+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Arayara na mídia: As mega barragens brasileiras prometiam um futuro verde. Então veio a mudança climática

Matéria originalmente publicada em contextnews.com em 26/09/2024.
Por: André Cabette Fabio

Qual é o contexto?

O presidente Lula apostou alto em mega barragens nos anos 2000 para expandir a energia limpa. Agora, a mudança climática está prejudicando as ambições verdes do Brasil.

____________________________________________________________________

  • • Mega barragens na Amazônia operam bem abaixo da capacidade devido à baixa nos níveis dos rios
  • • O baixo desempenho não é novidade, mas foi agravado pela seca recorde
  • • Brasil recorre a combustíveis fósseis poluentes e gás natural

____________________________________________________________________

Santo Antônio é uma das três mega usinas hidrelétricas localizadas nas profundezas da exuberante floresta amazônica brasileira que já foram consideradas o futuro da produção de energia verde do país.

As megabarragens “a fio d’água” — cujas turbinas são movidas pelo fluxo natural dos rios e não pela água que cai de reservatórios imponentes — foram a aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um futuro verde quando assumiu o poder pela primeira vez, na década de 2000.

Santo Antônio, Jirau e Belo Monte foram construídas na floresta amazônica apesar da forte oposição de grupos ambientais e se tornaram uma das cinco maiores represas do país. Belo Monte, que começou a operar em 2016, tem a quarta maior capacidade do mundo.

Mas as megabarragens estão operando bem abaixo da capacidade, à medida que os níveis dos rios diminuem devido a uma seca recorde na Amazônia, destacando como as mudanças climáticas estão se tornando um desafio crescente para a ambição verde do Brasil.

“Ao contrário das antigas usinas hidrelétricas, o rio é quem manda. Se ficar muito seco, ele para de funcionar”, disse um guia que levou turistas pela represa de Santo Antônio no início deste ano.

Santo Antônio teve que desativar 43 de suas 50 turbinas no início de setembro, quando os níveis dos rios se aproximaram de uma mínima recorde devido à seca, tendo que fechar completamente pelo mesmo motivo por duas semanas em outubro de 2023.

As três megabarragens operaram com apenas uma fração de sua capacidade total em setembro, exacerbando uma tendência em que as empresas hidrelétricas têm consistentemente falhado em atingir a produção de “energia mínima garantida” estabelecida em seus contratos com o governo.

Localização das Hidrelétricas - Mapa por Andre Cabette Fabio - OpenMapTiles

Localização das Hidrelétricas – Mapa por Andre Cabette Fabio – OpenMapTiles

 

Santo Antônio só trabalhou com menos de 10% de sua capacidade nos primeiros 20 dias de setembro, Jirau com 5% e Belo Monte com menos de 3% de seu potencial total, de acordo com dados do governo. Em comparação, Santo Antônio e Jirau trabalharam com cerca do dobro da capacidade no período equivalente de 2021, um ano em que a Amazônia brasileira lutou contra chuvas pesadas.

Especialistas dizem que a situação provavelmente piorará à medida que as secas se tornarem mais regulares no futuro.

“Estudos indicam que períodos de seca severa se tornarão mais frequentes em todas as regiões do Brasil”, disse à Context a Norte Energia, empresa que opera Belo Monte.

Um relatório de 2015 encomendado pelo governo previu que o potencial energético dos fluxos naturais dos rios no Brasil cairá entre 7% e 30% até 2030.

O Ministério de Minas e Energia do Brasil recusou o pedido de comentário da Context.

 

Histórico de baixo desempenho

A energia hidrelétrica responde por 47% da capacidade energética do Brasil, tornando-se a pedra angular da ambição de Lula de transformar o país em um exportador líquido de energia verde ou, como ele mesmo disse, a ” Arábia Saudita da energia renovável em 10 anos “. A Arábia Saudita é a maior exportadora de petróleo bruto do mundo.

A aposta de Lula em barragens “a fio d’água” visava garantir energia barata e com menor impacto ao meio ambiente do que as barragens tradicionais que criam grandes reservatórios.

Mas o baixo desempenho das megabarragens da Amazônia não é novidade, o que coloca em questão a estratégia verde do governo, dizem especialistas.

Santo Antônio, Jirau e Belo Monte não entregaram a “energia mínima assegurada” prevista em contratos entre empresas hidrelétricas e o governo federal em nenhum ano desde que começaram a produzir na década de 2010, de acordo com a análise de dados da Context do Operador Nacional do Sistema Elétrico.

A “energia mínima assegurada” refere-se à quantidade mínima de eletricidade que as usinas elétricas se comprometem a fornecer ao sistema elétrico nacional com base nos padrões históricos de fluxo dos rios.

Mas a história não tem sido muito indicativa dos níveis futuros dos rios, pois o clima vem mudando, disse Celio Bermann, professor do Instituto de Energia e Meio Ambiente da Universidade de São Paulo.

A Eletrobras, empresa que opera Santo Antônio, disse ao Context que a produção mínima de energia assegurada de Santo Antônio, de 2,31 Gigawatts, foi baseada em níveis históricos dos rios que “não refletiam as alterações extremas observadas nos últimos anos”.

À medida que os níveis dos rios caem, as empresas hidrelétricas são forçadas a comprar eletricidade de outros produtores no mercado à vista, muitas vezes com altos custos financeiros, para cumprir com suas obrigações contratuais.

Se o nível das águas não subir nos próximos anos, “essas usinas (da Amazônia) vão falir”, disse Mário Daher, consultor do setor energético.

