A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados promoveu, nesta quinta-feira (9), um debate sobre os impactos da exploração de petróleo no desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Diante da recente negativa do Ibama ao plano da Petrobras de resgate de fauna, a pauta da prospecção na Foz do Amazonas foi objeto de críticas sinérgicas da sociedade civil e parlamentares à abertura dessa nova fronteira exploratória.
O encontro reuniu parlamentares, representantes de organizações da sociedade civil, especialistas em clima e comunidades diretamente afetadas pela indústria petrolífera.
O debate, solicitado pela deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), questionou a narrativa de que a exploração de petróleo gera desenvolvimento local. Para Petrone, experiências em municípios como Macaé (RJ) e comunidades tradicionais como a Ilha da Maré (BA) demonstram que os benefícios econômicos da atividade não se traduzem em melhoria da qualidade de vida.
“É fundamental discutir com profundidade, transparência e participação social os reais custos e benefícios desse modelo de desenvolvimento predatório”, afirmou a deputada.
Ela relata que em Macaé, conhecida como a “capital nacional do petróleo”, a arrecadação de royalties bilionários não impediu o aumento da pobreza. Dados do IBGE apontam que 31,5% da população vive com até meio salário mínimo por pessoa. Entre 2010 e 2020, o município acumulou R$ 1,5 bilhão em royalties do petróleo, mas a taxa de pobreza aumentou, desmontando a tese de que explorar petróleo gera desenvolvimento local.
Confira a audiência
Participação da sociedade civil
Renata Prata, coordenadora de Advocacy do Instituto Internacional ARAYARA, criticou que apenas 0,16% da renda nacional do petróleo foi destinada à transição energética. Ela destacou a importância da participação social e lamentou que, embora a ARAYARA tenha sido eleita para representar a temática de petróleo e gás no Fórum Nacional de Transição Energética (FONTE), nenhuma reunião foi realizada até o momento, em pleno ano de COP30 no Brasil.
Já Lucas Cardoso, da Instituição Dendezê, questionou a efetividade da distribuição de recursos. Ele ressaltou que projetos de exploração fóssil têm longo prazo, com cerca de 10 anos até o início da operação e 15 a 20 anos para retorno sobre o investimento. “Quando falamos da urgência das mudanças climáticas e fazemos esta conta, fica claro o quanto estamos atrasados”, alertou.
Julia Mabel, da instituição Negras pelo Clima, falou sobre os impactos sociais e de saúde da exploração de petróleo na Ilha da Maré, na Bahia:
“Somos comunidades marcadas por promessas de desenvolvimento que nunca se cumpriram. Nossas crianças adoecem devido à contaminação, com níveis de chumbo acima do permitido pela OMS, já que nossa principal fonte de sustento é a pesca. A transição energética não pode repetir esse mesmo padrão colonial e extrativista”, afirmou.
Alessandra Cardoso, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), reforçou a necessidade de debater o conceito de desenvolvimento e questionou os subsídios concedidos ao setor. “Quanto de subsídio o petróleo recebe no Brasil? Quanto sai, de fato, do bolso do brasileiro? É um regime que se mantém há anos, com alto custo para a arrecadação pública e sem transparência sobre o destino dessa renda bilionária”, destacou.
Riscos ambientais e consulta às comunidades
Alexandre Arapinan, secretário jurídico da APIB, alertou para os riscos da exploração offshore na Amazônia. “O Bloco 59, localizado a 179 km da costa, eleva de forma significativa os riscos às salvaguardas ambientais e culturais. O maior derramamento de óleo da história aconteceu no Golfo do México a uma distância semelhante da costa; se algo assim acontece aqui, seria extremamente difícil conter a falha. Não se trata apenas de desenvolvimento versus preservação, mas de um incidente que poderia paralisar a pesca e ameaçar a vida das comunidades. A consulta livre, prévia e informada não é pode ser uma mera burocracia, ela precisa ser um direito a ser respeitado”, afirmou.
Representando o Observatório do Petróleo e Gás, Nicole Figueiredo ressaltou que agências internacionais, como o IPCC, alertam há mais de cinco anos para a necessidade de não perfurar novos poços, dado o impacto de cada novo projeto sobre a matriz energética por décadas. Ela apresentou dados do relatório “The Money Trail Behind Fossil Fuel Expansion in Latin America and the Caribbean”, que revela como bancos brasileiros, como Itaú, BTG e BNDES, investiram US$ 6,92 bilhões na expansão da indústria fóssil na região, mesmo diante do compromisso climático do país.
“A Eneva avança sobre territórios sensíveis da Amazônia com apoio direto dos maiores bancos privados do país. É um projeto de destruição e alto impacto climático financiado pelo próprio sistema financeiro brasileiro”, alertou Nicole.
Propostas legislativa
O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) também participou do debate, defendendo que a expansão da exploração petrolífera representa um retrocesso em cenário de emergência climática global.
Ele protocolou, em abril, o Projeto de Lei 1725/2025, que propõe alterações na Lei nº 9.478/1997, responsável pela política energética nacional.
“Ampliar a fronteira de exploração petrolífera compromete os compromissos do Brasil com a neutralidade de carbono e ameaça territórios e comunidades inteiras. Os impactos sociais, ambientais e climáticos da exploração de petróleo exigem uma análise profunda, a participação efetiva das comunidades e alternativas de transição energética”, afirmou Valente.