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Às vésperas da COP30, prazo para entrega de metas climáticas chega ao fim com metade da adesão registrada há quatro anos

Painel da ONU mostra que 56 nações submeteram as NDCs até o fim de setembro, enquanto, em 2021, a cerca de 40 dias da conferência, a lista era composta por 113

Às vésperas do início da COP30, o prazo para que os países signatários do Acordo de Paris entreguem suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) foi encerrado nesta terça-feira com metade da adesão registrada em 2021, quando ocorreu a rodada anterior de apresentação da atualização das metas climáticas. Segundo o painel da Organização das Nações Unidas (ONU), 56 países submeteram o documento até o fim de setembro, enquanto, há quatro anos, a cerca de 40 dias do início da conferência, a lista era composta por 113 nações. Apenas as NDCs encaminhadas até esta data limite delimitada pelo secretariado da Convenção do Clima (UNFCCC) estarão no relatório-síntese da ONU, cujo objetivo é destaca os principais achados, progressos e recomendações para o evento.

O apelo para que as metas sejam entregues antes da COP30 foi um dos temas centrais das agendas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Nova York, na semana passada, quando participou da abertura da Assembleia-Geral da ONU e dos painéis da Semana do Clima. A apresentação da atualização das NDCs a cada cinco anos é um dever dos 195 signatários do Acordo de Paris, com objetivo de intensificar a redução de emissões e promover a adaptação climática.

A organização da COP30 alega que cerca de 100 países já apresentaram ou se comprometeram a entregar seus compromissos até o início da conferência de Belém.

A ausência, até o momento, das NDCs da União Europeia — que indicou que entregará as metas até o início da COP — e da Índia, além da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, cuja meta é manter o aquecimento em até 1,5ºC em comparação aos níveis pré-industriais, preocupa ambientalistas. avaliação é que o cenário torna mais imprevisível o entendimento do quão ousadas podem ser as negociações e traz entraves para a captação de financiamento para a conservação da natureza.

— Ao analisarmos o quadro atual de NDCs globais, nem se começa a resolver o problema. Precisamos ver o quão efetivo será o Brasil para pressionar os países a apresentarem metas até a COP30. Mas, infelizmente, o Brasil não está em seu melhor momento internacionalmente para liderar esse movimento. A nossa capacidade de influenciar é menor do que foi no início dos anos 2000 — destaca Antônio Augusto Reis, especialista em Direito Ambiental e Mudanças Climáticas do escritório Mattos Filho.

O entendimento de que a crise do multilateralismo — provocada pela guerra entre a Rússia e países europeus e pela taxação dos Estados Unidos contra outras nações — causa entraves para a apresentação de NDCs é compartilhado por Dan Levy. Professor de Direito e Meio Ambiente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ele entende haver necessidade de uma nova prorrogação das tratativas pela entrega das metas, cujo prazo inicial era fevereiro, para que a discussão na COP30 não seja enfraquecida.

— O impacto é sentido, sobretudo, no financiamento climático. Sem recursos, não se consegue colocar em prática as políticas de mitigação e adaptação, os instrumentos para que o Acordo de Paris tenha resultados. Sem investimentos, não se reduzem as emissões — pontua Levy.

O financiamento é uma das apostas brasileiras para a COP30. Durante a Semana do Clima, Lula anunciou o investimento brasileiro de US$ 1 bilhão no Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF). A iniciativa visa fortalecer a manutenção da vegetação em pé e pretende viabilizar pagamentos para os países que garantirem a conservação verde. No total, mais de 70 nações em desenvolvimento poderão receber recursos.

— Identificamos que os recursos para conservação são escassos. O TFFF foi pensado para preencher essa grave lacuna de financiamento — disse Lula em reunião de apresentação do projeto à comunidade internacional.

Organizações da sociedade civil, entretanto, cobram mais medidas para que a conferência atinja o objetivo de apontar para soluções concretas de redução de emissões.

— A expectativa das organizações comprometidas com a justiça climática é de que esta seja a COP das implementações. Foi o que ouvimos repetidamente em Nova York. Estamos prontos para apresentar soluções concretas que demonstrem que a eliminação gradual dos combustíveis fósseis não é apenas necessária, mas plenamente viável — alega Heloísa Simão, advogada do Instituto Internacional Arayara.

