Parlamentares se comprometeram a tomar providências em relação ao desrespeito às comunidades locais e aos crimes ambientais, durante audiência pública na Câmara Federal
Representantes da Arayara.org e de instituições parceiras participaram nessa quarta-feira (3/8) de uma audiência pública liderada pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) e de Minas e Energia (CME) da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), para relatar as irregularidades e consequências graves da instalação de um complexo termelétrico flutuante na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro. A organização também formalizou seu pedido de providências para barrar o empreendimento e responsabilizar, além da proprietária das usinas – a Karpowership (KPS) – as agências reguladoras e órgãos ambientais envolvidos, além de anunciar uma nova ação judicial.
Sensibilizados pelos relatos feitos na audiência, a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), da CDHM, e o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), da CME, comprometeram-se a conduzir alguns encaminhamentos, entre os quais, formalizar denúncia a organismos internacionais sobre a violação aos direitos humanos e realizar sindicâncias no local da instalação das termelétricas. Ambos se mostraram favoráveis à transição energética justa e sustentável ao considerarem um erro “sujar” a matriz elétrica brasileira, com investimentos em térmicas movidas a combustível fóssil.
Fim do racismo energético
Juliano Bueno de Araújo, que esteve representando o Observatório do Petróleo e Gás na audiência pública na Câmara, falou sobre o amplo estudo realizado em conjunto entre várias instituições a respeito do impacto social e econômico da implantação de termelétricas no Brasil, que consolida uma condição de racismo ambiental e energético entre as famílias de baixa renda. “Cada termelétrica que a gente “pluga” na tomada, que se conecta ao Sistema Interligado Nacional, significa um aumento tarifário”, advertiu.
Araújo criticou o planejamento energético brasileiro, pois, segundo ele, as falhas nas políticas atuais, além do aumento nas tarifas, geram inflação, desemprego e aumento das emissões de gases de efeito estufa, agravando a situação no país, que já apresenta 9 milhões de pessoas com dificuldades para pagar suas contas de luz e outra parcela de 1,3 milhão de pessoas sem acesso à rede elétrica.
O diretor da Arayara também criticou a contratação emergencial de termelétricas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por meio de Procedimento Competitivo Simplificado (PCS), em outubro de 2021, pois o custo da energia dessas usinas, o que inclui as da KPS, é quase sete vezes maior do que de outros empreendimentos em operação no país. “Queremos o fim do racismo energético e uma energia limpa e barata para todos. Não queremos uma energia suja e cara. Defendemos um modelo de transição justa e sustentável, que gera milhões de empregos para o país”, destacou.
Irregularidades
O primeiro a ser ouvido na audiência pública, acompanhada de forma on-line por cerca de 1 mil pessoas, foi o coordenador técnico da Arayara.org, engenheiro ambiental John Würdig, que fez um retrospecto de como se deu o processo de licenciamento das termelétricas da KPS, relatando irregularidades tanto em relação à legislação ambiental quanto de direitos humanos.
Um dos grandes problemas, segundo Würdig, foi a inexigibilidade de estudos e relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA) pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA), que recebeu a delegação do Ibama para conduzir o processo, alguns dias após a empresa já ter iniciado o licenciamento no órgão estadual. A lei determina obrigatoriedade de EIA-RIMA para empreendimentos de geração de energia com capacidade superior a 10 MW. A potência da UTE Rio de Janeiro é de 560 MW. “Esse enorme empreendimento, que vai queimar 3 milhões de metros cúbicos de gás por mês, ganhou isenção de EIA-RIMA do Estado do Rio de Janeiro”, criticou.
Outra questão grave relatada na audiência pública foi a ausência de consulta prévia às comunidades tradicionais da região da Baía de Sepetiba. Esse fato infringe a Convenção n.° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), já que o empreendimento tem impacto direto sobre o meio de sobrevivência de 3,5 mil pescadores e marisqueiras. “Esse é um dos maiores crimes de racismo ambiental e de direitos humanos já visto no Brasil”, enfatizou Würdig.
O especialista da Arayara falou ainda sobre o desrespeito à Instrução Normativa n.º 16, do Ibama, que gerou uma nova ação civil pública proposta pela Arayara. A norma regulamenta operações de transbordo de petróleo e derivados entre embarcações, chamadas de ship-to-ship.
Também participaram da audiência pública, contribuindo para o debate, a professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Helena de Godoy Bergallo, o representante da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos – CONFREM Brasil, Flávio Lontro, e o procurador da República do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, Jaime Mitropoulos. Representantes do INEA e Ibama foram convidados, mas não compareceram à audiência.
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Assista a audiência na íntegra: