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Oficina debate impactos da mineração oceânica e infraestrutura costeira no Sudeste brasileiro

Evento reúne especialistas, comunidades tradicionais e ambientalistas para discutir ameaças socioambientais e geopolíticas no contexto da mineração marinha e da COP30

Pesquisadores, ativistas, comunidades tradicionais e representantes da sociedade civil se reuniram na última quarta-feira (21) para discutir os impactos da mineração oceânica e dos grandes empreendimentos de infraestrutura sobre os territórios costeiros. A oficina integrou o Projeto Conexões Costeiras Sudeste, promovido pela Rede Climatizando e organizado pelo Laboratório de Política Ambiental e Justiça (LAPAJ/Ufes), com apoio do CNPq, da Fapes, do Pulitzer Center e outras instituições. A transmissão do evento foi feita pelo canal do LAPAJ no YouTube.

O encontro teve como tema central a reportagem da jornalista Claire Fieseler, vencedora do Prêmio Pulitzer, que investiga os riscos da mineração em alto-mar. Um dos articuladores temáticos da oficina foi Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto Internacional ARAYARA, apresentou um panorama preocupante da mineração marinha no Brasil.

Mineração marinha avança e ameaça pesca no Brasil

Segundo Araújo, Embora ainda não haja mineração em águas profundas em operação no país, o interesse e a quantidade de solicitações para explorar esses recursos vêm aumentando rapidamente nos últimos anos.. Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) mostram que, dos cerca de 950 requerimentos protocolados para exploração no mar, quase metade foi registrada entre 2020 e 2024. O Espírito Santo lidera os pedidos, seguido por estados do Nordeste como Bahia, Maranhão, Sergipe, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Araújo também abordou a mineração em águas profundas, destacando a Clarion-Clipperton Zone (CCZ), no Oceano Pacífico, como o principal polo de interesse internacional. Embora a extração comercial ainda não tenha começado oficialmente, operações experimentais já estão em curso. “Os impactos ambientais ainda são pouco compreendidos, mas se dividem em pelo menos cinco categorias graves, todas com potencial de afetar ecossistemas marinhos frágeis”, alertou.

Ele também chamou atenção para o Monitor Oceano e Amazônia livre de Petróleo, iniciativa da ARAYARA que mapeia a expansão da exploração fóssil em toda a costa latino-americana. Um dos pontos mais alarmantes, segundo ele, é a sobreposição crescente entre áreas de mineração e zonas de pesca comercial. “Cerca de 22% da atividade pesqueira no litoral brasileiro já coincide com áreas da indústria fóssil. A mineração vai agravar esse conflito”, afirmou. Na Bacia de Pelotas, já foram registradas mais de 132 mil horas de esforço pesqueiro sobrepostos à indústria de petróleo e gás — e a mineração tende a aumentar essa pressão.

O articulador Maurício Angelo, diretor do Observatório da Mineração,  ressaltou que a mineração industrial sob o governo Lula 3 repete práticas do governo Bolsonaro e criticou a continuidade da política de mineração industrial no governo Lula. “No que diz respeito aos minerais críticos e estratégicos, a lógica é a mesma do governo Bolsonaro”, declarou. Segundo ele, houve um aumento significativo nos pedidos de mineração no fundo do mar desde 2020, impulsionado pelo novo boom de commodities da transição energética.

“Cada país define o que é ‘crítico’ ou ‘estratégico’ conforme seus interesses políticos e econômicos. O Brasil tem se mostrado disposto a abrir novas fronteiras de exploração de forma discreta”, disse. Angelo também denunciou a flexibilização de normas pela ANM, que estaria liberando guias de utilização sem a exigência de licenciamento ambiental. “É um pacote bomba”, resumiu.

 

Caso Braskem é exemplo trágico de passivo da mineração, diz MAN

Pedro D’Andrea, geógrafo e ativista do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAN), relembrou o colapso geológico que destruiu bairros inteiros em Maceió (AL), iniciado em 2018 devido à exploração de sal-gema pela Braskem. “A previsão era de 200 anos de exploração. A empresa acelerou esse ritmo para 35 anos, e o resultado foi uma tragédia anunciada”, afirmou.

Segundo D’Andrea, após o agravamento da crise em Alagoas, a Braskem passou a buscar novas áreas de extração, incluindo o litoral norte do Espírito Santo. “Estamos diante de mais um passivo ambiental gravíssimo deixado pra traz, que configura crime”, disse. Ele também criticou a captura do Estado por interesses corporativos: “O poder público hoje serve aos interesses das empresas, e não das comunidades.”

Portos como motores do capital global

Roberto José Hezer, geógrafo e técnico do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA-ES), propôs uma visão sistêmica dos portos. “Eles não são apenas estruturas costeiras, mas motores de todo um ciclo de circulação do capital-mercadoria”, explicou. Para ele, a lógica portuária global é sustentada por um tripé geopolítico formado por Europa, Ásia e América do Norte, enquanto América do Sul e África cumprem o papel de periferias fornecedoras de recursos.

Hezer alertou que há 23 novos empreendimentos portuários em análise no Espírito Santo, com potencial de causar impactos desde o mar até áreas continentais. “O que acontece no litoral interfere diretamente na vida social, econômica e ambiental de todo o território”, concluiu.

Governança e mobilização rumo à COP30

O Projeto Conexões Costeiras Sudeste tem como objetivo ampliar a participação de comunidades costeiras nas decisões sobre o uso e ocupação do litoral. Ao longo do projeto, oficinas temáticas vão abordar temas como segurança hídrica, emergência climática, poluição marinha e conflitos fundiários.

Os resultados serão sistematizados e apresentados em um seminário presencial, previsto para junho de 2025, em Vitória (ES), culminando na Nadada pelo Clima e pelos Oceanos, uma mobilização simbólica na Baía de Vitória.

Desde 2023, o Instituto Internacional ARAYARA atua como observador na Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), acompanhando de perto o debate global sobre a mineração em águas profundas — tema ainda mais relevante com a presidência da ISA atualmente sob liderança brasileira. 

“Ao integrar o Projeto Conexões Costeiras, reforçamos o nosso compromisso com a justiça climática, a proteção dos oceanos e a defesa de políticas públicas ambientais eficazes”, completou Araújo. A organização alerta que a mineração marinha representa um risco crescente e exige vigilância constante, regulamentação rigorosa e ampla participação da sociedade civil.

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