Cerca de 3 mil internações por dia — essa é a média de hospitalizações no SUS de pessoas com doenças como pneumonia, diabetes e hipertensão. Segundo levantamento da Agência Pública, essas enfermidades levaram a mais de 1 milhão de internações na rede pública de saúde brasileira apenas em 2019, número que coloca milhares de brasileiros na faixa com maior risco para a infecção por coronavírus. E não se trata apenas de idosos: a maioria dessas hospitalizações (59%) envolveu pessoas com menos de 60 anos.
Além das internações, a reportagem contabilizou 83 mil mortes por essas condições no país em 2019 — cerca de 230 por dia. Para chegar a esses dados, a Pública levantou todas as internações e óbitos hospitalares em 2019 cuja causa principal foi tuberculose respiratória, pneumonia, asma, diabetes, obesidade, hipertensão e insuficiência renal.
O número total de brasileiros que estão no grupo de risco para o coronavírus na realidade é ainda maior, já que inclui também pessoas que foram atendidas em hospitais particulares e milhares de brasileiros que possuem doenças crônicas mal tratadas e não passaram pelos serviços de saúde.
Pneumonia causa 635 mil internações em um ano e mata 160 por dia
Pneumonias são a causa de internação mais comum no SUS dentre as condições que aumentam os riscos para infecções pelo coronavírus. Em 2019, foram mais de 635 mil hospitalizações no Brasil de pessoas com pneumonia — uma média de 1,7 mil por dia.
A quantidade de mortes também é alta: mais de 60 mil pessoas morreram no país por pneumonia apenas no ano passado, uma média de 160 mortes a cada dia. O número é quase 50% maior que a quantidade de pessoas que foram assassinadas no Brasil em 2019.
Como explica o professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF), Aluísio da Silva Junior, a infecção pelo coronavírus é muito agressiva aos pulmões, diminuindo sua capacidade respiratória. Doenças em que as vias aéreas inferiores já são prejudicadas, como a pneumonia, agravam o quadro de Covid-19 por possibilitar uma “sobreposição de problemas” e uma sobrecarga da resposta imune.
“Imagina se você já tem essa agressividade natural do vírus e ainda tem uma predisposição, então alguém com asma, alguém com bronquite, alguém com uma doença crônica pulmonar devido a fumar, uma enfisema, essas pessoas também vão sofrer muito mais”, comenta o professor.
A asma, doença pulmonar crônica, levou a 79 mil internações em 2019 no SUS. O número de óbitos, contudo, é baixo: foram 442 no ano, a maior parte de idosos.
Tuberculose reflete desigualdade: periferia e presos são os que mais sofrem
Segundo o professor Vandack de Nobre Júnior, do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a alta prevalência da tuberculose em países mais desiguais é um reflexo das condições sociais e econômicas.
“A OMS publicou recentemente um guia de orientações para a necessidade dos países terem muita atenção e manterem os programas de cuidados básicos com essas condições de saúde e prevenção de doenças como tuberculose, a questão dos programas de vacinação e o próprio pré-natal, porque o receio é que o descuido em relação a essas condições ‘abra o terreno’ para a entrada da Covid-19 de uma maneira mais forte e você acabar tendo também um excesso de mortes ou de agravos a essas doenças”, comenta.
Diabetes e insuficiência renal levam a 20 mil mortes no ano
Após pneumonias, complicações causadas por diabetes foram a segunda maior causa de internação no SUS em 2019 dentre as doenças que aumentam risco para a Covid-19. Segundo dados do DataSUS, foram mais de 135 mil internações por diabetes em 2019, levando a 5,7 mil mortes. Já insuficiências renais — que podem estar relacionadas à diabetes — levaram a 121 mil internações e um número de 15 mil óbitos.
A Sociedade Brasileira de Diabetes alertou que as pessoas com maiores chances de terem quadros graves por associação da Covid-19 com a diabetes são as “com longa história de diabetes, mau controle metabólico, presença de complicações e doenças concomitantes e especialmente os idosos”. Segundo a entidade, o risco de complicações para pessoas com diabetes bem controlado é menor. A recomendação é monitorar frequentemente a glicemia e ajustar medicações e insulinas apenas com orientação médica.
Hipertensão atinge um a cada quatro brasileiros que vivem nas capitais
Outras duas situações que podem estar correlacionadas — a hipertensão e a obesidade — causaram juntas mais de 88 mil internações no SUS em 2019. Esse número representa mais de 243 hospitalizações por dia.
