O Instituto Internacional ARAYARA, organização dedicada à justiça climática e à transição energética justa e sustentável, divulgou, ontem (27), uma nota de desagravo contra a Portaria Normativa nº 118/2025 do Ministério de Minas e Energia (MME), publicada em 23 de outubro. A medida estabelece as diretrizes e sistemáticas para o Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) 2026, que inclui a contratação de usinas termelétricas movidas a carvão mineral.
De acordo com o MME, o leilão será realizado em duas etapas: o primeiro em 18 de março de 2026, voltado a usinas termelétricas a gás natural, carvão mineral e hidrelétricas; e o segundo, em 20 de março, para usinas a óleo e biodiesel. O cadastramento de projetos segue aberto até 14 de novembro de 2025.
Críticas e contradições
O gerente de Transição Energética da ARAYARA, John Wurdig, afirma que a organização apresentou, durante a Consulta Pública nº 194/2025, diversos argumentos técnicos e socioambientais contra a inclusão de termelétricas a carvão. Segundo Wurdig, o MME ignorou as contribuições, mantendo a elegibilidade de usinas já existentes, sob a justificativa de “preservar a segurança de suprimento e aproveitar ativos operacionais amortizados.
“Essa decisão representa um retrocesso climático e ambiental, contrariando compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e as metas de neutralidade de carbono até 2050”. O engenheiro ambiental lembra que o carvão é a fonte mais poluente do setor elétrico, responsável pelas maiores emissões de gases de efeito estufa e passivos ambientais da América Latina.
“No ano em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, o governo federal toma uma decisão que contraria a lógica da transição energética justa e sustentável. O país deveria liderar a descarbonização, não reforçar a dependência de fontes fósseis”, declarou o Instituto em nota.
Argumentos técnicos
O MME argumenta que a contratação de usinas a carvão se justifica pela necessidade de flexibilidade operacional para complementar fontes intermitentes, como a solar e a eólica. No entanto, a ARAYARA contesta o argumento, citando estudos internacionais que apontam a baixa flexibilidade das térmicas a carvão, com tempos de partida que chegam a dias, o que as tornaria inadequadas como reserva de potência.
Outro ponto destacado pela organização é que essas usinas permanecem ligadas por longos períodos — até 75% do ano —, o que as transforma, na prática, em geração de base disfarçada de reserva de potência, aumentando as emissões de carbono.
O diretor técnico da ARAYARA, Juliano Bueno, Doutor em Riscos e Emergências Ambientais, conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) relata que a situação se agrava com regras que tratam de retrofits ou ampliações de empreendimentos existentes, com menos exigências de licenciamento, que foi facilitado pela Lei Federal nº 15.190/2025, fruto do PL da Devastação.
“Na prática, trata-se de uma estratégia para prolongar a vida útil de ativos antigos e emissores de gases de efeito estufa, como as usinas Figueira (PR) e Candiota III (RS), Porto de Itaqui (MA) e Pecém 2 (CE)”, afirma.
Impactos sociais e regionais
A ARAYARA também denuncia os impactos sociais nas regiões carboníferas, especialmente no Sul do país, onde comunidades convivem há décadas com poluição, contaminação de recursos hídricos e degradação ambiental. A organização critica a ausência de políticas de transição justa que assegurem novos empregos e capacitação profissional para os trabalhadores do setor.
Na nota, a ARAYARA defende que o Brasil priorize soluções limpas e tecnológicas, como o armazenamento em baterias, que podem oferecer reserva de capacidade de forma sustentável e eficiente. Segundo a entidade, o país tem potencial para aproveitar melhor os 43 GW de geração distribuída já instalados, reduzindo custos e emissões.
Chamado à responsabilidade
A ARAYARA e a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) exigem a exclusão das termelétricas a carvão dos leilões, a revisão da política energética nacional e o fortalecimento de políticas públicas de transição justa.
“O Brasil precisa olhar para o futuro, não para o passado. Manter o carvão na matriz elétrica é manter o país preso a uma economia fóssil, poluente e desigual”, conclui o texto.
A nota enfatiza que, em plena emergência climática global, o país deveria liderar o processo de descarbonização e promover uma transição “justa, limpa e comprometida com a vida”, em vez de prolongar os lucros do setor fóssil.
Foto: reprodução/ Creative Commons.















