“Como pode o homem viver e esquecer o futuro? Sabe que ele planta hoje e amanhã os jovens que colherão os frutos”. A letra da música Mundo Jovem, da cantora Negra Li, traduz um pouco do sentimento desta nova geração, que entende bem o que os aguarda se as lideranças mundiais continuarem empurrando para o futuro ações emergenciais para salvar o planeta.
Há poucas semanas, uma decisão judicial surpreendeu a Alemanha e mostrou ao mundo do que essa nova geração é capaz. Considerada histórica, a decisão apontou que a lei climática do país é parcialmente inconstitucional e ordenou que o governo estabelecesse metas claras de redução de emissões após 2030.
Isso tudo porque jovens do movimento Fridays for Future – iniciado pela jovem Greta Thunberg – e outras organizações demandam mudanças argumentando que a atual lei da chanceler Angela Merkel joga grande parte da responsabilidade de cortar emissões de gases de efeito estufa para o futuro, levando os jovens a realizar sacrifícios muito maiores para evitar o aquecimento global.
Por conta da decisão, o governo alemão está aumentando sua ‘ambição climática’ para atingir as emissões líquidas zero até 2045, refletindo a demanda pública por políticas climáticas e sustentáveis.
O ministro das finanças Olaf Scholz e o ministro do meio ambiente Svenja Schulze anunciaram as metas propostas a serem pressionadas em Berlim: uma redução de emissões de 65% até 2030, 85-90% até 2040 e emissões líquidas zero até 2045, todas comparadas aos níveis de 1990. Anteriormente, as metas eram de 55% até 2030 e neutralidade climática até 2050.
A Alemanha passa a ter a segunda maior meta de redução de emissões para 2030 de qualquer grande emissor, em comparação com os níveis de 1990, depois do Reino Unido. Seria a maior economia a se igualar à ambição zero líquida da Suécia em 2045.
Brasil segue o mesmo caminho
No Brasil, jovens ativistas também fizeram história com uma ação sem precedentes no mês passado, processando o governo brasileiro por revisar seus compromissos sob o Acordo de Paris de uma forma que permita ao país emitir mais gases de efeito estufa – a agora conhecida pedalada climática. A iniciativa partiu de jovens ativistas do Fridays For Future Brasil e do Engajamundo.
A ação busca anular os compromissos revisados de emissões que o Brasil apresentou em dezembro, o que permite o aumento das emissões de gases de efeito estufa em 400 milhões de toneladas em 2030, em relação ao que havia sido estimado anteriormente.
A mudança foi considerada uma violação do Acordo de Paris, que só permite aos países aumentar o nível de ambição de seus NDCs, não reduzi-lo.
“Foi a primeira vez que jovens processaram o governo e isso é muito importante. O governo da Alemanha, apesar do lado político, pelo menos se mostra disposto a melhorar. O Brasil, ao invés de ser mais ambicioso, está no caminho inverso”, ressalta o ativista Dalcio Costa, de 17 anos, integrante do Fridays For Future Brasil.
“Os movimentos jovens existem desde sempre, mas com a era da internet e um maior acesso às informações e às pessoas, temos ainda mais possibilidades. O FFF teve início com protestos – presenciais e digitais -, mas agora também estamos ocupando nossos espaços na justiça, com ações judiciais e mobilizações. Temos um acesso e um contato com a política que antes não existia. Está ocorrendo uma ação de empoderamento jovem, de ocupar nosso lugar”, complementa.
O Instituto Internacional Arayara e o Fridays For Future Brasil têm se reunido semanalmente em oficinas de capacitação para trocar experiências, conhecimentos e organizar campanhas de mobilização.
“Depois que entrei para o FFF e tive acesso à Arayara posso dizer que cresci bastante no ativismo. Nós prezamos muito por ouvir e trocar porque essas relações com outros movimentos são muito importantes. O FFF no Brasil é relativamente novo. A Arayara, com a luta de anos contra os combustíveis fósseis e pelas energias renováveis, tem nos ensinado muito sobre isso. E ficamos felizes também com essa troca, porque aprendemos, ouvimos e somos ouvidos”, finaliza Dalcio.
Para a diretora do Instituto Internacional Arayara, Nicole de Oliveira, a parceria tem reforçado os movimentos. “Quando unimos diferentes gerações dentro de um mesmo objetivo, que é o de defender um mundo mais sustentável e justo, o resultado é uma infinidade de ideias, ações e projetos concretos que se complementam. O momento que vivemos é de urgência e vemos, cada vez mais, essas forças jovens concentradas no mesmo propósito”.
Nova geração se destaca, também, nas pesquisas
Pesquisas recentes têm apontado para uma preocupação maior relacionada ao futuro do planeta entre jovens. No Reino Unido, quase um quarto dos jovens de 15 a 18 anos considera seguir uma carreira no combate às mudanças climáticas, de acordo com uma nova pesquisa da Royal Society of Chemistry (RSC).
Outras descobertas da pesquisa revelam que mais da metade dessa faixa etária pensa que a mudança climática é o maior problema que o mundo enfrenta hoje.
A pesquisa também mostra que os jovens acreditam que a ciência desempenha um papel significativo no combate às mudanças climáticas, com 26% deles dizendo que os cientistas têm o maior papel a desempenhar na abordagem ao tema.
Outro estudo recente mostra que cerca de 83% dos americanos da geração Z – pessoas entre 14 e 24 anos – estão preocupados com a saúde do planeta e dizem que a qualidade de seu meio ambiente afeta sua saúde e bem-estar.
No Brasil, uma pesquisa inédita – divulgada em fevereiro – sobre a percepção dos brasileiros em relação às mudanças climáticas e as queimadas na Amazônia, mostra que 77% dos brasileiros consideram a preservação mais importante do que o crescimento econômico.
A pesquisa foi realizada pelo IBOPE Inteligência a pedido do Instituto de Tecnologia e Sociedade – ITS Rio, em parceria com o Programa de Comunicação de Mudanças Climáticas da Universidade de Yale, dos Estados Unidos.
No cenário das mudanças climáticas, os brasileiros são quase unânimes (92%) em acreditar nos processos de aquecimento global a que o mundo está submetido, e cerca de oito em cada dez consideram que ele é causado principalmente pela ação humana (77%).
A pesquisa mostra que os jovens e os mais escolarizados, no cenário geral, são os que mais se importam com o aquecimento global.