Segundo relatório divulgado pelo Ministério da Saúde, dentre as mortes confirmadas no Brasil por Covid-19, quase metade apresentava alguma doença cardiovascular, como a hipertensão. De acordo com pesquisa do Ministério, cerca de um a cada quatro brasileiros que vive em capitais possui hipertensão e a doença é mais frequente entre brasileiros com menor escolaridade.
A Sociedade Brasileira de Hipertensão chegou a divulgar nota em resposta ao pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro de 24 de março que criticou medidas de isolamento tomadas pelos governadores. No texto, a entidade reforçou que as medidas deveriam ser mantidas e que “os países que demoraram em tomar essas medidas têm sofrido maior número de casos e fatalidades”.
Doenças comuns em brasileiros colocam adultos e jovens no grupo de risco
De acordo com o Ministério da Saúde, a maior parte das mortes por Covid-19 envolveu pessoas com doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias crônicas, hipertensão e pacientes com câncer com a imunidade reduzida. Apesar da maioria se concentrar em idosos, essas comorbidades colocam adultos, jovens e mesmo crianças no grupo de risco para infecções pelo coronavírus, que podem levar a mortes ou a quadros graves da doença, necessitando internações.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos alerta também o risco para obesos (com IMC acima de 40), quem tem doenças crônicas nos rins ou passa por diálise, pacientes com doenças no fígado e pessoas com outras condições que debilitam o sistema imunológico, como transplantes recentes de medula, AIDS ou que fazem uso prolongado de corticóides. O CDC ainda acrescenta que há discussão sobre o risco para grávidas e mulheres no pós-parto.
Como explica o professor da UFF, Aluísio da Silva Junior, as doenças consideradas fatores de risco para complicações nos casos de infecção pelo coronavírus tem algumas características comuns. “Todas essas doenças têm como componente comum a baixa de imunidade das pessoas e a dificuldade de resposta [imune] do organismo à agressões”, aponta.
Fatores sociais, como falta de saneamento, condições precárias de moradia e mesmo desigualdade de renda são considerados um agravante indireto nos caso de infecções pela Covid-19, como explica o professor adjunto da UFF, André Ricardo da Silva. “Pode ocorrer infecção [de pessoas] fora do grupo de risco, mas se ela mora com outras que apresentam um desses fatores [de risco], há mais chances delas se infectarem e o quadro evoluir para algo mais grave”. Ele também aponta que condições como desnutrição e falta de saneamento básico, mais comuns em populações vulneráveis, contribuem para uma saúde mais debilitada e, consequentemente, suscetível à complicações em uma infecção pelo coronavírus.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Ghebreyesus, chama a atenção para o fato de que menores de 60 anos, além de serem os principais transmissores do coronavírus, não estão imunes a desenvolverem quadros graves da doença ou mesmo à morte. “Esta é uma doença séria. Embora as evidências sugiram que aqueles com mais de 60 anos correm maior risco, jovens, incluindo crianças, morreram”, afirmou.
Por Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil
Depois de passar cinco anos aplicando o glifosato em sua pequena lavoura de café, o agricultor Sebastião Bernardo da Silva desenvolveu um quadro de epilepsia e esquizofrenia que, segundo perícias feitas por um neurocirurgião, foi consequência à exposição ao agrotóxico. Com laudos médicos atestando que suas doenças eram sequelas da intoxicação, o pequeno agricultor obteve uma rara conquista judicial contra a gigante Monsanto em 2009. Mas sua vitória durou pouco. A empresa recorreu e ganhou em segunda e em terceira instância com argumento de que o caso estava prescrito.
Hoje, aos 68 anos de idade, Sebastião mora em Vitória, capital do Espírito Santo, longe das terras que cultivou durante quatro décadas. Aposentado e sofrendo com um delicado quadro de saúde, ele manda um recado para outros produtores que seguem aplicando o glifosato: “Não usaria de novo nem que me pagassem. Quando não mata a pessoa na hora, ele mata aos poucos”, afirma.
Tudo começou em 1992, quando ele buscava melhorar o resultado da plantação de café do seu sítio, de cerca de três alqueires de terra em Boa Esperança. Foi quando começou a usar o herbicida Round Up, produto da multinacional Bayer/Monsanto que tem como base o glifosato. De fato, o produto melhorou a produtividade da lavoura, mas aos poucos derrubou a saúde do agricultor.
