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ANP atualiza cronograma da oferta permanente com Bacia do Amazonas

ANP atualiza cronograma da oferta permanente com Bacia do Amazonas

Duas áreas, na Bacia do Amazonas e no Paraná, seguem com cronograma suspenso por decisões judiciais

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) atualizou o cronograma do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC) para três blocos localizados na Bacia do Amazonas e que estavam com o cronograma suspenso devido a ações judiciais.

A agência assinou ainda o contrato de uma área com acumulação marginal, que também foi objeto de liminar. Entretanto, outras duas áreas, localizadas nas Bacias do Amazonas e do Paraná, seguem com cronograma suspenso em função de ações judiciais.

Após sucessivas mudanças nos cronogramas, em setembro a ANP suspendeu os prazos para os blocos AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107, AM-T-133, PAR-T-335 e para a área com acumulação marginal de Japiim, que eram objeto de ações judiciais.

Pelo menos quatro das ações foram protocoladas pelo Instituto Arayara em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A liminar de Japiim perdeu efeito e o contrato da área, arrematada por consórcio formado pela Eneva (80%) e Atem Participações (20%) foi assinado em 11 de novembro de 2024.

Os blocos AM-T-63, AM-T-64 e AM-T-107, que foram integralmente arrematados pela Atem Participações, também foram desembaraçados na Justiça e agora têm novo cronograma. A data para entrega de documentação passa a ser o dia 20 de dezembro de 2024, e os contratos de concessão deverão ser assinados até o dia 28 de fevereiro de 2025.

Estes blocos estavam impossibilitados de avançar no processo de outorga em função de ação judicial, mas em 5 de novembro a Procuradoria-Geral Federal emitiu parecer favorável à continuidade da concessão.

Já para o bloco AM-T-133, na Bacia do Amazonas e arrematado pela Atem Participações, e PAR-T-335, localizado na Bacia do Paraná e arrematado pela Blueshift, as pendências judiciais ainda estão vigentes e os cronogramas de concessão continuam suspensos.

Fonte: MEGAWHAT

Foto: Marcus Almeida- ANP

Seleções do Pacífico sofrem com o risco de desaparecer do futebol

Seleções do Pacífico sofrem com o risco de desaparecer do futebol

Consequência das mudanças climáticas, elevação do nível do mar na região provoca suspensão de jogos e competições, além de enchentes, erosão do solo e deslocamentos forçados

Por Rodrigo Lois — Rio de Janeiro

Jordi Tasip tem o sonho de jogar a Copa do Mundo. Ele é o camisa 10 da modesta seleção de Vanuatu, país no Oceano Pacífico formado por cerca de 80 ilhas. Só que esse desejo se desenrola em meio à dura realidade de problemas que a nação enfrenta — e a região no geralO mais grave é o risco de desaparecer do mapa, por causa da elevação do mar.

As eliminatórias da Oceania começaram para valer em outubro, com a fase de grupos, e têm nova rodada nesta semana. A confederação de futebol da região (OFC) é composta por 11 federações: Samoa, Samoa Americana, Ilhas Cook, Fiji, Caledônia, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão, Taiti, Tonga e Vanuatu.

É a primeira vez na história da Copa do Mundo que a região da Oceania tem garantida pelo menos uma representante. Há chance de outra entrar pela repescagem. Só a Nova Zelândia já participou do torneio. A Austrália fica na Oceania, mas disputa as eliminatórias asiáticas.

Foi em Tonga que o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, emitiu em agosto um alerta por causa da rápida elevação do Oceano Pacífico: “Catástrofe em escala mundial”As temperaturas nos mares da região estão subindo muito mais rápido do que as médias globais.

Águas sobem, países desaparecem

As nações do Pacífico são formadas por ilhas de baixa altitude em relação ao nível do mar. A elevação média é de até dois metros. Essas ilhas estão mais expostas às mudanças climáticas e eventos extremos. Cerca de 90% da população vive a 5 km da costa, e metade da infraestrutura está a 500 metros do mar. O futebol não está imune a isso.

— Mais ciclones, cada vez mais poderosos. Também enfrentamos erupções vulcânicas e tsunamis. Enchentes nas Ilhas Salomão e no Taiti. O impacto é óbvio, às casas e à infraestrutura do futebol. Quando isso acontece, não dá para você organizar mais competições. Não tem um campo para praticar. No fim, a comunidade é cada vez mais afetada, não tem como pensar em futebol — comentou o secretário-geral da confederação da Oceania, Franck Castillo, em entrevista ao ge.

