O ano de 2019 foi o mais quente já registrado no país, com uma média de temperatura máxima (diurna) de 31,05 graus Celsius, de acordo com dados divulgados em fevereiro pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que acompanha a variação diária da temperatura no país desde o final do século XIX. O ano de 2015 foi o segundo mais quente, com 31,02 oC. A média da temperatura mínima também foi a mais alta em 2019, 20,04 oC, depois de 2015, com 19,93 oC.
O Brasil segue a tendência mundial, principalmente no inverno, com pequenas diferenças. Em janeiro de 2020, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciou que 2016 foi o ano mais quente na média global e 2019 foi o segundo mais quente desde 1850, quando as medições começaram a ser feitas.
“A circulação atmosférica no Brasil em parte compensou a variação do clima verificada em outros países”, comenta o meteorologista Marcelo Schneider, do Inmet de São Paulo. Segundo ele, a variabilidade natural do clima, o aquecimento global e a ação humana, com a maior emissão de gases do efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), a expansão urbana e agrícola e o desmatamento, são as principais razões da contínua elevação de temperatura no país e no mundo. “Somente o El Niño [aquecimento das águas do Pacífico equatorial] não explica sozinho o aumento da temperatura em 2019, porque no Brasil seu efeito foi fraco e limitado aos meses de maio a julho.”
O instituto mantém uma rede de 573 estações meteorológicas automáticas e 208 convencionais, nas quais as informações são coletadas periodicamente, para registro de temperatura e umidade relativa do ar, pressão atmosférica, pluviosidade, radiação solar e direção e velocidade do vento em 769 cidades brasileiras e quatro do Uruguai.
Entre as cidades monitoradas, Poxoréu, a sudeste de Mato Grosso, destacou-se com as temperaturas mais altas no país nos últimos anos. Em 2019, os termômetros chegaram a 43,5 oC em 17 de julho e 43 oC três dias antes; neste ano, a cidade com o segundo maior registro de temperatura foi Peixe, ao sul do estado de Tocantins, com 43,2 oC em 13 de julho.
Ao lado de Cuiabá, Poxoréu foi a cidade com a temperatura mais alta também em 2018, com 41 oC em 12 de julho daquele ano, e a segunda em 2017, com 43 oC em 13 de outubro, depois de Nova Xavantina, a leste de Mato Grosso, que registrou 43,9 oC em 16 de outubro de 2017, de acordo com as estações do Inmet. Essa região apresenta o chamado efeito da continentalidade: sem a brisa do mar, por estar distante do litoral, as temperaturas são altas na maior parte do ano, apesar das chuvas de verão.
As emissões de carbono do sistema elétrico global caíram 2% no ano passado, a maior queda em quase 30 anos, quando os países começaram a dar as costas às usinas a carvão.
Um novo relatório sobre a geração de eletricidade no mundo revelou o maior corte nas emissões de carbono desde 1990, quando os EUA e a UE se voltaram para fontes de energia mais limpas.
No geral, a energia das usinas de carvão caiu 3% no ano passado (2019), mesmo com a dependência da China de usinas de carvão subir por mais um ano para compor metade da geração de carvão do mundo pela primeira vez.
A geração de carvão nos EUA e na Europa caiu pela metade desde 2007, e no ano passado entrou em colapso em quase um quarto na UE e em 16% nos EUA.
O relatório do instituto de pesquisas climáticas Ember, anteriormente Sandbag, alertou que o impacto na geração de eletricidade a carvão do mundo dependia de muitos fatores pontuais, incluindo invernos mais amenos em muitos países.
“Está sendo feito progresso na redução da geração de carvão, mas nada com a urgência necessária para limitar as mudanças climáticas”, afirmou o relatório.
Dave Jones, principal autor do relatório, disse que os governos devem acelerar drasticamente a transição da eletricidade para que a geração global de carvão entre em colapso ao longo da década de 2020.
“Mudar de carvão para gás é apenas trocar um combustível fóssil por outro. A maneira mais barata e rápida de acabar com a geração de carvão é através de uma rápida implantação de energia eólica e solar ”, disse ele.
“Mas, sem os esforços conjuntos dos formuladores de políticas para aumentar a energia eólica e solar, deixaremos de cumprir as metas climáticas. O crescimento da China em carvão e, em certa medida, gás, é alarmante, mas as respostas estão lá. ”
A UE fez o progresso mais rápido na substituição de carvão por energia eólica e solar, enquanto os EUA aumentaram sua dependência de gás após o boom do xisto nos últimos anos.
O relatório revelou que a energia eólica e solar renováveis aumentaram 15% em 2019 para constituir 8% da eletricidade do mundo.
Na UE, a energia eólica e solar representou quase um quinto da eletricidade gerada no ano passado, à frente dos EUA, que dependiam dessas fontes renováveis para 11% de sua eletricidade. Na China e na Índia, as energias renováveis representavam 8% e 9% do sistema elétrico, respectivamente.
Para cumprir as metas climáticas de Paris, o mundo precisa registrar uma taxa de crescimento composta de 15% para geração eólica e solar a cada ano – o que exigirá “um esforço colossal”, alertou o relatório.
O relatório de geração de eletricidade foi publicado como uma pesquisa separada, alegando que 38 dos 75 maiores gestores de ativos do mundo estão parando de agir sobre questões ambientais, sociais e de governança (ESG).
O ranking mais recente do Asset Owners Disclosure Project, um esquema gerenciado pelo grupo de campanhas de investimento ShareAction, descobriu que os 38 gerentes de ativos têm compromissos políticos fracos ou inexistentes e não respondem por seus impactos no mundo real em seus ativos principais.
A pesquisa também alegou que os gerentes de investimentos geralmente carecem de processos apropriados de engajamento e escalada sobre mudanças climáticas, direitos humanos e biodiversidade.
As pontuações foram baseadas em uma pesquisa de atividades em governança responsável dos investimentos, mudanças climáticas, direitos humanos e biodiversidade e variaram entre AAA e E. Nenhum gerente de ativos recebeu uma classificação AAA ou AA, as duas principais pontuações disponíveis.
Felix Nagrawala, analista da ShareAction, disse: “Enquanto muitos na indústria estão ansiosos para promover suas credenciais ESG, nossa análise indica claramente que poucos dos maiores gerentes de ativos do mundo podem reivindicar uma abordagem verdadeiramente sustentável em todos os seus investimentos”.
A ShareAction disse que os seis maiores gestores de ativos do mundo – incluindo BlackRock (D), State Street (D) e Vanguard (E) – estão entre os piores desempenhos.
A Vanguard afirmou estar comprometida com as empresas que fazem “divulgações apropriadas sobre governança, estratégia e desempenho sobre riscos ESG relevantes”. A BlackRock e a State Street não responderam a um pedido de comentário.
Para evitar um aumento ainda maior da temperatura média global e cumprir seus compromissos climáticos, os países precisam fazer quatro vezes mais esforços e em menos tempo do que o imaginado anteriormente, segundo análise publicada nesta quarta (4), na revista Nature.
A necessidade de ações mais drásticas se dá em parte por conta do aumento de emissões ao invés da redução planejada nos últimos anos. Entre 2008 e 2018, as emissões cresceram 14%.
Em 2010, planejava-se conter o aumento médio da temperatura global em até 2ºC. A partir do Acordo de Paris, em 2015, passou a se ambicionar não ultrapassar os 2ºC e, preferencialmente, ficando no 1,5ºC de crescimento até o fim do século.
Os autores do artigo afirmam que, levando isso em conta, em 2010 considerava-se necessária uma diminuição anual de emissões, até 2040, de 2%. O cenário atual mostra que isso não é mais suficiente e que o mundo precisa diminuir suas emissões em 7% ao ano, até 2030, para conseguir manter o planeta no caminho para um aumento de temperatura de 1,5°C até o fim deste século.
A necessidade de cortar agora para que não haja aumento no futuro um pouco mais distante ocorre porque as emissões continuam a ter efeito a longo prazo. Ou seja, mesmo que se interrompa totalmente agora a emissão de gases-estufa, o planeta continuará aquecendo.
Para chegar a essa conclusão, os autores utilizaram o relatório Emissions Gap produzido pelo braço ambiental da ONU e que coloca na balança os compromissos e as ações reais que os países tomaram em relação às suas emissões.
“Os países não estão fazendo aquilo que deveriam”, diz Roberto Schaeffer, de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e um dos autores do artigo.
Com o crescimento do desmatamento, Schaeffer teme que o Brasil poderia, inclusive, não cumprir sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), o compromisso autodeterminado, firmado na assinatura do Acordo de Paris, de diminuição de emissões. O país se comprometeu a reduzir, até 2025, 37% de suas emissões e, até 2030, 43%, ambos os dados com base nas emissões de 2005.