Em 1997 veio o primeiro baque. “Estava um dia na roça e comecei a me sentir mal. A cabeça doía muito. Desmaiei, fiquei inconsciente e minha esposa me levou ao médico”, relembra Sebastião.
Ele passou 12 dias internado em um hospital em Vitória até receber o primeiro diagnóstico: esquizofrenia e epilepsia. Teria que deixar a fazenda e mudar-se para a capital para iniciar o tratamento. “Fiquei desesperado, toda renda da minha família vinha da roça”, conta.
O diagnóstico chegou cinco anos após ter ele contato com o herbicida da Monsanto pela primeira vez. Desde então, a saúde só piorou: depressão, pressão alta, diabetes, glaucoma, artrose e alterações no sistema nervoso estiveram entre os diagnósticos. “Foram idas e vindas ao hospital, vários médico e psiquiatras, e tudo só piorava. Os médicos disseram que era consequência do contato com agrotóxicos”, diz.
Sebastião, que é casado e tem quatro filhos, diz ter mais de 50 laudos médicos que apontam a intoxicação por Round Up.
Dois meses depois, outro laudo do mesmo médico atesta um “quadro de epilepsia temporal e distúrbio do comportamento que o impede (o agricultor) de exercer atividades de profissão e de negócios temporariamente”.
Em laudo de três anos depois, em 2000, Tannure escreve que os quadros de esquizofrenia e epilepsia temporal tornavam Sebastião incapaz em caráter permanente. Em 2002, mais um laudo do neurocirurgião atesta que o agricultor estava há cinco anos em tratamento neurológico e o encaminha para a psiquiatra “por apresentar invalidez permanente por acidente de trabalho, ocorrido pelo manuseio de agrotóxico do tipo Roundup, aplicado na sua lavoura para eliminação de ervas daninhas, o que lhe causou sequelas físicas e mentais”.
Outro exame, feito em 2008, ainda encontrou resíduos do agrotóxico no sangue de Sebastião, 11 anos após ele parar de utilizar o herbicida.
“Decidi guardar todos os remédios que eu tomava, já são mais de 100 mil comprimidos”, conta. Ele apresenta o saco onde guarda as embalagens, com mais de um metro de altura, como prova das consequências dos agrotóxicos em sua vida. Entre os medicamentos encontram-se o Rivotril (antidepressivo e ansiolítico), o Lodipil (hipertensão), Pamelor (antidepressivo) e o Tegretol (epilepsia e dor neuropática).
A conta das doenças
Após o primeiro diagnóstico, em 1997, Sebastião deixou a família no interior e foi morar com uma tia em Vitória. “Nunca mais voltei para a roça”, lamenta. Meses depois ele vendeu o sítio e toda família se mudou para a capital.
Apenas em 2000 Sebastião conseguiu aposentar por invalidez. Hoje, recebe um salário mínimo, mas gasta quase a metade, cerca de R$ 450, apenas com medicamentos. “Tomo remédios para diminuir as dores que sinto. Tenho insônia, então preciso de comprimidos para dormir. Além do medicamento para diabete e os problemas na cabeça”, diz.
A filha do aposentado, Suelly da Silva, acompanha de perto a luta do pai. “Desde a primeira ida ao hospital, lá em 97, o médico disse que as doenças eram consequências do agrotóxico que ele mexeu. E aí vem aparecendo problemas novos, agora os dedos do pé dele não estão movimentando mais”, conta.
Em 2005, Sebastião ajuizou ação de indenização de responsabilidade civil por dano material e moral contra a Monsanto, sob o argumento de que o manuseio do herbicida Roundup em sua lavoura foi a causa de uma série de problemas de saúde, que culminou com a concessão de aposentadoria por invalidez. “Demorei muito para me recuperar a ponto de pensar no processo”, explica ele.
A decisão saiu quatro anos depois. O juiz Abgar Torres Paraíso, da 11ª Vara Especializado em Defesa do Consumidor julgou parcialmente procedente a denúncia e condenou a Monsanto a pagar ao agricultor R$ 250 mil como indenização por danos morais, uma pensão mensal e vitalícia no mesmo valor pago pela Previdência Social, além de um valor mensal de R$ 139,49 cobrado de novembro de 1997 até a data da decisão, em 2009, totalizando cerca de R$ 23 mil.
