Com votação empatada em 1 a 1 desde 2021, o Supremo Tribunal Federal volta a discutir o assunto que afeta diretamente a vida dos indígenas do Brasil
Brasília, 7 de junho de 2023 – Na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 490 por 283 votos a favor e 155 contra. O texto tem sido alvo de discussões acirradas e o Palácio do Planalto está agora contando com o Senado para frear sua tramitação. O deputado Arthur Maia (União Brasil), relator do PL 490, justificou a celeridade no processo como uma forma de se antecipar às deliberações do Supremo Tribunal Federal (STF), que reiniciam hoje.
A análise sobre a constitucionalidade do projeto foi interrompida em setembro de 2021, quando houve um pedido de vistas feito pelo ministro Alexandre de Moraes, resultando em um placar de 1 a 1 até o momento. Na ocasião, o ministro Edson Fachin votou contra a tese do marco temporal, enquanto Cássio Nunes Marques votou a favor.
O que disse Edson Fachin?
Para o ministro, o Marco Temporal desconsidera o fato dos direitos indígenas serem cláusulas pétreas, ou seja, que não podem ser alteradas por emendas à constituição. Fachin afirma que o direito ao território demarcado ajuda na manutenção de existência e vida digna aos povos originários. Além disso, também afirmou que os indígenas possuem seus territórios por tradição, não cabendo a análise da ocupação no momento de promulgação da Constituição Federal, por ser anterior ao próprio Estado.
O que disse Cássio Nunes Marques?
Cássio Nunes Marques afirmou que “posse tradicional” não pode ser confundida com “posse imemorial” e que, portanto, o Marco Temporal é necessário. Além disso, o ministro disse que, caso não seja definida uma época para a ocupação, as terras indígenas poderão se ampliar para espaços já ocupados pelo “território imobiliário”. Causando danos ao Estado.
Como está o caso hoje?
O STF retoma a votação sobre esse caso no dia de hoje, 07 de junho de 2023. Um fator que já mostra a inconstitucionalidade do PL 490 é que está sendo tentado, através desse projeto, alterar o artigo 231 da Constituição Federal, o que, dessa forma, não possui respaldo legal. Tal artigo reconhece o direito dos indígenas às suas terras independentemente se as ocupavam em 1988 ou não.
O caso em questão envolve a terra indígena de Santa Catarina Ibirama Laklãnõ, pertencente ao povo Laklãnõ-Xokleng, um dos primeiros povos a voltarem a ocupar a esplanada dos ministérios essa semana. A conclusão que o STF chegar servirá de referência para todas as outras terras indígenas no país.
O Projeto de Lei 490, que tramita desde 2007, aborda não apenas a questão do marco temporal, mas também trata da permissão da exploração de recursos naturais em terras indígenas e da possibilidade de reavaliar a demarcação dessas terras caso se julgue que o povo indígena perdeu seus “traços culturais”, motivo de refutações incisivas de vários parlamentares durante a votação no plenário da câmara, já que a cultura não é estática em nenhum lugar do mundo.
Segundo o PL 490, se uma comunidade indígena perder seus “traços culturais”, ela perde a demarcação de suas terras, que retornam para a União. No entanto, o projeto não define como essa situação será avaliada, ficando para o Estado tomar essa decisão unilateralmente.
A Constituição não admite processos de assimilação cultural forçada e, caso os povos indígenas fiquem sem suas terras, estarão suscetíveis a esse processo. Além disso, a Constituição não estabelece em nenhum momento um “marco temporal de 1988”, sendo essa uma interpretação questionada por diversos setores que alegam que tal medida visa retirar direitos dos povos indígenas, que sofrem desde a “descoberta do Brasil” um processo de genocídio deliberado, além de outros crimes.
É fundamental que o STF declare a inconstitucionalidade do Projeto de Lei 490, que já está em tramitação há 16 anos e nunca tinha sido aprovado. O motivo de ter passado pela Câmara dos Deputados e seguido para o Senado agora é a composição do parlamento, que conta com uma bancada ruralista fortalecida e apresenta vários projetos que visam atender seus interesses, o chamado “pacote da destruição”.
Indígenas de diferentes regiões do Brasil estão chegando em peso em Brasília para pressionar o STF a manifestar seu posicionamento sobre a inconstitucionalidade do Projeto de Lei que impõe o Marco Temporal.
A garantia dos direitos dos povos indígenas é fundamental para impedir judicialmente que grandes empreendimentos poluidores avancem. Esse foi o caso da mina de carvão mineral Guaíba. Esta, que seria a maior mina de carvão a céu aberto da américa latina, foi impedida de começar suas atividades por não ter consultado os povos indígenas da região durante os estudos de impacto ambiental. A decisão da juíza federal Clarides Rahmeier sobre a Ação Civil Pública foi premiada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na categoria ‘Garantia do Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais Estabelecidas em Área de Proteção ou Interesse Ambiental’.
O marco temporal busca definir como território indígena apenas aqueles ocupados no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988. Porém isso apenas serve para a revogação de terras já delimitadas e reconhecidas, além de atrapalhar processos atuais de demarcação que estão em andamento.
O desfecho desse caso terá repercussões significativas para a preservação dos direitos dos povos indígenas no Brasil, assim como para a preservação do meio ambiente, pois os povos da floresta são os maiores responsáveis pela proteção de recursos naturais fundamentais para a sobrevivência no planeta.
Foto: Indígenas nomeiam o prédio do Ministério em meio a protesto contra o marco temporal em Brasília. (Arayara.org – Junho 2023)