Na desta quinta-feira (13/11), o ARAYARA Amazon Climate Hub promoveu um debate sobre a transição energética no Brasil, reunindo especialistas, sindicalistas, pesquisadores, representantes da sociedade civil e parlamentares para discutir caminhos para a descarbonização do setor e o papel da Petrobras nesse processo.
Com o tema: “Desafios técnico-econômicos da transição energética: que barreiras precisam ser superadas e propostas de soluções para chegarmos lá”, o encontro destacou dois estudos recentes: “A Petrobras que precisamos”, produzido por 30 organizações que integram o Observatório do Clima, entre elas o Instituto Internacional ARAYARA, e “O papel dos biocombustíveis na transição”, elaborado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) em conjunto com a Coalizão Energia Limpa.
A mesa de debate contou com a participação de Ricardo Baitelo, gerente de projetos do IEMA; David Tsai, coordenador de projetos do Observatório do Clima; Sabrina Fernandes, Líder de pesquisa do Instituto Alameda; Suely Araújo, diretora do Observatório do Clima e ex-presidente do IBAMA; Antony Devalle e Leandro Lanfredi, diretores do Sindipetro-RJ e da Federação Nacional dos Petroleiros. A mediação foi feita por Renata Prata, advogada e coordenadora de advocacy da ARAYARA.
Petrobras: necessidade de mudança
O estudo “A Petrobras que precisamos” aponta que a estatal ainda investe pouco em fontes de energia de baixo carbono. Apenas US$ 9,1 bilhões dos US$ 111 bilhões previstos no plano de negócios 2025-2029 — menos de 10% — seriam destinados a energias renováveis, biocombustíveis, hidrogênio verde, solar e eólica.
“Menos de 10% dos investimentos da Petrobras estão realmente voltados à transição de baixo carbono. É preciso coerência entre o discurso público e as ações concretas”, afirmou Juliano Bueno, diretor técnico do Instituto Internacional ARAYARA.
O estudo recomenda interromper a expansão em novas fronteiras fósseis, como a Foz do Amazonas, e redirecionar investimentos para fontes renováveis. Segundo o documento, a Petrobras poderia liderar a transição energética brasileira, mas continua ampliando a exploração de petróleo e gás, ignorando compromissos climáticos e reforçando a dependência de combustíveis fósseis.
Biocombustíveis e uso sustentável da terra
David Tsai, coordenador do Observatório do Clima, destacou o papel estratégico dos biocombustíveis na transição energética, desde que produzidos de forma responsável.
“Os biocombustíveis carregam uma série de desafios ambientais, mas também representam uma oportunidade para o Brasil — desde que sejam produzidos de forma responsável, com salvaguardas socioambientais robustas”, afirmou.
O estudo aponta que, considerando limites de terra, tecnologia e disponibilidade hídrica, não é viável quadruplicar a produção em dez anos como temos ouvido em alguns debates durante a COP 30. Tsai enfatizou: “Não temos recursos infinitos. É preciso planejar o uso do solo de forma integrada, conciliando energia, território, alimentação e clima. Essa é a única forma de garantir que os biocombustíveis sejam uma solução — e não um novo problema”.
Setor elétrico: papel estratégico
Ricardo Baitelo, gerente de eletricidade do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) e integrante da Coalizão de Energia Limpa, destacou a importância do setor elétrico na condução de uma transição energética efetiva e sustentável.
“A discussão sobre transição energética costuma girar em torno do petróleo e do transporte, mas o setor elétrico tem um papel estratégico — ele tem o poder de alimentar essa transição”, afirmou.
Baitelo explicou que, embora o Brasil tenha uma matriz elétrica altamente renovável — cerca de 90% da geração vem de fontes limpas —, há desafios importantes para manter esse padrão no longo prazo. “Todas as fontes de energia são vulneráveis. Dependemos da natureza para gerar eletricidade, e isso exige equilíbrio no uso dos recursos. O sistema brasileiro é dinâmico, com participação crescente de hidrelétricas, energia solar e eólica, algo único no G20. Nenhum outro país tem uma matriz tão diversificada”, observou.
Apesar dos avanços, ele alertou para problemas estruturais no setor elétrico, especialmente relacionados aos custos. “O custo de geração no Brasil está entre os mais baixos do mundo, mas a conta de luz paga pelo consumidor está entre as mais altas. Isso acontece porque toda nova despesa acaba sendo repassada ao usuário — um problema social que nenhum governo tem coragem de enfrentar”, criticou.
Justiça social e soberania energética
Antony Devalle ressaltou a importância de discutir o papel da Petrobras como empresa estatal: “A Petrobras nasceu como sociedade anônima e deveria ser popular. Desde o início, seu projeto foi sabotado. O privatismo enfraqueceu seu papel estratégico e tem dificultado muito uma transição energética justa. Enquanto o setor de óleo e gás permanecer subordinado a interesses externos que só visam o lucro, não haverá justiça energética”, afirmou.