O valor da da indenização foi baseado na multa mais alta aplicada pelo STJ até então, no valor de R$ 360 mil em um caso onde a vítima havia ficado em estado vegetativo por erro um erro médico. Com base nesse valor, o juiz estipulou o valor indenizatório para o agricultor que ficou com incapacidade total.
A empresa recorreu a decisão. Na segunda instância, além de argumentar que as provas apresentadas demonstram “de forma inequívoca a inexistência” o nexo causal entre as doenças e o agrotóxico, a defesa apelou pelo prazo de prescrição para a denúncia. De acordo com o artigo Art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, o pedido de reparação pelos danos causados por um produto prescreve em cinco anos, sendo que a contagem passa a valer no momento em que o dano é conhecido.
A defesa de Sebastião alega que o prazo de conhecimento do dano deveria ser contado a partir de 23 de fevereiro de 2002, data em que o neurocirurgião Fred Tannure emitiu laudo definitivo acerca de sua invalidez permanente.
O Tribunal capixaba avaliou o que o prazo prescricional iniciou-se quando Sebastião passou a sofrer com os problemas de saúde. “O apelado tinha ciência inequívoca de seus problemas de saúde desde o ano de 1997, quando foi internado com suposto quadro de intoxicação aguda por agrotóxicos, apresentando crise convulsiva e distúrbio mental, como se extrai dos atestados médicos juntados aos autos, inclusive do laudo datado de 23.02.2002, circunstância que, segundo o próprio apelado, o levou a abandonar, naquele mesmo ano (1997), o trabalho rural”, diz a decisão.
Sebastião, então, recorreu e, em 2015, o relator da ação no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, votou contra o agricultor, seguindo o entendimento do Tribunal do Espírito Santo. “Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos”, afirmou na decisão. Os ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o relator, e por unanimidade a seção decidiu por arquivar o processo.
Sebastião lamenta: “Receber a indenização me ajudaria a pagar o tratamento de remédios que estou tomando. Queria que algum advogado pudesse me ajudar”.
Líder de vendas e de processos
O glifosato, nome do ingrediente ativo do Round Up, é o agrotóxico mais usado no país. Apenas em 2018, foram vendidos 195 mil toneladas, segundo o Ibama.
Existem hoje 123 produtos formulados à base do glifosato. Eles são usados para o controle de mais de 150 plantas infestantes em variados cultivos – de soja e café até feijão, maçã e uva.
Em 2016, a empresa alemã Bayer adquiriu a americana Monsanto pelo valor de US$ 63 bilhões. Desde então, a empresa é a líder mundial no mercado de sementes, fertilizantes e agrotóxicos.
A gigante do mercado de pesticidas enfrenta uma série de ações contra o glifosato: cerca de 20 mil processos apenas nos Estados Unidos. Em agosto de 2018, foi condenada a pagar US$ 289 milhões ao jardineiro Dewayne Joshson, que enfrenta um linfoma desenvolvido por utilizar o herbicida. Em março do ano, também foi condenada a pagar R$ 80 milhões de indenização ao aposentado Edwin Hardeman, que enfrenta um linfoma não-Hodgkin, um tipo de câncer que tem origem nas células do sistema linfático, por ter mantido contato com o Round Up por 20 anos.
No Brasil, são raros oscasos em que um trabalhador que aplica o agrotóxico consegue receber os danos da empresa que o fabricou , conta a pesquisadora Ranielle Caroline de Sousa. Doutora pela Universidade de Brasília, ela fez um extenso levantamento sobre o assunto e encontrou apenas um caso como o de Sebastião, em que o trabalhador ganhou ao responsabilizar a fabricante de agrotóxicos. Mas, no único caso em que a empresa foi condenada sem opção de recorrer, a vítima era o piloto do avião que pulverizava o pesticida.
Ela explica que a maior dificuldade nesses processos é demonstrar o nexo causal. “O caso do Sebastião é importante justamente porque ele conseguiu demonstrar que as doenças e incapacidades que ele desenvolveu foram consequência da relação direta com o Round Up”, afirma.
A Agência Pública e a Repórter Brasil questionaram a Bayer/Monsanto sobre o caso e processo do agricultor Sebastião Bernardo da Silva. A empresa respondeu, por nota, que “a ação transitou em julgado e não ficou comprovado nenhum nexo causal entre o uso do glifosato e as doenças alegadas pelo demandante”.