A temperatura média do Oceano aumentou muito nos últimos anos, reflexo do aquecimento global — Foto: Climate Change Institute, Universidade de Maine

A temperatura média do Oceano aumentou muito nos últimos anos, reflexo do aquecimento global — Foto: Climate Change Institute, Universidade de Maine

O aquecimento global, provocado pela humanidade — principalmente pela emissão dos chamados gases do efeito estufa —, leva ao derretimento das calotas polares e geleiras, aumenta o calor no mar e expande o volume da água. Aí temos o avanço dos oceanos.

— O Pacífico já vive com mudanças climáticas, o aumento do nível do mar é um deles. É um processo cíclico, entrelaçado. Há 18 meses os oceanos quebram recordes de temperatura, e não conseguimos baixar isso. Esses lugares são excepcionalmente vulneráveis pela sua condição baixa de litoral — explicou Vinicius Nora, gerente de Oceanos e Clima no Instituto Internacional Arayara.

De acordo com relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aumento de 1,5°C da temperatura média da Terra significará que 4% da área terrestre ficarão submersos, afetando drasticamente a sobrevivência na região do Pacífico. A humanidade já provocou o aquecimento global de 1,1°C.

Para manter esse aumento abaixo de 1,5°C, é necessário reduzir as emissões dos gases de efeito estufa pela metade até 2030.

 

Os impactos no futebol do Pacífico

 

Devido à erosão do solo, as Ilhas Salomão perderam praias em que havia campos de futebol para as comunidades rurais. Ligas em diferentes países foram interrompidas por enchentes, maremotos e elevação do mar. Instalações da federação de Fiji serviram de abrigo durante um ciclone, em 2021.

— Nós tivemos uma piora do tempo adverso, em termos de aumento de temperatura, impactos que nunca tínhamos visto. Temos mais intervalos para hidratação durante os jogos. O custo de levar água ao campo aumentou também. Nosso país é o primeiro a ter refugiados por mudanças climáticas — contou o secretário-geral da federação de Nova Guiné, Gordon Manub.

Elevação dos oceanos pode fazer nações inteiras desaparecerem da região do Pacífico — Foto: Getty Images

Elevação dos oceanos pode fazer nações inteiras desaparecerem da região do Pacífico — Foto: Getty Images

As federações se veem obrigadas a elevar os campos, reforçar edifícios e estádios, mudar materiais, repensar o sistema de água. Tonga estabeleceu que suas instalações de futebol podem ser usadas como centros de evacuação em caso de desastre.

— Nosso país é uma nação insular, que tem cerca de 999 ilhas. Um dos desafios em relação às mudanças climáticas é a erosão da terra, por causa do aumento do nível do mar. Perdemos muitas praias, em especial aquelas em que construímos campos de futebol para as comunidades rurais. Isso realmente afetou o desenvolvimento do futebol — comentou Leonard Paia, diretor geral da federação de futebol da Samoa, à Fifa.

A Federação de Vanuatu conseguiu isenção do governo local para a importação de materiais para o Estádio Freshwater.

População de Vanuatu sofreu com longa seca, seguida de chuvas prolongas, em 2019 — Foto: Getty Images

População de Vanuatu sofreu com longa seca, seguida de chuvas prolongas, em 2019 — Foto: Getty Images

A confederação de futebol da Oceania (OFC) lançou em 2014, em parceria com a Unicef, o programa de emergência “Just Play”, para dar apoio a crianças traumatizadas por eventos climáticos extremos. A intenção é fazer uma iniciativa semelhante de prevenção.

Entre 2009 e 2016, 32 desastres naturais afetaram as ilhas do Pacífico. Em um ano (2015), Vanuatu e Fiji foram atingidas por dois ciclones de categoria 5, alterando a vida de 1 milhão de pessoas, sendo quase metade disso crianças. Elas foram depois ensinadas a lidar com situações de emergência.

— Através do programa eu conheci várias crianças afetadas pelos ciclones. Muitas perderam escolas, casas, pertences… Não se sentiam mais seguras. Durante o programa, muitas se sentiam aliviadas por estarem fora do estresse de recuperação — contou Salaseini, coordenadora do programa em Fiji.

