A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul informou, na sexta-feira (21/2), que o 16º Termo de Aditamento ao Contrato CGTEE/UPME/98-02026 firmado entre a Companhia Riograndense de Mineração (CRM), estatal do Governo do RS, e a Usina de Candiota III – pertencente ao grupo J&F, controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista (Âmbar Energia) – , teve sua vigência prorrogada por mais 2 meses. O novo prazo estende-se de 28 de fevereiro até 29 de abril de 2025.
A CRM é a única fornecedora de carvão mineral para a UTE Candiota III e tem sido diretamente beneficiada pelos subsídios da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Mensalmente, a usina recebe mais de R$12 milhões para custear a aquisição do combustível fóssil, mesmo sem operação.
Em análise ao Boletim de Contas Setoriais da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e à subconta do carvão mineral, o Instituto Internacional ARAYARA constatou que, em janeiro de 2025, foi realizado um desembolso mensal no valor de R$ 12,7 milhões à Âmbar Energia, referente à UTE Candiota III, destinado à aquisição de carvão mineral. No entanto, o empreendimento encontra-se desligado e sem operação desde 1º de janeiro de 2025, além de não possuir contrato vigente com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). A ARAYARA informa que tomará as devidas providências, notificando a ANEEL sobre os referidos desembolsos milionários, realizados para uma usina inativa, que não está realizando a aquisição de carvão mineral.
“A prorrogação do contrato foi uma medida emergencial, enquanto se aguarda a definição do futuro da Usina de Candiota III, após o encerramento de seus contratos de comercialização de energia com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que venceram em 31 de dezembro de 2024,” ressalta John Wurdig, gerente de Transição Energética do Instituto Internacional ARAYARA.
O engenheiro ambiental destaca que a situação da CRM e da Usina Candiota III é complexa, envolvendo questões ambientais, a política energética nacional, além de interesses de diversos atores. “”A prorrogação do contrato com a Âmbar representa apenas um capítulo dessa história, que ainda trará novos desdobramentos nos próximos meses e, agora, conta com o total apoio do governador Eduardo Leite e do lobby do setor de mineração de carvão”, destaca.
O Governador do RS, estado atingido pela maior tragédia climática do Brasil, pede a continuidade de uma Usina a carvão mineral em pleno 2025, mesmo ano da COP 30
Em 12 de fevereiro deste ano, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, liderou uma força-tarefa em Brasília ao lado de prefeitos, parlamentares gaúchos e integrantes do governo estadual para buscar uma solução emergencial para a UTE Candiota III, paralisada desde 1º de janeiro deste ano.
O grupo se reuniu com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Entre as alternativas discutidas para a retomada das operações, está a possibilidade de edição de uma Medida Provisória pelo governo federal, garantindo a continuidade da usina termelétrica.
Durante o encontro, Leite argumentou que a usina ainda possui condições técnicas para operar por pelo menos mais dez anos. A afirmação chamou a atenção do pós-doutor em Energias e diretor da ARAYARA, Juliano Bueno de Araújo. Segundo Araújo, ao longo de 2023 e 2024, o lobby do carvão mineral do Sul do Brasil articulou junto ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados a prorrogação dos subsídios financeiros à UTE Candiota III até 2050 – um período de mais 25 anos. “Esse movimento incluiu a tentativa de inserir “jabutis” no PL 576/2021, originalmente voltado à regulamentação das eólicas offshore”, ressaltou.
Apesar da pressão do setor, os dispositivos foram vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao sancionar a Lei Federal 15.097/2025, em 10 de janeiro de 2025. Em sua justificativa, o governo destacou que a prorrogação dos subsídios contraria o interesse público por aumentar as tarifas de energia elétrica para consumidores residenciais e para o setor produtivo.
Além disso, o veto ressaltou os impactos negativos na competitividade econômica e nos preços da energia, mencionando ainda que a ampliação do uso de fontes fósseis é incompatível com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (Acordo de Paris), especialmente no que diz respeito à transição energética, à mitigação das mudanças climáticas e à descarbonização da matriz energética nacional.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, da qual o Instituto Internacional ARAYARA é membro fundador e ocupa uma cadeira no Conselho de Gestão, emitiu uma nota declarando que: precisa encerrar geração de energia a carvão com segurança para comunidades e meio ambiente. A FNCE é uma coalizão que reúne organizações de diversos segmentos para participar ativamente das discussões sobre o Setor Elétrico Brasileiro.
Governo pró-carvão
O Rio Grande do Sul é o único estado no mundo cuja secretaria de meio ambiente abriga uma mineradora de carvão. Desde 2019, a Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura inclui a Companhia Riograndense de Mineração, promovendo a extração de carvão como política pública, em conformidade com a Lei Estadual nº 15.047/2017, que criou a Política Estadual do Carvão Mineral e o Polo Carboquímico.
Em dezembro de 2024, a ARAYARA apresentou na Assembleia Legislativa do RS o estudo UTE Candiota 2050 – O futuro insustentável da produção de energia elétrica a partir do carvão mineral subsidiado, revelando infrações ambientais da Companhia Riograndense de Mineração (CRM). A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM-RS), vinculada à Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura, aplicou 24 autos de infração entre 2018 e 2024, somando R$ 1.148.501,73. As irregularidades incluem degradação hídrica e descarte inadequado de rejeitos, sendo a mais grave a exploração de carvão sem licenciamento, afetando áreas protegidas e resultando em uma multa de R$ 738.953,00.