“As soluções à base de glifosato têm sido utilizadas com segurança e sucesso no Brasil e, globalmente, há mais de 40 anos. Há um robusto número de pesquisas sobre herbicidas à base de glifosato, composto por mais de 800 estudos, e um extenso consenso científico partilhado pelos principais órgãos reguladores em todo o mundo, de que o glifosato é um produto seguro, sempre que observadas as orientações de bula”, informa o texto.
Cientistas e organizações discordam desse argumento da empresa. Em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc) da Organização Mundial de Saúde (OMS), que em 2015 concluiu que o glifosato é “provavelmente cancerígeno” para humanos. Outro estudo, agora de 2017, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) mostrou que o uso de glifosato provoca alterações no DNA, resultando em doenças crônicas como diabetes, doenças neurológicas, alzheimer, esclerose lateral amiotrófica (ALS) e doença de Parkinson.
“Quando o glifosato é considerado provável cancerígeno, temos uma afirmação relacionando ele a doenças crônicas, que passam também por alterações hormonais e produção de um conjunto de efeitos que podem contribuir com essa quantidade de doenças”, conta Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), referindo-se às condições de Sebastião. “Infelizmente, não há programas voltados à saúde do trabalhador que acompanhem o agricultor e façam mensurações dos efeitos a longo prazo dos produtos, o que faria você ter um conjunto de provas”, explica.
Segundo Luiz Cláudio, que já atuou como gerente-geral de toxicidade da Anvisa, quando a ciência aponta que o produto é perigoso para à saúde, o regulador tem que tomar uma atitude da mesma proporção, agir preventivamente, retirando o produto do mercado. “Mas as agências reguladoras, tanto do Brasil, quando da Europa e dos Estados Unidos, são vinculadas ao setor econômico, e chegam a conclusão de que o parecer da OMS dizendo que o produto é cancerígeno não é válido”, explica.
Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.
A natureza está nos enviando uma mensagem com a pandemia de coronavírus e a atual crise climática, de acordo com o Chefe de Meio Ambiente da ONU, Inger Andersen.
Andersen disse que a humanidade está pressionando demais o mundo natural com consequências prejudiciais, e alertou que não cuidar do planeta significa não cuidar de nós mesmos.
Os principais cientistas também disseram que o surto de Covid-19 foi um “tiro de alerta claro”, dado que existiam muito mais doenças mortais na vida selvagem e que a civilização de hoje estava “brincando com fogo”. Eles disseram que era quase sempre o comportamento humano que fazia as doenças se espalharem para os seres humanos.
Para evitar novos surtos, disseram os especialistas, o aquecimento global e a destruição do mundo natural para a agricultura, mineração e habitação precisam terminar, pois ambos levam a vida selvagem a entrar em contato com as pessoas.
Eles também pediram às autoridades que pusessem fim aos mercados de animais vivos – que eles chamavam de “tigela ideal” para doenças – e ao comércio ilegal mundial de animais.
Andersen, Diretor Executivo do Programa Ambiental da ONU, disse que a prioridade imediata é proteger as pessoas contra o coronavírus e impedir sua propagação. “Mas nossa resposta a longo prazo deve enfrentar a perda de habitat e biodiversidade”, acrescentou.
“Nunca houve tantas oportunidades para os patógenos passarem de animais selvagens e domésticos para as pessoas”, disse ela ao Guardian, explicando que 75% de todas as doenças infecciosas emergentes vêm da vida selvagem.
“Nossa erosão contínua de espaços selvagens nos trouxe desconfortavelmente perto de animais e plantas que abrigam doenças que podem saltar para os seres humanos.”
Ela também observou outros impactos ambientais, como os incêndios florestais australianos, recordes de calor quebrados e a pior invasão de gafanhotos no Quênia por 70 anos. “No final do dia, com todos esses eventos, a natureza está nos enviando uma mensagem”, disse Anderson.
“Existem muitas pressões ao mesmo tempo em nossos sistemas naturais e algo precisa dar”, acrescentou. “Estamos intimamente interconectados com a natureza, gostemos ou não. Se não cuidamos da natureza, não podemos cuidar de nós mesmos. E, à medida que avançamos em direção a uma população de 10 bilhões de pessoas neste planeta, precisamos entrar nesse futuro armados com a natureza como nosso aliado mais forte. ”
Os surtos de doenças infecciosas humanas estão aumentando e, nos últimos anos, houve o Ebola, a gripe aviária, a síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers), a febre do Rift Valley, a síndrome respiratória aguda grave (Sars), o vírus do Nilo Ocidental e o vírus do zika, todos passam de animais para humanos.