Seleção do Vanuatu enfrenta nesta sexta-feira a Nova Zelândia — Foto: Getty Images

Seleção do Vanuatu enfrenta nesta sexta-feira a Nova Zelândia — Foto: Getty Images

A Fifa informou que investiu US$ 21 milhões no desenvolvimento da infraestrutura do futebol na Oceania, desde 2016. A entidade promoveu em abril deste ano um workshop sobre infraestrutura e manutenção de instalações, em Papa Nova Guiné, no qual esteve em foco o combate às mudanças climáticas. A crise do clima foi tratada como a maior ameaça a todos os países do Pacífico.

Resumidamente, o aquecimento global é provocado pelos gases de efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2), que são lançados pela homem na atmosfera, através da geração de energia, fábricas, transporte, desmatamento e queimadas, entre outros.

As nações insulares do Pacífico respondem por só 0,02% das emissões dos gases do efeito estufa no mundo.

 

Elevação do nível do Oceano Pacífico está afetando gravemente o futebol da Oceania — Foto: Getty images

Elevação do nível do Oceano Pacífico está afetando gravemente o futebol da Oceania — Foto: Getty images

Cenário se repete no Brasil e deve piorar

 

O aumento do nível do oceano não se deu apenas no Pacífico (acima da média). Esse é um problema global. As consequências disso já são sentidas no Brasilonde 55% da população mora a 150km do litoral.

— O oceano “com febre” nos leva a mais eventos extremos, como vimos no litoral de São Paulo, Rio de Janeiro, Alagoas, Bahia, Pernambuco… Esses eventos extremos, que têm levado ao cancelamento de jogos no Reino Unido, no Pacífico, vários lugares, serão cada vez mais comuns. Chuvas, dias de extremo calor. Isso é impacto associado à mudança do clima, a um oceano mais quente — comentou Ronaldo Christofoletti, professor na Instituto do Mar (UNIFESP).

Outro problema é a erosão da costa. Cerca de 40% da costa brasileira enfrenta efeitos do aumento do nível do mar. Isso tem sido visto em diferentes estados, do Sul do país ao Nordeste. Um exemplo emblemático é a cidade de Atafona, localizada no município de São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro.

A elevação do nível do mar será um dos muitos temas da Conferência do Clima (COP 29) em Baku, no Azerbaijão. O evento começou na segunda-feira e vai até o dia 22. A próxima edição será em Belém, no Pará, e há grandes expectativas sobre o que vai acontecer no Brasil.

Foto: Ficr/ Free Stock Photo
Vale muito, custa pouco: Brasil deixa de cobrar R$ 12 bi por ano de empresas pelo uso da água dos rios

Vale muito, custa pouco: Brasil deixa de cobrar R$ 12 bi por ano de empresas pelo uso da água dos rios

Com modelo atual, grandes indústrias pagam menos de um centavo por 1 mil litros de água

Autor: Por Ana Flávia Pilar — São Paulo

Enquanto a água se torna um bem cada vez mais escasso, empresas brasileiras instaladas em bacias hidrográficas usam grande volume desse recurso valioso e pagam muito pouco por isso. A arrecadação pelo uso da água de rios e lagos no Brasil é muito inferior ao que se pratica em países desenvolvidos — e, em muitos casos, nada é cobrado.

Um estudo feito pelo Instituto Internacional Arayara, ao qual o GLOBO teve acesso exclusivo, mostra que o país poderia arrecadar até R$ 12 bilhões por ano pelo uso da água por empreendimentos industriais, agrícolas e de infraestrutura, mas, na prática, fica com uma pequena fração disso.

Levantamento do GLOBO identificou que as outorgas concedidas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) permitem a captação de até 22,4 trilhões de litros por ano em bacias interestaduais, de competência da União, o equivalente a quase 9 milhões de piscinas olímpicas.

Desse total, dois terços vão para irrigação no agronegócio. Em seguida, vêm indústrias, como a têxtil, a siderúrgica e a de celulose, com 14,5%. No ano passado, todo esse volume de água rendeu ao governo federal apenas R$ 133 milhões.

