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ARAYARA na Mídia: O Brasil enfrenta neste momento a quinta onda de calor em 2025 e pelo menos as quatro anteriores tinham dedo das mudanças climáticas

Estudos de atribuição no Brasil confirmam o impacto das mudanças climáticas impulsionadas pelos combustíveis fósseis na intensidade e frequência de ondas de calor, secas e enchentes recentes.

As emissões de gases de efeito estufa (GEE) da queima de combustíveis fósseis ficam atrás da agricultura e do desmatamento no Brasil, mas as empresas petrolíferas continuam a expandir a produção com apoio do governo.

Estimativas sobre a responsabilidade financeira das empresas de combustíveis fósseis pelo impacto das mudanças climáticas indicam que os danos das atividades da Petrobras entre 2018 e 2023 somam 500 bilhões de dólares.

As políticas governamentais para atingir emissões líquidas zero focam mais no combate ao desmatamento do que no setor energético.

Impacto dos combustíveis fósseis nos eventos climáticos no Brasil

O Brasil enfrenta neste momento a quinta onda de calor em 2025 e pelo menos as quatro anteriores tinham dedo das mudanças climáticas. Seis estudos de atribuição foram realizados sobre secas recentes (quatro estudos) e enchentes (dois estudos) que atingiram o Brasil nos últimos dois anos. As enchentes sem precedentes ocorridas entre abril e maio do ano passado no Rio Grande do Sul afetaram mais de 90% do estado, deslocaram mais de 600 mil pessoas e causaram 183 mortes. Um estudo do World Weather Attribution (WWA) analisou períodos de quatro e dez dias durante as chuvas intensas, concluindo que estas foram duas vezes mais prováveis e entre 6% e 9% mais intensas devido à queima de combustíveis fósseis.

O Brasil também enfrentou secas severas na bacia do rio Amazonas em 2023 e 2024, quando rios atingiram os níveis mais baixos registrados em 120 anos. O WWA descobriu que a seca sofrida pela agricultura da região amazônica entre junho e novembro de 2023 foi 30 vezes mais provável devido às mudanças climáticas. A cientista do clima Fredi Otto, cofundadora do WWA, mostrou preocupação com o país ao afirmar que “se continuarmos queimando petróleo, gás e carvão, muito em breve atingiremos 2°C de aquecimento e veremos secas semelhantes na Amazônia aproximadamente uma vez a cada 13 anos”.

A principal fonte de gases estufa do Brasil são as mudanças no uso da terra, em especial o desmatamento. A depender deste fator, a Amazônia, assim como outras áreas florestadas, pode atuar tanto como uma grande fonte de emissões (quando há aumento do desmate) quanto como sumidouro de carbono (quando há queda na taxa de derrubada). Outros fatores podem também influenciar essa dinâmica, como o nível de degradação florestal, queimadas, e mudanças nas temperaturas e precipitação causados pela mudança climática provocada principalmente pelo uso continuado de combustíveis fósseis.

O papel e a responsabilidade da indústria brasileira de petróleo e gás

Depois das mudanças no uso da terra, a agricultura é outra grande fonte de emissões no Brasil. Em seguida vem o setor de energia, no qual a maior fonte de emissões de gases estufa são os transportes, que dependem fortemente do petróleo.

A Petrobras, empresa petrolífera controlada pelo governo brasileiro, opera mais de 90% da produção de petróleo e gás no país e relata que suas emissões operacionais caíram 24% entre 2015 e 2023. No entanto, suas emissões totais, considerando tanto a produção quanto a queima dos derivados de petróleo vendidos, não diminuíram tão rapidamente. De acordo com o banco de dados Carbon Majors, a queda foi de apenas 2,7% entre 2015 e 2022, resultado influenciado em parte pela queda na demanda durante a pandemia de COVID-19. A produção de petróleo continuou a crescer em 2023 e 2024.

A maior parte da produção de petróleo no Brasil está concentrada no mar, nas bacias de Campos e Santos, próximas a grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. A produção nessas áreas explodiu desde as descobertas feitas a partir da década de 1980. Empresas de petróleo e gás continuam expandindo a produção no Brasil, com planos para explorar petróleo em regiões como a foz do rio Amazonas e o litoral do Rio Grande do Sul, um centro agrícola e industrial gravemente afetado pelas enchentes de 2024.

Fig. 1: A evolução da produção interna de energia no Brasil, 2000-2022 (TJ)

IEA/ZeroCarbon Analytics

Danos climáticos causados pelas empresas de combustíveis fósseis

Há diversas empresas operando no Brasil, sendo a Petrobras a mais ativa delas. A empresa brasileira está entre as 25 maiores emissoras do mundo – as Carbon Majors – identificadas pelo think tank Climate Analytics. Com base em uma suposição conservadora de que os produtores são responsáveis por um terço dos danos causados pelos combustíveis fósseis e assumindo um custo social do carbono de US$ 185 por tonelada, os danos das emissões realizadas entre 2018 e 2023 por todas essas empresas são estimados em US$ 20 trilhões, contra um faturamento conjunto de US$ 30 trilhões. Desses valores, a parte que cabe à Petrobras são US$ 500 bilhões em danos em todo o mundo, enquanto seus ganhos financeiros foram de US$ 700 bilhões no período.

