+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Mutirão TecnoClima discute papel da tecnologia na crise climática e aponta exclusões estruturais

No último domingo (15), o Instituto Internacional ARAYARA marcou presença no “Mutirão TecnoClima na COP30: Agenda de Ciência e Tecnologia”, realizado em Brasília, na sede da WWF Brasil. O encontro reuniu especialistas, organizações da sociedade civil e representantes de povos tradicionais para discutir o papel estratégico da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) na governança climática internacional, destacando lacunas históricas que persistem desde a Rio-92.

O encontro marcou o lançamento do Policy Brief “Reavaliando o papel da CT&I na governança climática e ambiental internacional”, que traça uma linha crítica desde as promessas feitas em 1992 até os desafios atuais de uma ciência que ainda prioriza interesses geopolíticos e econômicos do Norte Global, em detrimento dos saberes e realidades do Sul Global.

A tecnologia sem participação social

Organizado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), pelo World Transforming Technologies (WTT) e pela Plataforma Cipó, o evento integra o movimento “Mutirão TecnoClima”, que busca consolidar a tecnologia como um pilar da ação climática. Porém, diversas vozes alertaram: a tecnologia dominante segue ignorando os territórios e os conhecimentos dos povos originários e comunidades tradicionais.

A antropóloga e liderança indígena Cristiane Julião, do povo Pankararu, foi categórica: “o que é ciência sob a ótica branca e ocidental? E o que é conhecimento para os povos indígenas? A CT&I que se impõe hoje é feita sem nós, apenas nos convida a opinar sobre estruturas que já vêm prontas.”

Ela também denunciou a falsa participação social, o incentivo à tecnologia pensada para o Ocidente e o contínuo processo de tutela sobre os povos indígenas. Além disso, alertou para a desconexão entre as COPs do Clima, da Biodiversidade e da Desertificação, o que fragmenta o debate e dificulta ações integradas.

Desenvolvimento para quem?

Representando o Ministério das Relações Exteriores, Pedro Ivo reforçou os alertas da ciência ocidental sobre o colapso climático — como o avanço inevitável do aquecimento global acima de 1,5ºC e os pontos de não retorno que já se aproximam. Porém, ele também reconheceu que a COP30, que será realizada em Belém (PA), enfrenta desafios políticos:

  • Países ainda resistem em pautar a transferência internacional de tecnologias sustentáveis;

  • Questões de propriedade intelectual seguem intocadas;

  • O debate científico continua centrado em soluções técnicas e desconectado dos conhecimentos tradicionais.

Juventudes, territórios e resistência

Na mesa da tarde, o debate foi guiado pela urgência da participação social na COP30. A jovem ativista Marcele Oliveira, nomeada “campeã climática da juventude” da conferência, destacou que a presença das juventudes no processo é recente, mas fundamental.“Somos parte do território, por isso temos tanto a dizer sobre a crise climática.”

Já Alberto Terena, do Conselho Terena e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), destacou: “a demarcação dos nossos territórios é uma ação concreta contra a crise climática.” Ele apresentou a campanha #ARespostaSomosNós, que defende territórios livres da exploração de combustíveis fósseis, da mineração e do desmatamento, além do acesso direto a recursos de financiamento climático.

Agroecologia contra a imposição tecnológica

O enviado especial para abordar o tema agricultura familiar, Paulo Petersen, criticou a tentativa de transformar a agricultura familiar em um “pequeno agronegócio”. Para ele, é preciso resgatar a cultura da terra e não apenas tratá-la como negócio. “Paisagens com biodiversidade produzem cultura, e é isso que devemos proteger.”

A mobilizadora socioambiental da  ARAYARA, Raíssa Felippe, concluiu o debate com uma reflexão crítica sobre o uso da expressão “transferência de tecnologia”, frequentemente associada à imposição de pacotes da Revolução Verde — como sementes transgênicas, fertilizantes e agrotóxicos — que desconsideram o modo de vida dos povos tradicionais e reforçam o avanço do agronegócio sobre seus territórios.“Tecnologia não é só o produto final, mas o modo de fazer. E, se estamos falando de territórios, a CT&I precisa ser antirracista”, afirmou Felippe.

CT&I na COP30

O evento também apresentou plataformas e dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que vêm sendo preparados para a COP30, como o SIRENE (Sistema Nacional de Emissões), o SINAPSE (Simulador Nacional de Políticas Setoriais e Emissões) e o Adapta Brasil. 

No entanto, sem uma reestruturação do debate sobre quem define o que é ciência e quem participa da sua construção, participantes alertaram sobre o risco da COP30 reproduzir as exclusões históricas de sempre.

Para o analista técnico climático e de geociências da ARAYARA, Joubert Marques, o  Mutirão TecnoClima foi um espaço importante de troca de saberes e experiências. A COP30 só terá legitimidade se valorizar conhecimentos tradicionais e garantir justiça nos territórios, não apenas tecnologias importadas.

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

ARAYARA na Mídia: Sob críticas de ambientalistas, Lula pede que ministérios elaborem ‘mapa do caminho’ nacional para transição energética

Medida que fala em ‘redução gradativa dos combustíveis fósseis’ vem em meio às repercussões sobre exploração na Margem Equatorial e três semanas após o fim da COP30, quando elaboração de documento semelhante para o mundo foi prometida pela presidência brasileira Por Lucas Altino e Luis Felipe Azevedo — Rio e Belém 08/12/2025 12h57 O presidente Lula determinou que ministérios elaborem,

Leia Mais »

POSICIONAMENTO: Não se financia solução ampliando o problema

O Instituto Internacional ARAYARA vê com profunda preocupação o fato de o despacho presidencial propor que a transição energética brasileira seja financiada justamente pelas receitas provenientes da exploração continuada de petróleo e gás. Trata-se de uma contradição estrutural: não é coerente — nem sustentável — financiar a superação dos combustíveis fósseis com a ampliação da sua própria extração. Essa lógica

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Congresso inclui em MP brecha para asfaltamento da BR-319, via na Amazônia que gerou bate-boca de senadores com Marina

A Licença Ambiental Especial (LAE), aprovada pelo Senado anteontem, contém uma brecha para a liberação da pavimentação da rodovia BR-319 em até 90 dias. A obra, que corta o coração da Amazônia, é apoiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e está no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ao mesmo tempo em que é criticada por ambientalistas,

Leia Mais »

URGENTE | Leilão do Pré-Sal: ARAYARA cobra governança pública e popular e defesa da soberania energética e climática

O Instituto Internacional ARAYARA vem a público manifestar profunda preocupação com a atual estratégia da Petrobras e a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que insiste na entrega de seus ativos para acionistas privados e estrangeiros, em flagrante contradição com a emergência climática e a própria abundância de reservas nacionais já conhecidas. Esse contra senso é agravado diante da necessidade de que

Leia Mais »