Na média, um metro cúbico (ou 1.000 litros) de água custa menos de um centavo (R$ 0,0062) para grandes negócios. O cálculo exclui captações para consumo humano e abastecimento público. Para comparação, um consumidor doméstico em São Paulo paga R$ 37,96 por até dez metros cúbicos de água.

No nível estadual, em que faltam dados precisos sobre o volume total consumido por empresas, apenas seis unidades da federação faziam alguma cobrança em 2023 pelo uso comercial de mananciais que ficam dentro de seus limites: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Paraíba e Paraná. Juntos, eles arrecadaram R$ 384,2 milhões no ano passado.

Em 2024, Goiás, Rio Grande do Norte e Sergipe começaram a aplicar esse tipo de taxa. No Espírito Santo, a cobrança também começou, mas só na Bacia do Rio Jucu.

Ao comparar os dados do Brasil com esse tipo de cobrança em França, Espanha, EUA, Austrália, Inglaterra e Chile, com metodologia desenvolvida em 2012 a pedido da Unesco, o Arayara estima que o Brasil exporte 204 trilhões de litros de água por ano por meio de produtos, principalmente agrícolas, perdendo apenas para os americanos. Se o país seguisse o padrão de cobrança dos países comparados, teria arrecadado em 2023 quase R$ 12 bilhões, diz o estudo

As dez empresas que mais consomem água no Brasil têm autorização para captar 1,62 trilhão de litros ao ano. Os pagamentos variam, mas têm em comum o baixo custo. Em uma de suas outorgas, no Rio Doce, a fabricante de papel e celulose Suzano, por exemplo, captou 97 bilhões de litros entre janeiro e outubro deste ano ao custo de R$ 0,06 por metro cúbico.

A siderúrgica Gerdau consumiu 927 milhões de litros no período em uma outorga no Rio Paraíba do Sul. Paga R$ 0,023 por metro cúbico.

Taxas maiores poderiam estimular a economia de água nas empresas e reforçar ações de recuperação e preservação de áreas de mananciais, o destino estabelecido para a arrecadação da ANA. E não faltam motivos. Levantamento do MapBiomas Águas, com dados de 2023, aponta queda de 1,5% na área coberta por água no território nacional, em comparação com a média entre 1985 e 2023.

A situação é mais alarmante no caso dos corpos hídricos naturais (como rios e lagos), que encolheram 30,8% — ou 6,3 milhões de hectares — em relação a 1985. Seis das doze principais bacias hidrográficas do país registraram níveis abaixo da média histórica no último ano.

Seca no São Francisco

O Rio São Francisco, que nasce na Serra da Canastra, em Minas, e deságua na divisa entre Sergipe e Alagoas, teve uma redução superior a 60% na vazão em certos trechos, segundo estudo da Universidade Federal de Alagoas. Mas sua bacia é a que concentra a maior quantidade de outorgas. São 8.328 autorizações de captação de água por negócios que consomem 11,6 trilhões de litros por ano.

A produtora de grãos e algodão Santa Colomba é a empresa que mais consome água no Brasil. Ela tem 14 outorgas que lhe permitem retirar 307 bilhões de litros por ano em dois rios da região do São Francisco. A Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) vem em seguida. Na mesma bacia, tem 22 autorizações para captar 213 bilhões de litros por ano.

O que dizem as empresas

A Suzano disse ter direito de uso, por meio de outorgas, de 565 milhões de metros cúbicos de água, mas utiliza efetivamente 66% devido a processos internos para aumentar a eficiência no consumo. Do montante captado, cerca de 85% são recirculados no processo produtivo antes de serem tratados e devolvidos ao ambiente. A companhia tem como meta reduzir em 15% a água captada nas operações industriais até 2030.

A Gerdau informou que não poderia comentar porque na ocasião seus executivos estavam no período de silêncio que antecede a divulgação do balanço financeiro. A Santa Colomba não respondeu.

A Eletrobras, controladora da Chesf, informou que seu uso de água está em conformidade com as exigências legais. Segundo a empresa, somente em 2023, suas hidrelétricas pagaram mais de R$ 206 milhões em compensação financeira por uso de recursos hídricos, conforme definido em lei.