Pressão política para a continuidade da exploração de combustíveis fósseis

As empresas de petróleo e gás e as associações do setor no Brasil pressionam o governo pela expansão da produção de petróleo e gás. A Petrobras é reconhecida por ter um forte poder de lobby. Enquanto isso, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) reconhece a questão das mudanças climáticas e destaca o papel das petroleiras no desenvolvimento da energia eólica offshore. No entanto, a mesma associação também defende que a transição energética deve ser lenta e gradual e continua a fazer lobby pela exploração de petróleo e gás em regiões como a foz do rio Amazonas, uma prioridade para a Petrobras.

O governo segue apoiando o aumento da produção, pois isso gera royalties e outras receitas. Esse argumento, inclusive, é usado para defender a expansão da exploração de combustíveis fósseis no país, embora experiências de cidades e estados brasileiros mostram que as receitas de petróleo e gás não geraram riquezas ou desenvolvimento. Esse apoio fez do Brasil um grande produtor e levou o país a aderir à Carta de Cooperação da OPEP+ no início de 2025. Vale lembrar que o cartel da OPEP, coordena níveis de oferta entre produtores para garantia de preços elevados.

Rumo à responsabilização

Grupos da sociedade civil têm entrado com ações judiciais para tentar desacelerar esse processo. Por exemplo, no final de 2023, o Instituto Arayara entrou com uma ação civil pública ambiental contestando um leilão de novos blocos de exploração de petróleo na Amazônia, alegando ser ilegal a produção em areas de conservação. Em março de 2024, o governo federal e suas agências responderam que os impactos ambientais serão avaliados na fase de licenciamento ambiental. O caso ainda está em andamento.

Ação do Brasil contra as mudanças climáticas são insuficientes

Segundo o relatório Production Gap elaborado pela ONU em 2023, o governo brasileiro planeja aumentar a produção de petróleo em 63% e a de gás em 124% até 2032. O governo continua a incentivar a exploração e a produção por meio de US$ 8,6 bilhões em renúncias fiscais e transferências diretas do orçamento. No total, os subsídios federais para petróleo, gás e carvão atingiram US$ 14,56 bilhões em 2022, enquanto os combustíveis fósseis totalizaram US$ 72,23 bilhões em subsídios de 2018 a 2022, as fontes renováveis de energia receberam US$ 13,39 bilhões.

O Climate Action Tracker classifica as políticas do Brasil para redução das emissões como “Insuficientes“, um nível intermediário entre cinco categorias estabelecidas pela organização. A classificação se deve ao fato dessas políticas, incluindo as NDCs, as contribuições voluntárias para a redução de emissões submetidas às negociações da ONU sobre mudanças climáticas, não serem consideradas suficientes para a limitação do aumento da temperatura conforme recomendações da ciência climática.

Reduzindo a demanda por combustíveis fósseis

Em 2023, o Brasil reafirmou sua meta de zerar emissões líquidas até 2050 e, em 2024, apresentou uma atualização da sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), comprometendo-se a reduzir emissões em até 67% até 2035, com base nos níveis de 2005. A NDC faz várias menções à necessidade de reduzir gradualmente o uso de combustíveis fósseis e aumentar a eletrificação. No entanto, projeções da Oil Change International indicam que a produção de petróleo e gás do Brasil deve crescer 36% até 20351.

Energia elétrica

Em 2023, 60% da eletricidade do Brasil veio das usinas hidrelétricas, que historicamente têm sido a principal fonte de eletricidade do país. Em face do esgotamento dos grandes aproveitamentos hidrelétricos fora da Amazônia e para fortalecer a segurança energética, o governo introduziu subsídios e leilões nos anos 2000 para aumentar a geração de energia eólica, solar e biomassa. Esse apoio deu o impulso inicial para que a participação da energia eólica na matriz elétrica subisse de 1% em 2013 para 13% em 2023. O governo também tem incentivado a energia solar, que cresceu especialmente no setor de geração distribuída. Atualmente, a energia solar representa pouco mais de 7% da matriz elétrica do Brasil.

Fig. 2: Oferta de energia no Brasil, 2000-2022 (TJ)

IEA/CarbonZero Analytics

Transporte

Um dos principais focos de política para reduzir o consumo de petróleo por governos sucessivos tem sido o uso de biocombustíveis. O número de veículos elétricos (EVs) ainda é baixo. Em 2021, apenas 0,5% dos veículos vendidos eram híbridos plug-in ou elétricos a bateria. Em 2024, foram introduzidos impostos de importação sobre veículos elétricos, o que gerou um aumento nas vendas antes da entrada em vigor da nova taxa. O lobby da indústria automobilística pressionou pela implementação desses impostos de importação.

O papel dos biocombustíveis no país, tanto historicamente como para as rotas de descarbonização do setor nas próximas décadas, não foi abordado.

Nota do revisor: a NDC trata das emissões do país e de suas metas para reduzi-las. O Brasil, assim como todos os produtores de petróleo, não incluem a parte exportada da produção de petróleo e gás nos seus compromissos climáticos. Seria, no entanto, uma obrigação moral considera-la em iniciativas responsáveis de combate a crise climática. ↩︎

Este artigo foi publicado originalmente pelo ZeroCarbon Analytics e traduzido e adaptado pela equipe do ClimaInfo.

Foto: Reprodução

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