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ARAYARA na Mídia: O Cerrado está sob ameaça da indústria fóssil

“A expansão desses empreendimentos não representa apenas uma ameaça à biodiversidade local”

O Instituto Internacional Arayara, por meio da sua Plataforma Monitor de Energia, identificou uma nova e grave ameaça do setor fóssil ao Cerrado, bioma vital que ocupa 23% do território brasileiro, cobrindo mais de 2 milhões de km². Este bioma abrange os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, oeste de Minas Gerais, oeste da Bahia, sul do Maranhão, oeste do Piauí e o Distrito Federal. O Cerrado, conhecido como a savana brasileira e o segundo maior bioma da América do Sul, agora enfrenta o risco iminente da instalação de um mega gasoduto e de três usinas termelétricas movidas a gás natural.

A expansão desses empreendimentos não representa apenas uma ameaça à biodiversidade local, mas também coloca em risco os recursos hídricos essenciais para a sobrevivência de milhões de brasileiros, já que abastecem cerca de 70% das bacias hidrográficas do país. Este bioma, já devastado por desmatamento, queimadas, expansão agropecuária sem licenciamento ambiental, impactos da mineração, urbanização desordenada e grandes empreendimentos de infraestrutura, sofre de uma escassez de áreas de conservação.

Dados de 2024 apontam o Cerrado como o segundo bioma mais ameaçado do Brasil em termos de perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos. Em 39 anos, 27% da sua vegetação nativa foi perdida, o que equivale a 38 milhões de hectares, segundo o MapBiomas.

A Arayara denuncia que o bioma Cerrado está sendo alvo da indústria fóssil com a proposta de instalação do Gasoduto Brasil Central da Transportadora de Gás do Brasil Central S/A (TGBC), com mais de 900 km de extensão ligando São Carlos (SP) até Brasília (DF). O gasoduto visa abastecer três usinas termelétricas a gás natural, projetadas para gerar energia na região Centro-Oeste. São elas: a UTE Brasília, com 1.470 MW, prevista para ser instalada na Região Administrativa de Samambaia, a apenas 35 km do centro de Brasília; a UTE Centro-Oeste, com 1.250 MW, em Bonfinópolis (GO); e a UTE Brasil Central, também com 1.250 MW, em Abadiânia (GO), ambas de responsabilidade do empreendedor Eletricidade do Brasil S.A. (Ebrasil).

Movimento “Xô Termelétrica”

As audiências públicas para a licença ambiental das usinas termelétricas estavam inicialmente previstas para o primeiro semestre de 2025. No entanto, a audiência da UTE Brasília, marcada para 12 de março de 2025, foi adiada por decisão da 9ª Vara Federal Cível da SJDF, após um mandado de segurança impetrado pela Arayara. A decisão foi fundamentada no argumento de que o prazo estabelecido para análise dos impactos ambientais era insuficiente para que a comunidade e os especialistas se posicionassem de forma adequada. Até o momento, as audiências das usinas UTE Centro-Oeste (Bonfinópolis-GO) e UTE Brasil Central (Abadiânia-GO) ainda não têm datas definidas.

Durante a 5ª Conferência Distrital do Meio Ambiente do DF, que aconteceu no final de fevereiro, foi apresentada uma carta de repúdio acompanhada de uma petição, que já conta com mais de 500 mil assinaturas contra a instalação das usinas. Movimentos como Salve o Rio Melchior e o Fórum de Defesa das Águas do DF, juntamente com parlamentares e membros da comunidade, seguem mobilizando a sociedade e pressionando as autoridades. Em resposta às preocupações levantadas, a Câmara Legislativa do DF (CLDF) instaurou uma audiência pública no dia 21 de março para investigar os impactos ambientais, sociais e os riscos à saúde pública do projeto da UTE Brasília.

