+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

COP 25: Carta dos indígenas colore e dá sentido à frustrada reunião de cúpula do Clima em Madri

A jornalista Amelia Gonzalez, que escreve sobre sustentabilidade e debate temas ligados a economia, meio ambiente e sociedade, escreveu, em sua coluna no G1, um importante relato sobre a COP25. Para ela, a Carta Climática foi um o acontecimento que deu sentido a reunião da cúpula do Clima, em Madri. Confira o que ela disse sobre a Carta Climática.

Um ponto alto das manifestações paralelas protagonizadas pela sociedade civil longe dos grandes encontros de líderes aconteceu na Cúpula Indígena da COP25 (Minga). A carta climática que foi entregue pelas lideranças indígenas às autoridades da COP25 foi reproduzida no site da organização 350.org, movimento global de pessoas que trabalham para mudar o padrão de consumo dos combustíveis fósseis no mundo.

Na carta que os indígenas das Américas, Caribe e Antilhas também entregarão, no Brasil, ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ministério Público Federal, a maior reivindicação é de que sejam ouvidos. Simples assim. São povos originários, estão há muito tempo lidando com a natureza de forma intrínseca. O mínimo que os líderes deveriam fazer, num momento de crise climática como o que estamos vivendo, seria ouvi-los.

É preciso enfatizar que há um instrumento internacional que rege as condições de vida e trabalho dos indígenas, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que vem sendo recorrentemente menosprezada pelos donos do poder. Nele está enfatizado que os indígenas precisam ser consultados e participar sobre quaisquer uso e gestão de seus territórios.

Além de serem ouvidos, os indígenas querem que seja dado um basta à “criminalização, perseguição, prisão, desaparecimento e assassinato dos líderes e autoridades tradicionais por proteger e defender os territórios indígenas. Pedem que os Estados e Organismos Internacionais de Direitos Humanos e/ou Ambientais investiguem os casos de forma transparente e responsável”.

Faz todo sentido esta reivindicação com tintas tão fortes. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que, aqui no Brasil, há uma situação dramática para os líderes indígenas. Em pelo menos onze anos não se via tantos líderes indígenas assassinados em conflitos no campo como agora. Foram sete mortes em 2019, contra 2 mortes em 2018. Os dados deste ano ainda são preliminares, já que o balanço final só será feito em abril do próximo ano, mas conseguem mostrar o tamanho do problema.

Ainda ontem, a organização Greenpeace divulgou outros números que ilustram bem o que vem acontecendo em territórios que não têm os holofotes do mundo. Enquanto presidentes xingam a garota que mais tem levado, globalmente, mensagens sobre a necessidade de se rever paradigmas de consumo e produção, no campo a falta de respeito às terras indígenas aumenta.

Segundo a organização, a Terra Indígena Ituna-Itatá, área protegida por lei no Pará, teve 94% do território autodeclarado por produtores a partir de Cadastros Ambientais Rurais (CAR), segundo levantamento do Greenpeace. Para a organização ambiental, os mais de 200 registros mostram que o território estaria sendo ocupado por grileiros que se autodenominam donos de cada pedaço de terra.

“Nós sabemos que somos protetores e muitas vezes nos encontramos ou somos vítimas de conflito (geralmente com brancos) por causa do território, mas não porque queremos um pedaço de terra. Mas porque são áreas únicas que têm floresta, árvore em pé, água limpa e que o calor não é de 40 graus C, porque existe um cuidado para a conservação. Estamos preservando para o mundo inteiro. Se nós cruzássemos os braços e deixássemos como está, não existiria mais nada”, diz Andreia Takua Fernandes, coordenadora do Programa Indígena da 350.org America Latina.

A carta dos indígenas faz críticas ao mercado de carbono, chamado por eles de “mercantilização da natureza”:

“São apenas soluções neocolonialistas que trazem conflitos dentro de nossos povos. Vemos muitos representantes de Estados considerando apenas o lucro mercantil e financeiro, sem levar em conta a importância da vida. Por esta razão, entendemos que eles são cúmplices de toda esta destruição. Se o petróleo, o gás, os minerais e o carvão estão nas profundezas da terra, é porque a Mãe Natureza os deixou lá enterrados, trazê-los para o nosso ambiente é contradizer a sua sabedoria”, escrevem eles.

Já que os líderes eleitos pelo povo estão falhando em tomar decisões que afetem o estado atual das mudanças climáticas, em prol da qualidade de vida, o momento exige reflexões de todos. O convite dos indígenas reflete uma disposição que, pelo menos em teoria, abrange um esforço positivo no sentido de união de todos por um bem comum. Eles terminam assim a carta que dá o tom não oficial, governamental, ao encontro das cúpulas que termina hoje, mas que é carregada de simbologia respeitosa ao momento de crise que vivemos:

“Finalmente, fazemos um apelo à consciência e à solidariedade, que é o momento de unir todos os esforços do mundo e pôr de lado todas as nossas diferenças, étnicas, religiosas, políticas, sociais, amorosas à vida que todos somos, nossas futuras gerações não podem herdar um planeta doente, devemos curá-la. Depende de nós”.

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

PEC das Praias: sociedade civil e organizações socioambientais relatam “repressão”

Grupo formado por manifestantes, representantes de organizações em defesa do meio ambiente e de pescadores diz que foi proibido de estar na CCJ e de expor cartazes nos corredores do Senado Sociedade civil e representantes de organizações socioambientais foram nesta quarta-feira (4/12) ao Congresso Nacional para manifestação contra a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 3 de 2022, conhecida

Leia Mais »

PL das Eólicas Offshore com ‘jabutis’ para subsidiar carvão tem votação adiada no Senado

A votação do Projeto de Lei 576/2021, que estabelece o marco regulatório da geração de energia eólica offshore, foi adiada novamente na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) do Senado Federal. O texto, relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), enfrenta forte resistência de senadores da base do governo, especialmente por conta dos artigos que fornecem subsídios aos geradores fósseis de

Leia Mais »

Litigância climática no Brasil é tema de webinário do JUMA e BIICL

O Instituto Internacional ARAYARA teve uma participação de destaque no webinário “Perspectivas para a Litigância Climática Corporativa no Brasil”, realizado no dia 29 de novembro. O evento, promovido pelo Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (JUMA), em parceria com o British Institute of International and Comparative Law (BIICL), discutiu o papel crucial da litigância climática no enfrentamento

Leia Mais »

ALADTI: evento reúne defensores e defensoras de territórios indígenas da América Latina

Entre os dias 25 e 27 de novembro de 2024, 28 organizações indígenas e da sociedade civil de sete países da América Latina (Peru, Colômbia, Brasil, Panamá, Costa Rica, Guatemala e México) se reuniram em Lima, no Peru, para o 2º Encontro da Aliança Latino-Americana de Defensores e Defensoras de Territórios Indígenas (ALADTI).  O evento teve como objetivo fortalecer conexões,

Leia Mais »