Foto: Mobilize.org
Se recorrer e perder em instâncias superiores da Justiça, governo paulista abrirá precedentes para mudança de programas contrários à legislação ambiental
Menos de uma semana após a montadora estadunidense Ford anunciar que deixaria o Brasil, mesmo tendo recebido R$ 22 bilhões em subsídios e financiamentos públicos, o coletivo Famílias Pelo Clima infligiu uma importante derrota na Justiça contra o governo do Estado de São Paulo.
A justiça paulista determinou no dia 21 de janeiro que a administração João Dória divulgue o teor, mantido por ele em sigilo, do IncentiAuto, o pacote de subsídios oferecidos às montadoras de automóveis pelo governo paulista, que se recusava a divulgar informações sobre o uso de aproximadamente R$ 15 bilhões do Tesouro paulista.
“Antes de entrarmos na justiça, tentamos as instâncias administrativas, e os pedidos foram negados”, recorda a produtora audiovisual Clara Ramos, que assinou a ação representando o Famílias.
“Pareceu-nos absurdo que tivéssemos um programa vultoso , um subsídio para as montadoras, um programa que foi aprovado (em 2019) com pouquíssima discussão na Assembleia Legislativa de São Paulo”, diz, informando que tentou utilizar, sem sucesso, as duas instâncias da a Lei de Acesso à Informação (LAI), que garante divulgação a documentos públicos.
“É muito estranho (o IncentivAuto) sem exigência de contrapartida ambiental , na contramão de tudo que a gente acredita, e que deveria ser um projeto de desenvolvimento para o Estado”, completa a ativista, que é mãe de duas meninas (de 11 e 9 anos) e integra uma rede internacional de pais que lutam para deixar lições ambientais para filhos e filhas.
É importante o movimento de a sociedade civil se empoderar. É possível que em um segundo estágio da ação, em uma ação popular, a gente possa pedir a suspensão do programa. É a formiguinha contra o gigante. A gente se coloca como atores nesse processo de política pública”.
Segundo Clara Ramos, a única contrapartida exigida para cada projeto automotivo a ser incentivado (de no mínimo R$ 1 bilhão de orçamento) é a produção de 400 empregos. “Se investirmos R$ 1 bilhão em projetos cinematográficos, quantos empregos geraríamos? Eu te garanto que seriam muito mais do que 400”.
O advogado Flávio Siqueira, que patrocinou a ação para o Famílias, informou que “governo do estado de São Paulo tem 30 adias a partir da publicação (em 21 de janeiro) para apresentar as informações, embora ainda caibam recursos”. Entretanto, ele explica que há dois caminhos possíveis para o governo paulista daqui para frente.
“Um deles é o governo apresentar as informações. Avaliaremos e poderemos até embasar o pedido de anulação do programa. O outro caminho é o governo recorrer à segunda instância, ao Superior Tribunal de Justiça e até ao Supremo Tribunal federal. Mas, se as instâncias superiores disserem que de fato o governo deveria apresentar essas informações , teremos um precedente que poderá ser aplicado em todos os casos”, avalia. “Se eu fosse o governo, apresentaria essas informações prontamente”.
O advogado observou que “temos há mais de 10 anos uma política estadual de mudanças climáticas que é muito clara: as políticas que podem impactar no sistema climática têm de estimular a redução de emissões. Esse programa IncentivAuto está estimulando emissões.O governo esconder essas informações é por demais preocupante. Ele tem metas a cumprir, desde o Acordo de Paris até a política estadual”.
Flavio Siqueira revela que “às vezes essas informações que deveriam ser públicas vêm no orçamento como sigilosas. Os próprios parlamentares, quando aprovam a lei orçamentária, nem eles conseguem saber qual a empresa que vai receber aquele benefício. Só quem sabe é o governo.
Agora, “como as informações não estão disponíveis e foram negadas, antes de questionar a política e pedir a anulação do programa por ser ilegal, foi necessário ingressar com uma ação prévia de produção antecipada de provas. Vamos ter acesso às informação publicas, os projeto que foram apresentados ao governo (pelas montadoras) e vamos conseguir saber valores, a empresa que solicitou, se o governo já aprovou ou não e desembolsou ou não”.