Faltam comitês, inclusive na Amazônia

A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) estabelece que a cobrança sobre o uso da água deve financiar ações de recuperação de bacias, incentivo a investimentos em despoluição, conscientização do usuário sobre o valor desse recurso e promoção de tecnologias limpas e que reduzam o consumo. A arrecadação deve ser aplicada na mesma bacia de onde sai a água, financiando entidades locais e projetos que garantam a perenidade dos corpos hídricos.

No entanto, a cobrança só pode ser estabelecida pelos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs), compostos por representantes do setor público, da sociedade civil e dos usuários (ou seja, as empresas). Os CBHs podem ser estaduais ou interestaduais, mas a maior parte das bacias do país ainda não tem um, o que impede a cobrança pelo uso da água.

Segundo a ANA, atualmente, há 10 CBHs interestaduais. Cobram pelo recurso os complexos hidrográficos de Paraíba do Sul, Piracicaba-Jundiaí, São Francisco, Doce, Paranaíba, Verde Grande e Grande. As de Parnaíba, Piranhas-Açu e Paranapanema têm comitês, mas ainda não cobram pela água. Outras grandes bacias do país, como a Amazônica, Atlântico Sul e as dos rios Uruguai e Paraguai sequer têm CBH. Só da Região Hidrográfica Amazônica, empresas somam autorizações para tirar 1 bilhão de litros de água por ano sem pagar nada.

— Em bacias urbanas, especialmente nas capitais, a sociedade civil é representada nos CBHs por ONGs, universidades, sindicatos. Quando a bacia tem finalidade agrícola, a maior parte vem do setor rural — diz Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, apontando que representantes de grupos industriais e do agronegócio frequentemente integram os CBHs e ajudam a decidir como é feita a cobrança pelo uso da água.

Consumo humano deve ser prioridade

Ainda conforme a PNRH, o consumo humano e de animais deve ser priorizado em momentos de escassez de água, o que nem sempre acontece. Especialistas destacam que, na concessão das outorgas, não é levada em conta a resiliência do corpo hídrico. Boa parte das autorizações tem validade longa, de até 30 anos.

— Em uma situação de seca, o que ocorre com as outorgas? Elas são revisadas? Isso só acontece quando a água acaba? Não existe um plano preventivo? — questiona Malu.

O Complexo Industrial e Portuário de Pecém (CIPP), no Ceará, tem como principal fonte de água a mesma que abastece a população da Região Metropolitana de Fortaleza. O Açude Sítios Novos, construído em 1999 pelo governo estadual para abastecer o CIPP, secou em 2016.

Desde então, parte do fluxo para as indústrias vem do Reservatório Castanhão, que recebe água do São Francisco por meio de um projeto de integração de bacias. As outorgas concedidas a três empresas no CIPP totalizavam 2.509 litros por segundo em 2017, o que equivaleu a 216,8 milhões de litros de água por dia num ano em que o estado viveu uma seca histórica. Os dados são de uma nota técnica daquele ano, do professor Alexandre Araújo Costa, da Universidade Federal do Ceará (UFC).

— Para atrair grandes empresas para o complexo, o governo cearense oferece, entre outras coisas, água a um custo muito acessível. Mas é a mesma que seria tratada para o consumo humano — diz Jader Santos, professor do Departamento de Geografia da UFC.

Procurados, ANA e governo do Ceará não retornaram.

Juliano Bueno, que integra o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, avalia que a estrutura legal de captação de água no país está obsoleta há pelo menos 20 anos. Segundo ele, há concessões que prevalecem sobre o abastecimento da população mesmo em bacias sob estresse hídrico.

— Por ter bastante água, o país não tinha cuidados, mas esse tempo acabou e entramos num novo cenário. Os grandes usuários, que desperdiçam muita água, vão precisar de investimentos tecnológicos para economizar esse recurso e redesenhar seus negócios. A água garantidamente vai ficar mais cara para todos — diz.

Colaborou Rafael Garcia

Foto: Custódio Coimbra/ O Globo

Copelmi: mineradora terá que prestar esclarecimentos sobre o impacto da Mina do Cerro nas comunidades indígenas da região

Copelmi: mineradora terá que prestar esclarecimentos sobre o impacto da Mina do Cerro nas comunidades indígenas da região

O Instituto Internacional Arayara protocolou na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), na semana passada, um pedido formal de esclarecimentos sobre a ausência de detalhes cruciais sobre o componente indígena no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do projeto de mineração de carvão da Mina do Cerro, da mineradora Copelmi.