Ele alertou que os leilões de exploração tiram do país sua soberania energética, econômica e política, e criticou a dependência crescente de empresas estrangeiras.
Trabalhadores na transição
Leandro Lanfredi, diretor do Sindipetro-RJ, destacou que a luta pela transição energética envolve também os trabalhadores da indústria:
“É preciso olhar para as pessoas — é daí que virão as respostas. O Brasil já produz muito mais petróleo e gás do que consome, e os leilões entregam nossa soberania a empresas estrangeiras. É necessário construir um debate que inclua trabalhadores, povos indígenas, ambientalistas e sociedade, garantindo uma transição que preserve empregos e também direitos”, afirmou.
Lanfredi criticou ainda o baixo investimento da Petrobras em energias renováveis e as consequências da privatização: “O que determina a ação da Petrobras é o lucro — não o clima, nem o planeta”.
Transição energética justa: um desafio coletivo
Sabrina Fernandes, líder de Pesquisa do Instituto Alameda, destacou que o estudo, intitulado “Transições Energéticas Justas e Além”, propõe ampliar o debate, que hoje se encontra excessivamente reduzido à descarbonização e a mecanismos de compensação de emissões — muitos deles questionáveis e ineficazes. “Queremos aprofundar essa discussão e ir além do discurso superficial de descarbonização gradual dos combustíveis fósseis, como foi defendido em Dubai”, afirmou.
Ela alertou que as chamadas zonas de sacrifício verde não se restringem à mineração: há um avanço preocupante da exploração de terras raras, frequentemente utilizadas como moeda de barganha em negociações econômicas. Defendeu, por isso, o apoio a iniciativas de energia renovável que respeitem os territórios e as comunidades locais.
A pesquisadora também citou o caso da Ucrânia, onde, segundo ela, o setor privado tem se aproveitado da catástrofe da guerra para assumir o controle do sistema elétrico, introduzindo uma lógica puramente comercial. “Não podemos permitir que o setor privado dite os rumos da transição”, alertou.
Suely Araújo, diretora do Observatório do Clima, reforçou a necessidade de que a Petrobras assuma um papel de liderança na transição:
“A companhia tem capacidade técnica e impacto econômico, mas precisa usar essa força para liderar a transição energética, e não para aprofundar o modelo fóssil”, afirmou.
Ela destacou que o país deve barrar novas fronteiras de exploração e redirecionar investimentos para energias renováveis, biocombustíveis sustentáveis e redução real de emissões.
Araújo completou: “Atualmente, o Brasil ocupa a sétima posição mundial na produção de petróleo, e o Ministério de Minas e Energia já declarou o objetivo de alcançar o quarto lugar. Para as organizações, essa meta é incompatível com os compromissos climáticos internacionais. “Se a preocupação fosse apenas atender à demanda interna, o país estaria priorizando reservas estratégicas, e não ampliando exportações. Essa narrativa não se sustenta”.
Para os especialistas, a Petrobras poderia ser referência mundial em energia de baixo carbono. Dos US$ 111 bilhões previstos em investimentos, apenas 8% estão destinados à sustentabilidade. E, segundo o estudo, parte desse valor ainda é contabilizada em ações de redução de emissões, o que reduz ainda mais o montante real aplicado em fontes renováveis.
“O que se planeja em petróleo e gás é executado com rigor, enquanto os investimentos em renováveis ficam só na promessa”, aponta Araújo.
O estudo do Observatório do Clima propõe um plano estratégico que inclui:
-Interrupção da expansão em novas fronteiras fósseis, como a Foz do Amazonas;
-Redirecionamento de investimentos para energias renováveis e tecnologias limpas;
-Fortalecimento de pesquisa e desenvolvimento em biocombustíveis, hidrogênio verde e energia solar e eólica;
-Reestruturação do plano de negócios da Petrobras, com foco na descarbonização.
-A coalizão recomenda o congelamento da expansão da exploração de combustíveis fósseis em novas fronteiras, como a Foz do Amazonas, e defende que a produção seja concentrada em áreas já em operação, como o pré-sal.
Perspectiva política
O deputado Chico Alencar (PSOL/RJ) prestigiou o evento e, ao final, destacou que, embora a discussão sobre transição energética exista, não é tratada como uma questão central. “O que temos é uma dinâmica capitalista que define o conceito de progresso, com disputas políticas constantes. Nosso papel nessa frente é cobrar e amplificar tudo o que os movimentos sociais estão reivindicando. Os povos indígenas estão na vanguarda dessa luta.”
Ele também comentou que deixou o evento mais informado, mas ao mesmo tempo menos otimista após a mesa de debate. “Foi uma discussão extremamente rica, e o Congresso tem grande responsabilidade sobre os caminhos que precisam ser seguidos. Um mandato não deve ser individual, mas representar causas coletivas. Infelizmente, no Senado e na Câmara, há uma maioria de negacionistas, privatizantes e parlamentares sem compromisso com o interesse público”, afirmou.