A possibilidade de não cumprimento se torna ainda mais marcante pelo fato de que os compromissos de redução são pouco ambiciosos, considerando o cenário de baixo crescimento econômico atual, são “quase não fazer nada”, diz Schaeffer.
Mas a meta de redução de 80% do desmatamento na Amazônia, considerando a média entre os anos de 1996 a 2005, não deve ser alcançada.
O pesquisador da Coppe/UFRJ também está preocupado com a COP26, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, na qual os países devem apresentar novas NDCs mais ambiciosas do que as atualmente em prática.
“Não estamos vendo grande movimento do governo brasileiro para preparar uma NDC”, diz Schaeffer. “A questão da mudança climática no Brasil ou perdeu totalmente a importância ou de fato há céticos no governo que questionam se ela existe ou não. Não tenho a menor ideia do que o Brasil vai apresentar, se é que vai apresentar alguma coisa. Gostaria de me surpreender se o país apresentasse algo bom, digno, ambicioso. Mas não me parece que vai acontecer. Espero estar enganado.”
Sem resolução das crises urbanas, sem adaptação da gestão urbana às novas condições ambientais planetárias, não sobreviverá a soberania nacional. Estamos vivendo um constante estado urbano de emergência.
Tanto se esfacelam as qualidades “abstratas” da vida brasileira — liberdade, democracia, diálogo, racionalidade — como destróem-se as condições físicas para que tais princípios possam se desenvolver e ampliarem-se, criando ciclos de prosperidade duradoura.
Àquilo falado e expressado corresponde um modo de vida e de convivência.
A forma territorial brasileira está se deteriorando velozmente. Abandonamos o ciclo da industrialização, entramos na era dos serviços, sem contudo produzir cidades eficientes o suficiente para assegurar o pleno desenvolvimento do capital humano, condição sine qua non para existir com autonomia na era da informação.
Não haverá soberania brasileira sem cidades boas.
Um urbanismo de base universal é necessário: habitação, saneamento, segurança, mobilidade, espaço público. Ou seja, direito à cidade, conceito presente em toda a legislação nacional e repetido à exaustão inclusive em documentos internacionais onde o Brasil é sempre signatário e líder.
Por que não implementamos o que pregamos?
A perda de independência futura da sociedade brasileira deveria preocupar nossos representantes e líderes, mas negar a realidade e prometer mundos irreais é a prática comum entre fundamentalistas à esquerda e à direita.
A crise climática impõe desafios cada vez maiores a todos e custos inviáveis para uma sociedade que não consegue enriquecer com tecnologia, ou inovação, ou serviços. Nem a informalidade econômica consegue ser vencida para pelo menos contarmos com impostos, uma invenção da era moderna. Pior, o porto seguro aparente das commodities será tanto destruído por catástrofes ambientais, como Brumadinho prova; cada vez mais produtos sem origem sustentável serão boicotados por compradores, como respondeu o mercado europeu aos incêndios na Amazonia; e novos competidores surgirão, como revela a construção de uma nova rede logística pela China, conectando-a mais eficientemente ao continente africano, futuro celeiro do mundo. Mas em Davos, o inteligente Ministro da Economia diz que o pior inimigo do meio ambiente é a pobreza. Não, é a ignorância.
Nem o ciclo da água, conteúdo no ensino fundamental, parece fazer sentido para lideranças políticas cada vez mais abraçadas ao messianismo ideológico e analfabetos das leis da física que regem o universo.
A gravidade não tem ideologia.
Ela acelerará a massa dos corpos de famílias encosta abaixo em direção à morte, uma condição natural relativa, pois até cadáveres adubam a terra, e metafisicamente absoluta, seja qual for a sua crença religiosa. Contudo os corpos pobres e pretos são os preferidos da gravidade. E a repetição da história escravista parece ser uma constante universal no Brasil.
O eterno urbanismo em estado de emergência vigente no país inviabilizará nossa democracia.
Corpos hídricos são ocupados por assentamentos informais pois a gestão da terra urbana é feita de modo medíocre pelos municípios, onde técnicos não podem se opor aos conluios que elegem vereadores e prefeitos. Leis e planos são feitos mas não executados. Obras de mobilidade para a Copa de 2014 baterão recorde de abandono na Copa do Qatar. Habitação social é ignorada por políticos progressistas ou autoritários. Único tema onde os radicais do espectro político concordam: favela é solução. O “slogan” mais conveniente para a omissão pública.