Jirau tem uma produção mínima de energia assegurada de 2,1 Gigawatts, e Belo Monte, de 4,41 Gigawatts , segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica.

Alternativas?

À medida que a produção de eletricidade das megabarragens da Amazônia caiu, as autoridades recorreram a combustíveis fósseis poluentes e caros .

Atualmente, o governo está construindo 15 usinas adicionais movidas a gás, o que, segundo o Instituto Internacional Arayara, sem fins lucrativos, deve aumentar a capacidade de geração de gás natural do Brasil em pelo menos 30%, aumentando assim as emissões de carbono do país.

Enquanto isso, um relatório de agosto, coautorado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), uma organização sem fins lucrativos, propõe o uso de energia solar e eólica para ajudar a converter barragens hidrelétricas menores em “barragens hidrelétricas de armazenamento bombeado”.

A ideia é usar energia solar e eólica quando o tempo estiver ensolarado e ventoso para ajudar a encher reservatórios de água que mais tarde poderão ser usados ​​para gerar eletricidade quando o sol se põe e o vento diminui.

A eletricidade solar e eólica vem crescendo rapidamente nos últimos cinco anos no Brasil e agora responde por 29,4% da capacidade energética do país, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética.

A produção de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte também poderia ser impulsionada pela construção de mais barragens ao longo do rio, conforme planejado originalmente, disse Vinícius Oliveira da Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, uma organização sem fins lucrativos.

Mas isso seria controverso dada a oposição às barragens originais e seu histórico decepcionante.

Ambientalistas dizem que a construção contribuiu para o desmatamento, a perda de biodiversidade e o deslocamento de dezenas de milhares de brasileiros.

“De que adiantou matar o rio, a floresta… e os animais?”, questionou Ana Barbosa, coordenadora do movimento Xingu Vivo, que se opõe a Belo Monte e outras barragens no rio Xingu.

“Você simplesmente coloca um monumento no meio do rio para que os homens possam dizer que foram capazes de construí-lo, mesmo que isso não produza nada além de sangue e desastre.”

O novo governo de Lula, no entanto, reacendeu as negociações com a Bolívia para construir uma nova megabarragem no rio Madeira, na fronteira entre os dois países, desde que ele retornou ao poder em 2023.

Isso seria benéfico para seu governo, pois ajudaria a aumentar a produção em Jirau e Santo Antônio, ambas localizadas no rio Madeira, enquanto o impacto ambiental deverá ser maior na Bolívia, de acordo com Oliveira da Silva.

“Parece ser o momento certo para fazer essa barragem acontecer”, disse ele.

(Reportagem de Andre Cabette Fabio; Edição de Jack Graham e Ana Nicolaci da Costa.)

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

1 Comentário

  1. Paulo Lemgruber

    As construções de barragens com reservatórios acumuladores d’água a montante das usinas hidroelétricas a fio d’água resultarão em enorme efeito multiplicador das gerações de energia em usinas já construídas. A regularidade da vazão seria garantida pela nova barragem bi-nacional Brasil Bolívia. Esta barragem do El Dorado, prevista para construção com grande reservatório, no rio Madeira a juzante da foz do rio Mamore, vindo da Bolívia recebendo água do Madre de Dios vindo do Peru, e com a foz do Guaporé vindo da divisa Brasil Bolívia formam o Madeira. Este Guaporé originalmente desde o Sul do Mato Grosso, passando pela ex-capital Vila Bela da Santíssima Trindade, estabelecida pelos Jesuítas do Gran Para foi a ligação fluvial deste centro da América do Sul com Portugal.
    A implantação de eclusas nestas três barragens, permitirá a navegação fluvial por 4500 km neste centro da América do Sul, eliminando o custoso e altamente emissor de gases do modal de transporte rodoviário, única disponibilidade atual.

    Responder

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Uma PBio pública pela transição energética justa

Cinco dias antes do início da COP 29 (29a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – CQNUMC/ UNFCCC), a Diretoria Executiva da Petrobrás aprovou uma medida esperada há anos: a Petrobrás Biocombustível S.A. (PBio) não será vendida tão cedo. A decisão atende ao pleito de trabalhadores do setor de energia que se mobilizam nas últimas

Leia Mais »

Amazônia perde mais uma batalha contra a indústria fóssil

Em um momento decisivo para o futuro ambiental do planeta, enquanto a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima participa da COP29, a Amazônia perde mais uma batalha contra a indústria fóssil. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) anunciou esta semana a atualização do cronograma do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC) para

Leia Mais »

Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034 prevê 78% de investimento para indústria de petróleo e gás natural

No último dia 8 de novembro, o Ministério de Minas e Energia (MME) e lançou a Consulta Pública nº 179/2024, que abre a discussão sobre o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034. O PDE, principal instrumento de planejamento energético do Brasil para a próxima década, foi apresentado em evento realizado no Observatório Nacional de Transição Energética, na Esplanada

Leia Mais »

G20 Social e Cúpula dos Povos: organizações reivindicam participação popular e compromissos concretos para o enfrentamento dos desafios globais

Como anfitrião do encontro de líderes do G20, o governo brasileiro lançou o G20 Social, uma iniciativa que busca integrar as contribuições da sociedade civil — como juventude, mulheres, cientistas e trabalhadores — à agenda do grupo. Com o tema “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”, a proposta promoveu, pela primeira vez, encontros abordando questões políticas, financeiras e

Leia Mais »