Duas ações no dia de hoje podem começar a trazer de volta ao Brasil muito do que parecia perdido quando o genocida destruidor de vidas e de florestas entrincheirou-se no Palácio do Planalto. Ambas à tarde e em Brasília, uma das ações acontece na Câmara dos Deputados e a outra, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na Câmara, parlamentares de todos os partidos de esquerda, vários do autoproclamado centro e até alguns da direita assumida – além de entidades populares como o MST, o MTST e a Coalizão negra Por Direitos – entregam ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-L), o chamado “superpedido de impeachment” do genocida destruidor de vidas e de florestas.
Serão listados pelo menos 21 crimes que teriam sido cometidos pelo negacionista, desde a omissão quanto a definir um programa específico de vacinação de povos indígenas, passando pela omissão diante da pandemia que já assassinou quase 530 mil almas brasileiras até a denúncia feita na sexta-feira, 29, pelos irmãos Miranda na CPI da Covid-19, de que há corrupção no Ministério da Saúde e em especial, na compra da vacina indiana.
Chama-se superpedido porque o texto, redigido principalmente pela Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD), tentará reunir as justificativas dos quase 130 pedidos de impeachment anteriores, que hibernam na gavetas de Lira – e só ele tem a chave das gavetas e a caneta que pode assinar a abertura de processo de impedimento.
A Constituição garante discricionariedade ao Presidente da Câmara na decisão de abrir ou não o processo de impeachment contra Presidentes da República. Traduzindo: Lira, e somente ele, bolsonarista destacado e membro do impoluto PP, o partido que mais teve parlamentares denunciados pela finada Lava Jato, pode constituir comissão especial que inicia o processo de impeachment que começa na Câmara e termina no Senado.
Ouça aqui a entrevista de Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Imagens: Mídia índia |
A outra ação acontece no STF, que terá a grande chance de fazer, ou não, honrar o título absoluto de Supremo.
O Tribunal vai julgar a mais importante ação de sua história, aquela que em sua natureza profunda estabelece as bases da própria constituição do Brasil enquanto nação. E que, a rigor, remonta as suas bases ao direito estabelecido dos indígenas que já habitavam essas terras quando os europeus chegaram aqui em 1500 e aos seus descendentes atuais.
O STF vai julgar o que na tecnicalidade do Direito e do trâmite do órgão se chama Recurso Extraordinário de Repercussão Geral Reconhecida do assim chamado “marco temporal”. Na prática, significa o seguinte.
Os Ministros e as Ministras decidirão se acolhem a tese de que só teriam direito às terras os indígenas que nelas já vivessem na promulgação da Constituição Brasileira, em 5 de outubro de 1988. A decisão é tão determinante, seja ela qual for, que irá valer para todas as decisões daqui por diante do próprio STF e das instâncias inferiores da Justiça brasileira.
Sem meias palavras, é um questão de vida ou de morte, considerando que, para todas as culturas indígenas, a vida humana é indissociável da terra em que se vive.
Mas, a definição da data em si já embute uma armadilha, uma tramoia.
Afinal, em nenhum regramento do Estado brasileiro assim estava definido anteriormente, o que impediria os indígenas de serem conhecedores de seus direitos e de por eles lutarem.
E, também, porque o Estado brasileiro foi autor de expulsões e assassinatos massivos de indígenas na segunda metade do século 20, quando, para concentrar a renda nas mãos de grupos empresariais nacionais e multinacionais, o governo brasileiro expulsou às dezenas de milhares indígenas para abrir nas florestas rodovias, hidrelétricas, cidades inteiras.
Expropriou em massa, principalmente a partir da ditadura que militares e empresários brasileiros,como apoio explícito do governo dos EUA, a partir de 1 de abril de 1964.
Aí estão a comprovar o morticínio indígena produzido por todos os tipos de armas, legislações e atos administrativos oficiais o Relatório Figueiredo (de 1967) e o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (2014). Os dois documentos, oficiais, reconhecem que toda sorte de violências foi cometida contra indígenas para se apossar de suas terras.
E os latifundiários que assim o fizeram, com a cobertura covarde do Estado brasileiro, sustentam no STF que têm o direito a essas terras expropriadas.
Ambos os relatórios retiraram das tumbas os cadáveres de dezenas de milhares de indígenas assassinados para que o Estado brasileiro e os grupos empresariais a ele associados cometessem toda sorte de crimes para expulsar indígenas de suas terras ancestrais, levando adiante desavergonhados esbulhos possessórios – roubos, em bom Português.
Ademais, o que dizer dos povos nômades, como os Yanomami, que não se fixam nesta ou naquela porção de terra, mas justamente porque assim se lhe orienta a sua cosmo visão, deslocam-se continuamente de um bioma a outro, por convicção ou por necessidade, muitas vezes até desconhecendo as fronteiras políticas estabelecidas por Estados nacionais?
Emblemático desses momentos – o atual e o histórico – porque passam os indígenas brasileiros foi a extrema violência com que foram tratados na semana passada pela covarde e ilegítima Polícia Militar do Distrito Federal. Aos manifestantes por direitos, a PM distribui bombas de efeito moral. Aos moralistóides vestindo camisas da corrupta CBF, sorrisos cúmplices.
Emblemático porque os indígenas – inclusive crianças e idosos – protestavam no dia 23 passado contra o ignóbil Projeto de Lei 490, afinal aprovado na (sic) Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que entre outras ilegalidades acaba com os critérios democráticos de demarcação de terras indígenas.
Emblemático também porque, justamente naquele dia, pediu demissão o então Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, acusado de corrupção na venda ilegal de milhares de toneladas de madeira, e que não passava de um operador do genocida destruidor de vidas e de florestas – este, cujo mandato é questionado no Parlamento brasileiro, mas cuja saída é denegada por um apaniguado seu que atua na Presidência da Câmara.
O resultado das duas ações de hoje, no Congresso e no STF, terá uma espécie de continuidade no sábado, dia 3 de julho, para o qual estão convocadas as manifestações pelo impeachment do genocida e por vacinação ampla, geral e irrestrita.
Em boa medida, elas serão a confirmação sobre se esta semana de fato é decisiva para a retirada do negacionista do Palácio do Planalto, o que, indiretamente, reforçaria a injustiça que é o tal marco temporal sustentado apenas por latifundiários aliados ao genocida, ou se a Nação começa a retomar esse sentido para todos os seus cidadãos.
Não será, entretanto, uma batalha simples de ser vencida.
Ontem à noite a Procuradoria Geral da República (PGR), instada a se manifestar pela notícia-crime de corrupção no Planalto, sugeriu ao STF rejeitar a abertura de investigação. Mas, a argumentação da PGR é de um temor que expressa ao mesmo tempo medo de abrir a investigação, e atingir um aliado do Procurador-Geral Augusto Aras, e também reconhecimento de que é inevitável fazê-lo.
A própria PGR, em sua manifestação ao STF, indicou que a CPI da Covid-19 está no caminho certo e que, se o STF fizer um novo pedido, a PGR pode sim investigar o genocida. Tudo isso aumenta muito a importância de os atos de sábado serem massivos, porque eles têm a capacidade de pressionar senadores, PGR e ministros do STF.
O Brasil que terminará esta quarta-feira, 30 de junho de 2021, não será o mesmo daquele de ontem.
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