A Cepel é bancada quase unicamente pela estatal – sendo 83% do seu investimento em 2020 – e deixará de receber esses recursos em seis anos. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), neste tempo, a Cepel deve buscar alternativas de financiamento – uma atitude que demonstra o total despreparo e comprometimento do atual governo com a transição energética justa.
Em maio, a Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL) divulgou um informe com 60 motivos pelos quais os processos de privatização da Eletrobras são danosos para a sociedade brasileira.
O documento afirma que a “Eletrobras é a espinha dorsal” do sistema elétrico brasileiro, considerado mais robusto do que muitos países desenvolvidos no que tange à extensão da rede. Já a professora Clarice Ferraz (diretora do Instituto Ilumina e pesquisadora do GEE/IE-UFRJ) assina o documento falando que “a privatização da Eletrobras é a sabotagem de um projeto de transição energética justa para o Brasil”.
Termelétricas a gás do jabuti da privatização terão seu primeiro leilão no dia 30 de Setembro
O reflexo da privatização da Eletrobras também recai sobre as novas termelétricas anunciadas para contratação de energia nas próximas décadas, o que irá aumentar ainda mais o custo da conta de energia, além de demandar investimentos em estruturas e muita água. Outra questão central é a dificuldade no cumprimento das NDCs Brasileiras, já que as emissões de gases de efeito estufa GEE aumentarão consideravelmente.
A lei de privatização da Eletrobras prevê a contratação de 8 GW de termelétricas a gás, boa parte em regiões sem acesso ao combustível. Ao todo, 37 projetos foram cadastrados na licitação que se dará em certame no próximo dia 30, e se dedicará a contratar 1 GW na região Norte, para início de suprimento em 31 de dezembro de 2026; e 300 MW no Maranhão e 700 MW no Piauí, para 31 de dezembro de 2027.