+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Banquete para Piratas Neocolonizadores

Governo está criando caminho insustentável para a exploração de petróleo e gás no Brasil


Por: Juliano Bueno de Araújo e Nicole Figueiredo de Oliveira

Publicado originalmente em: Brasil de Fato https://www.brasildefato.com.br/2022/04/20/artigo-banquete-para-piratas-neocolonizadores

Sabe aquela mentalidade de garimpeiro de séculos atrás? Ou melhor, de pirata, que retira tudo que pode de um território, sem se preocupar com o que fica? Pois é, estamos em pleno século XXI e o país está vivendo essa realidade. O Governo Federal, além de desprezar o valor das populações tradicionais, especialmente indígenas, está pavimentando um caminho insustentável para viabilizar a exploração de gás e petróleo no país. Com o 3º ciclo da Oferta Permanente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e o avanço do garimpo ilegal sobre terras indígenas, vemos em curso um verdadeiro banquete para piratas neocolonizadores.

Há várias artimanhas em curso. Para começar, a mudança do funcionamento das Rodadas de Licitações de Petróleo e Gás Natural. Nesses processos, há boiadas de várias raças pisoteando a legislação ambiental brasileira, o que significa que o direito à vida está sob ataque. É o que vemos com o vazamento de óleo na Base de Lagoa Parda, no norte do Espírito Santo. Para o Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo (Sindipetro/ES), o despreparo vem com a política de privatizar tudo a qualquer custo, na qual o governo “vende a preço de banana e o empresário só quer lucro acima de tudo”.

A região, sensível e já sob ataque, está próxima de poços de extração de petróleo e gás vendidos no último dia 13, no 3º ciclo da Oferta Permanente. Ao todo foram 59 blocos leiloados, muitos vendidos a R$ 50 mil, R$ 56 mil. Essas investidas do governo promovem inseguranças de vários tipos, tanto para a comunidades rurais e urbanas quanto para empresas petrolíferas, especialmente no processo de licenciamento ambiental.

Cada bloco é parte parte de uma bacia sedimentar, formado por um prisma vertical de profundidade indeterminada, com superfície poligonal definida pelas coordenadas geográficas de seus vértices, onde são desenvolvidas atividades de exploração ou produção de petróleo e gás natural. Eles estão sendo ofertados sem estudos ambientais conclusivos. Ou seja, sem a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) conforme preconizam as diretrizes ambientais das Rodadas de Licitações de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural.

Na prática, a ANP e o Governo Federal ferem os direitos constitucionais garantidos a pescadores artesanais estabelecidos por decretos que regulamentam a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) e também os direitos destas comunidades tradicionais garantidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os acordos internacionais para conservação da biodiversidade, de proteção a ambientes marinhos e de espécies ameaçadas são solenemente ignorados. Sem falar no Acordo de Paris, que trata da crise climática.

Os piratas neocoloniais também atacaram uma resolução do Conselho de Política Energética, formado por técnicos dos Ministérios de Minas e Energia e Meio Ambiente, que apontava que deveriam ser readequados no certame blocos onde há conflitos territoriais. Uma canetada do então ministro do meio ambiente Ricardo Salles destituiu o Grupo de Trabalho Interministerial de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG), responsável pela análise prévia das áreas a serem licitadas, que incluía em sua composição atual representantes do MMA, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Essa decisão foi lamentada inclusive pelo próprio coordenador geral de Meio Ambiente da ANP, Nilce Costa, na audiência pública de 25 de março deste ano. Todos os blocos inseridos depois da extinção do GTPEG não apresentam análise ambiental, o que não garante que a exploração poderá ser feita sem afetar outros setores econômicos, como a pesca e o turismo.

A ANP não cumpre nem o que ela mesma determina. A legislação ambiental sobre como agir em caso de derramamento de óleo, atualizada em janeiro deste ano, não foi incorporada no processo de Oferta Permanente. O decreto Nº 10.950, de janeiro deste ano, que dispõe sobre o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional, não foi mencionado em nenhuma das diretrizes ambientais apresentadas nas partilhas realizadas pela ANP em março de 2022, especialmente na a Oferta Permanente sob o regime de partilha de produção.

Também não está preocupada com as populações que são diretamente atingidas pela exploração dos territórios. Aliás, em seus eventos, a ANP encara a participação social como mera formalidade. Não respondeu a nenhum dos encaminhamentos feitos pela Arayara durante o processo da Oferta Permanente e negou sua entrada no leilão do 3º Ciclo, apesar dos representantes da organização terem feito todos os processos exigidos pela agência.

Como bem definiu a ministra Cármen Lúcia, estamos vivendo um momento de desmonte, uma forma de “cupinização”, um jeito de destruir por dentro conquistas da democracia. Ou seja, além de ignorar que vivemos um tempo de crise climática e urgência de transição energética justa, que provocam prejuízos incalculáveis devido a seus eventos climáticos extremos, com secas e enxurradas, o governo age mais como pirata saqueador que depreda os recursos do próprio país, do que como um servidor público que deveria zelar pelo bem social e ambiental.

*Nicole Figueiredo de Oliveira é diretora executiva do Instituto Arayara e Juliano Bueno Araújo é diretor técnico da mesma instituição.

Edição: Felipe Mendes

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

1 Comentário

  1. Ingrid Santos Stigger

    É muito importante o esforço das instituições que defendem as causas sócio ambientais em trazer essas considerações e essas informações. A sociedade precisa desse trabalho tão relevante de conscientização. Vamos divulgar!

    Responder

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Congresso aprova marco da eólica offshore com incentivo ao carvão

Câmara ressuscitou “jabutis” da privatização da Eletrobras e assegurou a contratação, até 2050, de termelétricas movidas a gás e carvão. Governo estuda veto Originalmente publicado em O Eco, por Ellen Nemitz em 19/12/2024.  O urgente projeto de tornar o setor elétrico brasileiro mais verde sofreu um importante revés no Congresso Nacional. O Projeto de Lei n. 576/2021, que traz uma

Leia Mais »

Jabuti’ para térmicas a carvão beneficia diretamente estatal do RS, diz Arayara

Entidade aponta que emenda somam cerca de R$ 4 bilhões até 2050, “beneficiando diretamente a Companhia Riograndense de Mineração (CRM) O Instituto Internacional Arayara realizou o lançamento oficial do Monitor de Energia, uma plataforma digital voltada para disseminar informações sobre a matriz energética brasileira. O evento aconteceu na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e marcou também a divulgação

Leia Mais »

Impulsionado por lobby, gás natural acumula vitórias em 2024 no Brasil

Setor emplacou “jabuti” em projeto de eólicas offshore e viu complexo termelétrico avançar no Pará Por Rafael Oliveira – Agência Pública – 16/12/2024 No tabuleiro da produção energética no Brasil, o peão do gás natural avançou várias casas em 2024. A vitória mais recente ocorreu na semana passada, quando o lobby do setor conquistou a aprovação de um jabuti –

Leia Mais »

ARAYARA lança estudo sobre carvão mineral em Candiota, no RS, estado que concentra 90% das reservas do país

No próximo dia 16 de dezembro, o Instituto Internacional ARAYARA lançará oficialmente o Monitor de Energia, plataforma online com estudos, dados, infográficos e legislações sobre a matriz energética do Brasil. Na ocasião será apresentado o estudo UTE Candiota 2050 – O futuro insustentável da produção de energia elétrica a partir do carvão mineral subsidiado. O evento será na Assembleia Legislativa

Leia Mais »