País tropical, abundante em águas e matas, o Brasil insiste no asfaltamento de ruas como realização de prefeitos medíocres. Rios convertidos em canais de concreto, lagoas em latrinas de bairros ricos e baías em paisagens fétidas. Árvores caem e nunca são plantadas. Arborização urbana inexiste e ilhas de calor transformam as cidades em fritadeiras humanas.
As rotineiras imagens de carros afundando em enchentes são como carrascos atacados pelas vítimas no cadafalso de concreto armado.
No Brasil, com a maior taxa de urbanização do mundo e com uma sociedade que acredita na positividade da vida urbana, nem pequenas cidades oferecem mais o bucólico como podem nos dizer os 13.860 iconhenses.
Enquanto cariocas com diarréia sofriam o governador Witzel celebrava o rato Mickey. Poderia ter aproveitado para estudar como Walt Disney fez o planejamento urbano dos seus parques preocupado com o futuro e inspirado por cidades projetadas utópicas como Brasilia. Poderia até se lembrar do Plano Metropolitano do Rio, abandonado.
Nitidamente a anemia urbana pós redemocratização do Brasil pariu uma geração disfuncional de políticos, que circulam em espaços privados com desenvoltura, mas ignoram a realidade comum do povo no espaço público.
Por que não melhoraram as cidades brasileiras depois de boas leis urbanas?
Porque fazer leis perfeitas é manifestação de uma democracia abstrata, enquanto melhorar a realidade urbana é a marca de sociedades concretas.
O espraiamento urbano financiado pelo Estado tem como consequência indireta um veículo de mídia que noticiará a violência social das periferias produzidas pelo Estado. É muita pós-modernidade.
Este é um mistério brasileiro que precisa mais atenção e dedicação, de todos. Especialmente de quem se sente responsável pelos rumos do país.
A dissolução das cidades em terrores de existência urbana está alimentando práticas políticas nefastas no momento, como o discurso nazista do secretário nacional de cultura, mas em breve implicará no esfacelamento dos fundamentos da vida em comum, onde ataques com coquetel molotov serão apenas uma memória pequena diante de brutalidades maiores.
Uma sociedade independente e autônoma precisa de uma forma urbana correspondente.
Conservar e melhorar as cidades brasileiras é uma agenda nacional crítica e estratégica.
Uma política habitacional de médio e longo prazo, a ampliação dos espaços públicos, a reabilitação dos centros históricos brasileiros com moradias, o equacionamento dos desafios de mobilidade metropolitana, a universalização do saneamento e a conservação dos recursos naturais, com manejo coerente e inovador das águas e matas tropicais, podem se converter em uma agenda econômica abrangente, atraindo capitalistas brasileiros, acolhendo talentos técnicos experientes e jovens, empregando operários, criando novos negócios, com prosperidade inclusiva e diversa. Permitiria a adoção de tecnologias novas, mesmo que primeiro por importação, mas depois por pesquisa e desenvolvimento local, se os centros de conhecimento olharem também para a vida prática nacional com atenção, produzindo mais fatos e dados quantitativos.
Ou seja, consertar a experiência urbana do Brasil, uma das mais antigas das Américas, pode também corrigir a qualidade da nossa democracia, aumentando a nossa soberania e, quem sabe, fazendo um jardim na Terra, enquanto outras sociedades buscam respostas no espaço sideral.
Precisamos de vontade genuína para renovar as cidades brasileiras, unindo-as à natureza, com a sabedoria dos povos originais, integrando e criando oportunidades para todos, evitando a ruína de um povo por uma urbanização insensível e destruidora da vida humana e da natureza.
A democracia é um lugar real. Sem lugares bons e justos é só um sonho. Ou pesadelo.
Washington Fajardo Harvard GSD Loeb Fellow’19 DRCLAS Visiting Researcher
O mundo vive uma emergência climática. O aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) – derivados da queima de combustíveis fósseis – tem acelerado o aquecimento global, com consequências devastadoras sobre as condições de vida humanas e não humanas na Terra.
Para evitar aumentos catastróficos na temperatura – que poderiam desencadear uma espiral de mortes – o mundo precisa reduzir pela metade as emissões de GEE até 2030 e zerar as emissões até 2030, conforme o estabelecido no Acordo de Paris de 2015.
Artigo de Mark Jacobson et. al., publicado na revista One Earth (20/12/2019) calcula que um esforço global para fazer a transição para 100% de energia renovável até 2050 custaria US$ 73 trilhões, mas as despesas se pagariam em menos de sete anos. O estudo dos pesquisadores da Universidade de Stanford também estimou que a mudança para uma economia global de carbono zero criaria 28,6 milhões a mais de empregos em tempo integral do que se as nações continuassem sua atual dependência de combustíveis fósseis.
