Foto: Clube de Engenharia
Enquanto o Senado autorizava na quinta (4) o Brasil a participar da iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para distribuir vacinas contra Covid-19, foi aprovada sem alarde, como as boiadas planejadas pelo Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, a Medida Provisória (MP) 998, que permite a privatização da usina nuclear Angra 3 – se e quando esta for concluída.
Originada na Câmara dos Deputados no ano passado, a MP, que teve tramitação acelerada e também trata do reajuste das tarifas de eletricidade, caducaria nesta terça, 9. Agora, vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro. O Ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, esteve presente à votação no Senado.
O texto autoriza o aumento da tarifa para subsidiar a energia a ser gerada por Angra 3. Segundo o governo, Angra 3, cuja construção está suspensa e que deveria ter entrado em operação na década de 1980, já teria 67,1% das obras civis – o equivalente às fundações de uma casa. Até hoje, todo o projeto teria consumido R$ 9 bilhões do orçamento público, e ainda seriam necessários mais R$ 15 bi para sua conclusão.
A MP foi enviada para a Secretaria-Geral da Presidência da República , que informou: “A Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ), órgão responsável pela assessoria e consultoria jurídica no âmbito da Presidência da República e da Vice-Presidência da República, aguarda o envio do autógrafo da matéria pelo Senado Federal. Após o recebimento, o prazo para análise é de 15 dias úteis”.
A decisão do Senado é controversa. Para gerar energia, Angra 3 consumiria o mineral urânio, mas a Constituição afirma, no artigo 21, inciso 23, que é monopólio da União a pesquisa, lavra, enriquecimento, processamento, industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados.
Na prática, a medida aprovada pelo Senado autorizaria a privatização de uma atividade que, pela Lei Maior do País, é atividade exclusiva da União.
“Entendo que há uma inconstitucionalidade material”, disse, consultado por Arayara.org, o advogado Anderson Medeiros Bonfim, professor assistente de Direito Constitucional na PUC de São Paulo. “Sob o pretexto de viabilizar a retomada das obras de Angra 3 (usina termelétrica nuclear), passou-se a permitir a sua exploração por parte da iniciativa privada através de autorização do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)”, completou Bonfim.
“A exploração de Angra 3 por parte da iniciativa privada desconsidera o regramento constitucional relativo ao modelo de monopólio, bem como de demarcação entre os espaços público e privado e das possíveis confluências entre eles, quais sejam nas hipóteses de permissão fixadas pelo artigo 21, inciso XXIII, da Constituição”, afirmou.
O professor da Universidade Federal de Pernambuco, Heitor Scalambrini, que também integra a Articulação Antinuclear Brasileira, avalia que “essa MP abre a porteira para construção de novas usinas nucleares no País”.
“Uma simples Medida Provisória de interesses de lobistas muito poderosos consegue passar por cima da Constituição e apontar para abrir uma porteira para que as atividades nucleares no País sejam delegadas à iniciativa privada”, denuncia Scalambrini, doutor em energética pela universidade de Marseille, na França.
Ele acredita que a aprovação da MP esconde “interesses na privatização da Eletrobrás e na expansão do setor nuclear no país, inclusive para uso militar, além da construção de Angra 3 e de mais seis usinas no Complexo de Itacuruba, em Pernambuco, conforme prega o Plano Nacional de Energia de 2050”.