“O surgimento e a disseminação do Covid-19 não eram apenas previsíveis, foi previsto [no sentido de] que haveria outro surgimento viral da vida selvagem que seria uma ameaça à saúde pública”, disse o professor Andrew Cunningham, da Zoological Society of Londres. Um estudo de 2007 do surto de Sars em 2002-03 concluiu: “A presença de um grande reservatório de vírus do tipo Sars-CoV em morcegos-ferradura, juntamente com a cultura de comer mamíferos exóticos no sul da China, é uma bomba no tempo”.
Cunningham disse que outras doenças da vida selvagem têm taxas de mortalidade muito mais altas, como 50% no Ebola e 60% -75% no vírus Nipah, transmitidas por morcegos no sul da Ásia. “Embora você não pense no momento, provavelmente tivemos um pouco de sorte com o [Covid-19]”, disse ele. “Então, acho que devemos considerar isso como uma clara advertência. É um lançamento dos dados. “
“É quase sempre um comportamento humano que causa isso e haverá mais no futuro, a menos que mudemos”, disse Cunningham. Mercados que abatem animais selvagens vivos de longe são o exemplo mais óbvio, disse ele. Acredita-se que um mercado na China tenha sido a fonte do Covid-19.
“Os animais foram transportados por grandes distâncias e são amontoados em gaiolas. Eles estão estressados, imunossuprimidos e excretando quaisquer patógenos que eles têm neles ”, disse ele. “Com pessoas em grande número no mercado e em contato íntimo com os fluidos corporais desses animais, você tem uma tigela ideal para o surgimento de [doenças]. Se você queria um cenário para maximizar as chances de [transmissão], não conseguia pensar em uma maneira muito melhor de fazê-lo. “
A China proibiu esses mercados e Cunningham disse que isso deve ser permanente. “No entanto, isso precisa ser feito globalmente. Existem mercados úmidos em grande parte da África Subsaariana e em muitos outros países asiáticos também. ” A facilidade de viajar no mundo moderno exacerba os perigos, disse ele, acrescentando: “Atualmente, você pode estar em uma floresta tropical da África Central um dia e no centro de Londres no dia seguinte”.
Aaron Bernstein, da Escola de Saúde Pública de Harvard, nos EUA, disse que a destruição de lugares naturais leva a vida selvagem a se aproximar das pessoas e que a mudança climática também está forçando os animais a se moverem: “Isso cria uma oportunidade para os patógenos entrarem em novos hospedeiros. ”
“Tivemos Sars, Mers, Covid-19, HIV. Precisamos ver o que a natureza está tentando nos dizer aqui. Precisamos reconhecer que estamos brincando com fogo “, disse ele.
“A separação entre políticas de saúde e meio ambiente é uma ilusão perigosa. Nossa saúde depende inteiramente do clima e de outros organismos com os quais compartilhamos o planeta. ”
O comércio ilegal de bilhões de dólares em animais silvestres é outra parte do problema, disse John Scanlon, ex-secretário geral da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens.
“Os países importadores devem criar uma nova obrigação legal, apoiada por sanções criminais, para que um importador de animais selvagens prove que foi obtido legalmente de acordo com as leis nacionais do país de origem”, afirmou. “Se pudermos combinar uma linha dura contra criminosos transnacionais organizados da vida selvagem, além de abrir novas oportunidades para as comunidades locais, veremos a biodiversidade, os ecossistemas e as comunidades prosperarem”.
A pandemia do novo coronavírus que
tem matado milhares de pessoas em todo o mundo e deixado em quarentena mais de
1 bilhão de pessoas em todos os continentes não é o único grande problema a ser
enfrentado no sul do Brasil. A seca que já dura meses (e não tem previsão de
acabar) está se agravando e deixa um rastro de estragos na economia.
Consequência do recrudescimento das mudanças climáticas, a
seca tem se acentuado nos três estados do sul do Brasil. Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná vem enfrentando, desde agosto de 2019 um período de
falta de chuva. A espera por uma mudança de cenário parece em vão: quando chove
é pouco e não ajuda a mudar o cenário. E pior: as previsões para abril e maio
estão longe de serem promissoras.