O relatório apresenta roteiros detalhados para 143 países – que englobam 99,7% de todas as emissões de GEE – e como poderiam fazer a transição com sucesso para 100% de energia renovável até 2050. O estudo é uma continuação de uma publicação de 2015, da mesma equipe de pesquisadores, que gerou planos para os Estados Unidos e que ajudaram a estabelecer as bases para o Green New Deal proposto pelo Partido Democrata.
O plano leva em consideração esforços para maior eficiência energética e eletrificação de todos os setores de energia, incluindo transporte, edifícios, aquecimento e refrigeração, processos industriais, agricultura, silvicultura, pesca e forças armadas. Também considera tecnicamente e logisticamente viável que os países obtenham 80% de suas necessidades energética de energia eólica, hidrelétrica e solar até 2030 e 100% até 2050. A análise exclui energia nuclear, biocombustíveis e carvão limpo.
A nova infraestrutura de energia renovável exigiria apenas 0,17% da área total dos 143 países, bem como 0,48% da área para “fins de espaçamento”, como a área entre turbinas, de acordo a figura acima. Portanto, a revolução renovável exige pouco espaço e pode ser feita até no deserto.
Nos EUA, atingir 100% de energia renovável até 2050 exigirá um investimento de US$ 7,8 trilhões. Isso envolveria a construção de 288.000 novas turbinas eólicas de 5 megawatts (MW) e 16.000 fazendas solares de 100 MW em 1,08% das terras dos EUA (85% dessas terras serão usadas para fins de espaçamento e podem servir a outras funções, como terras agrícolas).
Outros efeitos benéficos reduziria os custos com saúde entre US$ 700 bilhões e US$ 3,1 trilhões por ano. O estudo reforça a conclusão de que não há realmente nenhuma desvantagem em fazer essa transição energética. De fato existem recursos econômicos e tecnológicos para construir um mundo 100% renovável.
O relatório de 2019 do Instituto Internacional para a Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI) mostra que os gastos militares no mundo, em 2018, foram de US$ 1,82 trilhões. Assim, em vez de gastar em despesas militares (que não dão retorno social e ainda poluem o meio ambiente), os governos poderiam salvar o Planeta investindo em energias mais limpas e que dão retorno para toda a sociedade e a ecologia.
A transição enérgica (das fontes poluidoras para as fontes mais limpas) criaria 3,1 milhões de empregos a mais do que se os EUA continuassem em uma trajetória usual de negócios e salvaria 63 mil vidas em decorrência da poluição do ar a cada ano. O plano de descarbonização também reduziria os custos de energia em US$ 1,3 trilhão por ano, porque a energia renovável é mais barata de gerar ao longo do tempo do que os combustíveis fósseis.
Desta forma, a publicação da revista One Earth é realmente oportuna, pois a mudança da matriz energética é uma condição necessária para evitar um apocalipse climático e ambiental. Porém, a transição energética não é suficiente para resolver os problemas ecológicos do Antropoceno. O fim do predomínio dos combustíveis fósseis é também fundamental para democratizar o uso e a produção de energia.
Sem dúvida, o Planeta precisa de energia renovável para descarbonizar a economia e mitigar o aquecimento global, mas também para renovar as estruturas do poder econômico e político que se encontra nas mãos de uma elite social que se assenta numa hierarquia privilegiada, excludente, não renovável e fóssil.
Segundo Gail Tverberg (2014), no artigo: “Ten Reasons Intermittent Renewables (Wind and Solar PV) are a Problem”, há dez problemas que dificultam a superação dos combustíveis fósseis e a mudança da matriz energética mundial para fontes renováveis. Artigo de Kris De Decker (14/09/2017) mostra as dificuldades para manter a economia mundial funcionando apenas com base na energia renovável. Estes alertas mostram que o mundo precisa ir além da transição energética.
O sol e o vento são recursos naturais abundantes e renováveis, mas, certamente, não podem fazer milagres e nem evitar o imperativo do metabolismo entrópico, como ensina a escola da economia ecológica. A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. Como alertou o ambientalista Ted Trainer (2007), as energias renováveis não são suficientes para manter a expectativa das pessoas por um alto padrão de consumo conspícuo. Trainer prega um mundo mais frugal, com decrescimento demoeconômico, onde as pessoas adotem um estilo de vida com base nos princípios da Simplicidade Voluntária.