O empreendimento, situado no município de Cachoeira do Sul (RS), visa o fornecimento de carvão à petroquímica Braskem, mas enfrenta questionamentos sobre a falta de consideração sobre todas as comunidades indígenas na área de influência do projeto.

Em análise ao documento público do EIA-Rima, o Instituto Internacional Arayara identificou que o Acampamento Indígena Papagaio, localizado em Cachoeira do Sul, não foi mencionado nos estudos ambientais, apesar de registros da presença indígena nesta área. “A ausência do acampamento no relatório é grave e levanta preocupações sobre o histórico de omissões em empreendimentos da Copelmi”, diz Juliano Bueno de Araújo, diretor-presidente do Instituto Internacional Arayara. 

Araújo destaca que, em 2022, um processo anterior de licenciamento da Mina Guaíba foi arquivado após determinação da Justiça Federal, devido à falta de consideração da Aldeia Guajayvi, situada próxima ao projeto, fato que comprometeu a transparência do processo.

A ARAYARA solicitou à FEPAM a atualização e inclusão de informações sobre os territórios indígenas impactados, destacando a necessidade de novos estudos e consultas à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para verificar e validar a presença dessas comunidades. 

Segundo Araújo, o EIA-Rima atual omite o envolvimento direto das lideranças indígenas no processo, apesar da proximidade de várias aldeias, como a Tekoa Guabiju, a Terra Indígena Irapuá e o Acampamento Irapuá, localizadas a menos de 11 km do empreendimento.

Divergências e omissões no relatório ambiental

O Engenheiro Ambiental, John Wurdig, explica que o relatório do EIA-Rima não inclui entrevistas com membros das comunidades indígenas próximas, uma etapa essencial para captar a percepção local sobre o impacto do projeto. 

“Durante audiência pública realizada no dia 31 de outubro de 2024, técnicos da Copelmi e da consultoria Profill afirmaram que o meio socioeconômico e as comunidades tradicionais foram considerados, mas não apresentaram detalhes sobre a identificação e o reconhecimento dessas comunidades, o que para o Instituto Internacional Arayara configura uma omissão de informações relevantes”, pontua.

Wurdig enfatiza ainda  a urgência de inclusão do Acampamento Indígena Papagaio no EIA-Rima, criticando a identificação apenas como uma “comunidade indígena sem nome” no relatório. 

“O uso inadequado de terminologias e a falta de identificação precisa demonstram negligência no processo. Além disso, reforça que a Emater/RS-Ascar, mencionada no EIA-Rima como fonte de localização das aldeias, não possui competência para a delimitação e identificação de territórios indígenas, função que é exclusiva da Funai”, ressalta o engenheiro.

Histórico de problemas com a Copelmi

A Copelmi já enfrenta um histórico de questionamentos e problemas jurídicos envolvendo a consideração das comunidades indígenas em estudos de impacto ambiental. No caso da Mina Guaíba, na cidade de Charqueadas, a omissão da Aldeia Guajayvi resultou no arquivamento do processo de licenciamento por decisão da Justiça Federal. O Instituto Internacional Arayara, portanto, exige maior transparência e adequação legal no processo de licenciamento da Mina do Cerro.

“Buscamos garantir o cumprimento dos direitos das comunidades indígenas e a transparência necessária nos processos de licenciamento de grandes empreendimentos”, declarou o diretor-presidente da ARAYARA. 

Araújo também pontuou que a resposta da FEPAM será fundamental para esclarecer a responsabilidade da mineradora Copelmi e assegurar que as comunidades indígenas afetadas sejam devidamente ouvidas e consideradas nas decisões ambientais sobre a Mina do Cerro.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Comunidade e Câmara Municipal de Caçapava unidas contra a instalação da maior termelétrica de gás fóssil da América Latina

Comunidade e Câmara Municipal de Caçapava unidas contra a instalação da maior termelétrica de gás fóssil da América Latina

No dia 29 de outubro, a geógrafa e doutora Raquel Henrique, especialista em Planejamento Urbano e Regional, foi à Tribuna Livre da Câmara Municipal de Caçapava para atualizar a comunidade e os vereadores sobre o avanço da oposição à Usina Termelétrica São Paulo. 