O atual período de seca é um dos mais
rigorosos dos últimos anos. Fotos das Cataratas do Iguaçu mostram a dimensão da
seca:
Nas Cataratas do Iguaçu, a vazão chegou a apenas 288 metros cúbicos às 8h do dia 31 de março. Ou seja, cinco vezes menos que a vazão normal, que fica perto de 1,5 mil metros cúbicos por segundo. Os dados são da Copel.
No Rio Grande do Sul, 229 municípios que decretaram situação de emergência. As perdas na agricultura estão aumentando mês a mês. Na agricultura, a Emater estima perdas de cerca de 20% da produção de frutas como uva, pêssego, maçã e figo. Na safra de milho o número aumenta para 35% e na de soja para 33% de perda.
Em situação econômica grave, o
Estado do Rio Grande do Sul vem parcelando salários dos funcionários públicos há
mais de 5 anos. Com a pandemia e as perdas econômicas decorrentes da falta de
chuva, o cenário de caos tende a piorar.
Em março, no RS, a chuva foi de apenas 28 mm, ou seja, um quarto da média histórica.
Já em Santa Catarina, algumas regiões estão com a média de chuva está 550 mm abaixo da média histórica. Produção de leite, feijão e milhão sentem os impactos. Na pecuária acontece o mesmo.
Mudanças climáticas
Em comentário feito no programa Em Pauta, da Globo News, edição de 1 de abril de 2020, o jornalista Jorge Pontual alertou para outro enorme desafio que o mundo terá de enfrentar logo após o novo coronavírus: as mudanças climáticas.
Para Eduardo Assad, pesquisador da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a seca prolongada no Rio Grande
do Sul está diretamente ligada ao aquecimento global. Como Assad, muitos
cientistas acreditam origem da estiagem pode estar nas mudanças climáticas.
Juliano Bueno, diretor do Instituto Internacional Arayara e da 350.org faz um alerta. “Alguns líderes mundiais tentam negar as mudanças climáticas. Isso é tão grave quanto negar o novo coronavírus. A indústria fóssil é a principal causadora e aceleradora das mudanças climáticas. Cabe aos líderes mundiais impor um freio a essa indústria sob pena de ter milhões e milhões de pessoas como vítimas da sua inação. E isso é agora, é já. Não temos mais tempo a perder.”
Quando vamos abrir os olhos para esse problema que pode dizimar a vida no planeta Terra?
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos de portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), na parte que estabelece prazos para a aprovação tácita de agrotóxicos, dispensando-se a análise pelos órgãos competentes. A Portaria 43/2020 entraria em vigor nesta quarta-feira (1º). O ministro deferiu liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 656, ajuizada pelo partido Rede Sustentatibidade, tendo em vista a urgência do pedido. Em sua decisão, o ministro Lewandowski destaca o perigo de grave lesão à saúde pública que a liberação indiscriminada de agrotóxicos pode causar, situação que se potencializa ainda mais em razão da atual pandemia de Covid-19.
Urgência
A ADPF está em análise pelo Plenário do STF, em sessão virtual. No último dia 20, diante da plausibilidade jurídica dos argumentos apresentados pela Rede, o relator submeteu a julgamento o pedido de medida liminar, concedendo-o em seu voto. Foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Mas, no dia 26, o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista do processo e a análise foi interrompida. O relator tem a prerrogativa de conceder a liminar monocraticamente, até que a análise da ação seja concluída.
Pandemia
Segundo Lewandowski, não é possível admitir-se a liberação tácita de agrotóxicos sem uma análise aprofundada de cada caso por parte das autoridades de vigilância ambiental e sanitária. “Placitar uma liberação indiscriminada, tal como se pretende por meio da Portaria impugnada, a meu ver, contribuiria para aumentar ainda mais o caos que se instaurou em nosso sistema público de saúde, já altamente sobrecarregado com a pandemia que grassa sem controle”, afirmou. O relator classificou de “alarmantes” as conclusões de pesquisas científicas recentes relacionadas ao uso de agrotóxicos no Brasil. Os dados apontam que, entre 2007 e 2014, os casos notificados no Ministério da Saúde contabilizaram mais de 25 mil intoxicações por agrotóxicos, o que representa uma média de 3.215 por ano ou oito intoxicações diárias.
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