Assim, precisamos superar a ideia do crescimento populacional e econômico contínuo e combater o estilo de desenvolvimento consumista que tem colocado tantas pressões sobre o meio ambiente e a biodiversidade. A transição energética é um primeiro passo. Mas precisamos ir adiante. A construção de uma civilização ecológica, com regeneração dos ecossistemas, é a alternativa essencial para evitar um colapso ambiental.
Já faz tempo que a comunidade científica alerta sobre a questão do aquecimento global. De acordo com a OMM (Organização Meteorológica Mundial), em 2019 a temperatura média da Terra estava 1,1˚C mais quente do que na Era Pré-industrial, mas esse número ainda pode aumentar em 2˚C, 5˚C ou até 6˚C até 2100. O problema é que, de acordo com as previsões científicas, esse aumento é o responsável por eventos climáticos extremos ocorrendo de forma cada vez mais frequente.
Em entrevista cedida ao Correio Braziliense, Sarah Green, professora de Química na Universidade Tecnológica de Michigan, afirma que, enquanto 97% dos artigos publicados e revisados por cientistas sobre o clima concordam que humanos são a causa, uma porcentagem muito menor do público entende isso.
“Há os interesses financeiros óbvios em continuar a nossa dependência em combustíveis fósseis, os esforços deles para confundir o público nesse assunto foram documentados… O interesse desses grupos é convencer o público de que “a ciência não está estabelecida”.
Gregers Andersen, especialista em literatura da Universidade de Copenhague, desenvolveu a tese de que a ficção seria mais eficiente para ensinar sobre os perigos do aquecimento global do que os encontros, estudos e debates promovidos por pesquisadores. Afinal, muito antes do tema Aquecimento Global cair na boca do povo, o mundo já parava para discutir o filme “O dia depois de amanhã” ainda em 2004.
Além disso, a ficção científica é famosa por prever muitas das coisas que temos hoje, como os submarinos e as viagens espaciais de Júlio Verne, bombas atômicas de H.G. Wells, hackers e crimes cibernéticos por William Gibson ainda nos anos 80. Assim, não é difícil imaginar que a ficção também possa se aproximar do mundo após uma crise climática como a que estamos vivenciando.
Tanto é que, em meados dos anos 2000, o jornalista Dan Bloom popularizou o termo Cli-Fi (Climate Fiction), e fez tanto sucesso que acabou se tornando um subgênero de ficção. Cli-fis são trabalhos ficcionais que abordam os efeitos da crise climática hoje ou em um futuro não muito distante, e não são poucos.
Um bom exemplo de Cli-Fi é Uma Guerra Americana de Omar El-Akkad (2017). A história se passa nos Estados Unidos que estão vivendo uma segunda guerra civil que acontece pela falta de recursos causados pelas mudanças climáticas. Nesse cenário, grandes áreas da Califórnia e do México estão submersos em água e a Florida desapareceu completamente.
Um exemplo brasileiro parecido é Cristo Radioativo de Ana Luísa Abreu que chegou a ser finalista do concurso Rio de Literatura em 2015. A história se passa algum tempo depois da Terceira Guerra Mundial, causada pela falta de comida gerada pelos efeitos das mudanças climáticas no mundo. Sem comida, os países entraram em uma grande guerra nuclear que acabou com mundo como conhecemos hoje. Os habitantes do Rio de Janeiro chamam a era pré-nuclear de Era da Bonança e precisam viver em cidades cercadas para se protegerem dos mutantes e dos rebeldes. A única coisa que mantém as cidades é a Nestelar, a única empresa sobrevivente ao caos. As pessoas comuns comem apenas ração, comida é algo raro e muito caro e um simples resfriado pode matar centenas de pessoas. Parece familiar? Até demais, não?
“É assustador pensar nas coisas que podem acontecer conosco em pouco tempo, com nossos filhos. Acredito que, apesar de comercial, meu livro tenha sido finalista por abordar um tema que pode muito bem se tornar realidade. Eu concordo que a ficção ajuda a alertar a massa sobre o perigo porque a massa não lê artigos científicos, mas todo mundo assiste filmes, séries e lê livros de entretenimento”, diz a autora.
Além destes, ainda existem muitos outros trabalhos no gênero que imaginam o nosso mundo caso nada seja feito agora, mas vamos torcer para que nada disso se torne realidade. Para isso precisamos ter consciência da urgência e importância do tema. Se a ficção for realmente o melhor caminho para conscientizar a mídia com comunicação em massa, mãos à obra.
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