Entre os principais pontos de preocupação estão a degradação da qualidade do ar e da água, com um aumento projetado de 250% nas emissões atmosféricas; o deslocamento forçado de moradores, e a remoção da Escola Classe Guariroba, o que afetará diretamente cerca de 500 famílias. Além disso, especialistas alertam sobre os riscos de danos irreversíveis ao Rio Melchior, que, segundo o projeto, seria utilizado para captação de água, apesar de já ser classificado como poluído. A avaliação dos impactos ambientais foi baseada em um estudo de 2012, que não leva em conta as mudanças climáticas e a grave crise hídrica que a região enfrenta atualmente, especialmente no ano de 2024.

O alto custo da dependência de gás e carvão

Uma das principais estratégias da indústria fóssil é inserir emendas de seu interesse em medidas provisórias e projetos de lei. Em novembro de 2023, um “jabuti” incluído na medida provisória do marco regulatório das energias renováveis beneficiava a Termo Norte Energia, ao obrigar a contratação compulsória de usinas térmicas a gás. Em janeiro deste ano, a Lei nº 576/2021 foi sancionada pelo presidente Lula, vetando o artigo 22 , que previa subsídios para termoelétricas a gás e carvão, evitando um custo de R$ 400 bilhões até 2050.

Isso significa que para além dos impactos socioeconômicos,  o modelo energético atual do Brasil, ainda fortemente dependente de gás e carvão, impõe uma sobrecarga à economia, prejudica a competitividade do país e compromete a transição para uma matriz energética limpa e sustentável.

Flexibilização de Regras e retrocessos

Outro ponto alarmante é a recente flexibilização das normas do setor energético, promovida pelo Ministério de Minas e Energia. A Portaria MME Nº 103/2025 facilita a inclusão de usinas a gás no Leilão de Reserva de Capacidade, permitindo que projetos sem licenciamento ambiental definitivo participem do certame. Essa medida revela o desprezo pelo meio ambiente e favorece a continuidade de uma matriz energética poluente e onerosa para a população.

O contexto dessa flexibilização remonta à privatização da Eletrobras, em 2021, quando o Congresso Nacional introduziu emendas, obrigando a contratação de 2.500 MW de energia térmica para a região Centro-Oeste, sem considerar a falta de infraestrutura para o gás natural. Com isso, cidades como Goiânia e Brasília foram escolhidas para receber esses empreendimentos, desconsiderando os impactos ambientais e sociais.

Essa política reflete um retrocesso na transição energética brasileira. Em vez de investir em fontes renováveis e sustentáveis, o governo opta por reforçar uma matriz dependente de combustíveis fósseis, o que aumentará as emissões de gases de efeito estufa e elevará os custos de energia para a população. Não podemos aceitar mais um ataque ao meio ambiente disfarçado de desenvolvimento.

O caminho para o futuro

É essencial que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e os órgãos reguladores deem prioridade à análise cumulativa e sinérgica desses projetos, adotando uma abordagem que leve em consideração os impactos regionais e garanta a plena participação da sociedade no processo de decisão. Enquanto isso, a mobilização da sociedade contra a ameaça ao Cerrado, um dos biomas mais valiosos do Brasil, continuará ganhando força. Em um ano crucial, no qual o Brasil sedia a COP 30, não podemos permitir que o país continue apostando em energia suja. O futuro do Cerrado – e do planeta – está nas mãos das escolhas que fazemos agora.

*Juliano Bueno de Araújo é diretor presidente do Instituto Internacional Arayara e da Coalizão Não Fracking Brasil (COESUS). É Engenheiro ambiental e mecatrônico, mestre em Gestão Ambiental, doutor em Urgências e Emergências Ambientais, e em Direito Difuso. É PhD em Energias Renováveis, Bacharel em Direito e especialista em Direito Ambiental.

**Nicole Figueiredo de Oliveira é diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, autora e palestrante. É mestre em Direito Internacional e Solução de Controvérsias, e possui MBA em Gestão de Recursos Humanos.

***John Fernando de Farias Wurdig é engenheiro ambiental, mestre em Planejamento Urbano e Regional e gerente de Transição Energética Justa e Sustentável do Instituto Internacional Arayara.

****Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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