Wurdig critica a decisão do governador Eduardo Leite de priorizar a continuidade da UTE Candiota III com base apenas na captação de subsídios para a compra de carvão da CRM. Ele aponta que essa postura contradiz o Decreto nº 56.347, assinado pelo próprio governador em janeiro de 2022, que formalizou a adesão do Rio Grande do Sul às campanhas globais Race to Zero e Race to Resilience, vinculadas à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
“O decreto determina, no Artigo 2º, que o estado deve evitar novos incentivos a atividades que contribuam significativamente para as emissões de gases de efeito estufa, salvo aqueles destinados à redução dessas emissões. Segundo a plataforma SEEG, Candiota é atualmente o maior emissor de gases de efeito estufa do estado, reforçando a incoerência da decisão governamental”, explicou.
O Instituto Internacional ARAYARA também critica a posição da Secretária Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, que defende que a transição energética é um processo que se estenderá por vários anos. Ela afirma: “Não temos a intenção de, amanhã, encerrar a extração de carvão, pois isso não seria socialmente adequado.” A secretária considera que um prazo razoável para essa transição seria de mais cinco a dez anos. Por outro lado, John Wurdig, Gerente de Transição Energética da ARAYARA, ressalta que a manutenção do ciclo insustentável da extração de carvão mineral pela CRM para queima na UTE Candiota III pelos próximos 10 anos vai contra os princípios da transição energética justa e sustentável, conforme estabelecido no texto final da COP 26. Além disso, essa posição contradiz os compromissos assumidos pelo governador Eduardo Leite, durante a Conferência de 2021, em relação às metas climáticas para o Rio Grande do Sul.
UTE Candiota III : emissões violaram a legislação ambiental
Entre 2020 e 2022, a UTE Candiota III esteve entre as seis termelétricas que mais emitiram gases de efeito estufa (GEE) no Sistema Interligado Nacional, ocupando a 1ª posição em 2020 e 2022 e a 6ª em 2021 (IEMA, 2021; 2022; 2023).
Usando a metodologia da USEPA (1998) para cálculo de emissões, combinada com dados do IBAMA, ONS e Global Warming Potential (USEPA, 2023), estima-se que, entre 2011 e 2023, a usina tenha emitido 21,5 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (tCO₂e). O pico ocorreu em 2021, durante a crise hídrica, com 2,4 milhões de tCO 2 e.
Além do impacto climático, muitas dessas emissões violaram a legislação ambiental sobre qualidade do ar. Como consequência, em 6 de dezembro de 2024, o IBAMA multou a Âmbar em R$500 mil devido a problemas ambientais da UTE Candiota III. O processo tramita sob sigilo no órgão federal.
Privatização da CRM Estagnada no Governo Eduardo Leite
Apesar de ser uma prioridade do governo do Rio Grande do Sul, a privatização da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) não avançou significativamente. Segundo consulta da ARAYARA ao portal de privatizações estadual, o processo teve início com a aprovação da PEC nº 272, em maio de 2019 e da Lei nº 15.300 em julho do mesmo ano, autorizando a desestatização da CRM.
No entanto, a próxima etapa – a assinatura do contrato de assessoramento com o BNDES – ainda não tem previsão para ocorrer. O Relatório da Diretoria de 2023 da CRM confirma que a privatização segue como meta do governo estadual, sendo uma das iniciativas da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA). No fim de 2023, foi firmado um contrato com a consultoria Alvarez & Marsal para diagnóstico, avaliação e definição de estratégias futuras para a empresa.
Inexigibilidade de Licitação e Falta de Transparência no Diagnóstico da CRM
A Inexigibilidade de Licitação nº 005/2023, que resultou na contratação da Alvarez & Marsal Consultoria em Infraestrutura Ltda., destinou-se à elaboração de um diagnóstico, avaliação e estratégias futuras para a CRM. “ O contrato, firmado com a Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura, tem o valor de R$5.087.500,00. No entanto, não há informações públicas sobre o andamento desse plano até o momento”, pontuou Wurdig.
Segundo Wurdig, a UTE Candiota III, que ficou inativa por cinco meses em 2024, ainda recebeu mais de R$78 milhões em subsídios da CDE. “Este empreendimento fóssil, considerado instável, não operou durante as inundações de maio de 2024 no Rio Grande do Sul, evidenciando a falta de segurança e dependência de fontes de energia não renováveis”. Os dados são do Monitor Energia da ARAYARA.
Geração por combustível
O governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Departamento de Energia da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), publica mensalmente o Boletim Energético no site da SEMA. Ao analisar os dados de março, julho, agosto e setembro de 2024, observa-se uma grande variação na geração de energia a partir do carvão mineral, proveniente das Usinas de Pampa Sul e Candiota III, localizadas no município de Candiota.
De acordo com informações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), apenas a Usina Pampa Sul forneceu energia elétrica durante o desastre climático que atingiu o estado entre abril e junho de 2024. Essa informação pode ser confirmada no gráfico elaborado pela ARAYARA.
Termelétricas e enchentes do RS
A Usina de Candiota III ficou inoperante por mais de 6 meses em 2024, conforme confirmado pela Nota Técnica nº 183/2024 da ANEEL, que suspendeu a operação da Unidade Geradora UG 01 entre abril e setembro. A usina só voltou a operar após a Nota Técnica nº 207/2024, em 2 de outubro.
Entre 01/01/2024 e 18/11/2024, a usina ficou 56,5% do tempo (182 dias) fora de operação, não contribuindo para a geração de energia durante a tragédia climática que atingiu o estado nos meses de maio e junho de 2024. No entanto, recebeu mais de R$ 78 milhões de subsídios da CDE.