Semana decisiva

O cenário na semana climática de Nova York e na Assembleia da ONU difere do ambiente na conferência de Bonn, na Alemanha, em junho, quando a insatisfação internacional com a infraestrutura de Belém monopolizou o debate.

Entidades ambientalistas criticam, no entanto, que os discursos de líderes de Estado na abertura da conferência da ONU e fóruns de discussão multilaterais foram dominados pelo contexto internacional de guerras militares e comerciais, havendo pouco espaço para o debate ambiental.

A rede Observatório do Clima, por exemplo, analisou como “correta”, mas “não mais que isso”, a abordagem de Lula no pronunciamento ocorrido há uma semana. Os ambientalistas destacam que o petista dedicou menos de três dos mais de 18 minutos de fala ao tema.

— Algumas pautas andaram na semana climática, mas o avanço ainda está muito aquém do que é preciso para se ter uma COP com a agenda mais definida. Países prometerem que entregarão as NDCs não resolve a questão, o que é preocupante a menos de dois meses da conferência. Um destaque foi a China, que, pela primeira vez, apresentou metas que englobam toda a sua economia, mas o número de redução ainda é pouco — aponta Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

O entendimento de que as metas do gigante asiático, que é atualmente o maior emissor mundial de gases do efeito estufa que contribuem para as mudanças climáticas, estão aquém do necessário é compartilhado por Camila Jardim, especialista em Política Internacional do Greenpeace Brasil.

— Os destaques da semana climática infelizmente foram negativos: a União Europeia chegou à conferência apenas com uma carta de intenções, e a China, apesar de apresentar pela primeira vez na história números absolutos em sua NDC (redução de 7% a 10% em relação ao ano de pico), colocou metas muito abaixo do que o mundo precisa (30%) e abaixo de sua trajetória atual (9% a 12%) — avalia Jardim.

Já Karen Oliveira, cofacilitadora da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, vê avanços importantes na semana climática devido ao crescimento do número de países comprometidos com a entrega das NDCs. Entretanto, ela ressalta que as expectativas com relação a um resultado “transformador” provocado pela COP30 “são extremamente baixas”.

— Os cinco principais emissores atuais, que são China, Estados Unidos, Índia, União Europeia e Rússia, mostram estar dispostos a apenas se comprometer com metas de redução abaixo das expectativas ou sequer apresentá-las à ONU. Juntos, esses países respondem por 67% das emissões no mundo e precisariam ter compromissos mais engajados para uma mudança significativa no panorama global — aponta Oliveira.

Divergências explícitas

Os posicionamentos de Lula e do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante a abertura da conferência da ONU, evidenciaram as divergências dos governos brasileiro e americano no combate às mudanças climáticas. Os Estados Unidos são uma das nações que não têm participação confirmada na conferência. Até o momento, 87 países têm hospedagens garantidas para as delegações completas.

Diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann vê na agenda ocorrida em Nova York ecos do tensionamento dos dois países:

— Lula e Trump expuseram visões diametralmente opostas de como deve ser a regulação dos problemas mundiais, sobretudo os climáticos — aponta.

Se por um lado, Lula afirmou que “bombas e armas nucleares não irão nos proteger da crise climática” e que 2024 “foi o ano mais quente já registrado”, Trump voltou a defender o uso do carvão como fonte de energia e celebrou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. O americano também disse que “países não desaparecerão por causa do aquecimento global” e alegou que a mudança climática é a “maior farsa já perpetrada no mundo”.

Para Giovani Loss, advogado do escritório Mattos Filho, com ênfase na área de energia, é preciso entender que a transição energética é um processo de médio e longo prazos, que deve ser realizado de forma compatível com a realidade econômica mundial.

— A discussão precisa ser ampla, e vejo a solução em um caminho do meio. Em um dado momento, existiu um discurso que classificava como ruim a defesa de qualquer coisa que não fosse um pensamento radical ambientalista, o que levou a um caminho muito agressivo, a ponto de países banirem o petróleo e gás, por exemplo. Aí vem o Trump e puxa demais a corda para o outro lado, com um certo negacionismo. Na minha visão, a velocidade da transição tem relação com o preço da energia. Precisamos olhar para isso — defende Loss.

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