Proposta pela empresa Natural Energia, a usina  Termelétrica São Paulo de 1,74 GW, enfrentou forte resistência local devido a potenciais riscos ambientais e à previsão de emissão significativa de poluentes na região.

Entenda o caso

 

Em julho deste ano, duas audiências públicas sobre a instalação da UTE São Paulo foram suspensas após protestos organizados pela Frente Ambientalista do Vale do Paraíba, com o apoio do Instituto Internacional Arayara e da sociedade civil. Falhas no processo foram apontadas, incluindo mudanças de última hora no local das audiências, o que dificultou o acesso e a participação da comunidade.

Apesar das contestações do Ministério Público Federal (MPF), de especialistas e da sociedade civil, a 3ª Vara Federal de São José dos Campos decidiu manter as audiências para discutir o projeto da termelétrica. O MPF avaliou que essa decisão contradiz uma determinação judicial anterior. Embora o parecer técnico do IBAMA tenha sido desfavorável ao projeto, indicando riscos socioambientais no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (EIA-RIMA), a Natural Energia, empresa responsável pelo empreendimento, conseguiu a autorização do órgão ambiental para continuar com as audiências, gerando ainda mais polêmica e resistência na região.

 

Falhas graves no projeto e potenciais impactos 

 

Entre os novos projetos de geração termelétrica no Brasil, o empreendimento em Caçapava se destaca pela sua escala: se entrar em operação total, a usina poderá emitir até 6 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, aumentando as emissões da matriz elétrica brasileira em um momento em que elas deveriam cair para ajudar a conter as mudanças climáticas. O montante é 2.000 vezes maior do que todas as emissões da cidade de Caçapava entre 2000 e 2022.

 

Os dados citados fazem parte do relatório “Regressão energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática”, lançado pela Coalizão Energia Limpa, este ano.

 

Moções de repúdio em 11 municípios

Durante a sessão na Câmara, a Dra. Raquel Henrique, ativista, educadora ambiental e membro da ONG Ecovital e da Frente Ambientalista do Vale do Paraíba, destacou erros e falhas graves no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) conduzido pela empresa Natural Energia, responsável pelo projeto da termelétrica.

Dentre os problemas apontados, Raquel destacou inconsistências na modelagem da dispersão de poluentes e omissões em relação ao fenômeno de inversão térmica durante o inverno. Esse fenômeno, comum em regiões montanhosas como o Vale do Paraíba, tende a concentrar poluentes na atmosfera, piorando a qualidade do ar e comprometendo a saúde dos moradores. Raquel também criticou a falta de diálogo direto com as comunidades que seriam diretamente impactadas pelo empreendimento.

A oposição ao projeto não se limita a Caçapava. Diversos municípios da região, como Taubaté, São José dos Campos e Campos do Jordão, emitiram moções de repúdio ao projeto em suas Câmaras Municipais. Em Caçapava, a vereadora Dandara Gissoni (PSB-SP) liderou a apresentação de uma moção de repúdio, que recebeu o apoio da maioria dos vereadores, com exceção de Wellington Felipe, cuja decisão gerou forte reação entre a comunidade e nas redes sociais.

Paula Guimarães, consultora jurídica da ARAYARA, alertou para os impactos ambientais e à saúde pública caso o projeto avance. “A geografia da região favorece a retenção de poluentes, colocando em risco o ecossistema e a saúde de mais de 2 milhões de pessoas. Até agora, mais de 11 municípios, incluindo Caçapava, Taubaté, São José e Campos do Jordão, aprovaram moções de repúdio ao projeto. Além dos impactos na Serra da Mantiqueira e na qualidade do ar, o Rio Paraíba do Sul, que abastece as regiões do Rio de Janeiro e de São Paulo, também pode ser prejudicado”, afirmou.

Um ponto central das críticas é a localização escolhida para a termelétrica. Diferente das grandes usinas de metano do Brasil, normalmente situadas em áreas costeiras ou planas com ventos fortes, Caçapava está em uma região montanhosa, cercada por encostas e com baixa circulação de ventos. Essa configuração dificulta a dispersão de poluentes, expondo potencialmente mais de 2 milhões de pessoas a níveis elevados de poluição atmosférica e agravando os riscos para a saúde pública e o meio ambiente no Vale do Paraíba.

 

Créditos da foto:  Marcelo Caltabiano