Em um momento crucial para a agenda oceânica global na COP30, o ARAYARA Amazon Climate Hub sediou, no dia 15 de novembro, o evento “Diálogos em Oceanos, Clima e Gênero no Caminho para a Ação Climática”. Organizada pela Liga das Mulheres pelo Oceano, a atividade não só aprofundou os desafios da crise climática nas zonas costeiras, como lançou um mapeamento inédito de 52 iniciativas brasileiras que unem as três pautas.
O debate, mediado por integrantes da Liga e com representação de movimentos sociais, filantropia e governo, celebrou a resistência feminina e apontou a necessidade urgente de financiamento e reconhecimento para as mulheres que protegem a costa e os mangues do Brasil.
Marisqueiras: A Luta pelo Reconhecimento em Meio à Ameaça
A invisibilidade das comunidades tradicionais e o avanço de megaprojetos foram o foco dos relatos das lideranças. Maria Luciene, da organização Guerreira das Águas (CE), lamentou a luta constante pelo reconhecimento de seu povo.
“A gente luta pelo reconhecimento nas nossas terras. Sou marisqueira, filha de pescadores, somos esquecidos no nosso território, somos colocados de lado,” disse.
Ela narrou a luta contra os empreendimentos de energia eólica offshore: “Lutamos contra as eólicas, porque tiram a nossa vivência. Vamos perder nosso meio de vida, cultura e meio ambiente para grandes empreendimentos. Vai ser muita destruição.” A iniciativa Guerreira das Águas, apoiada pelo Fundo Casa, produziu um documentário justamente para “mostrar que as marisqueiras existem” e resistem.
Luana Castelo, da Terra Azul, reforçou a denúncia com o lema: “Ceará não é zona de sacrifício.” Ela citou a ameaça do projeto de eólicas offshore previsto para 2026, além de data centers em Terras Indígenas sem consulta. Luana destacou que os projetos de resistência são construídos junto com as mulheres que têm a vivência da ameaça e que os saberes tradicionais são a chave para as soluções.
O risco é ainda maior para o futuro da cultura local: “Nos territórios costeiros, as famílias de pesca artesanal, os pescadores não querem mais que seus filhos sejam pescadores, então tem risco dessa profissão e essa vivência tradicional deixar de existir.”
Cuidado e Economia: O Papel da Mulher na Resiliência
Bruna Melo, da Rare Brasil, compartilhou a experiência do Clube de Poupança Comunitária, uma metodologia que introduziu a cultura de poupar entre mulheres, pensando em cenários de incerteza e emergência climática.
Mais do que economia, os encontros geraram espaços de acolhimento e afeto, fundamentais para lidar com a sobrecarga feminina.
“Ao mesmo tempo que a mulher cuida, ela precisa ser cuidada, e as mulheres encontraram esse cuidado, afeto e acolhimento nesse espaço,” disse Bruna.
O sucesso da iniciativa levou à criação da Rede Mães do Mangue, mostrando a força da união dessas lideranças femininas para ocupar espaços de tomada de decisão em suas comunidades.
Filantropia e Estado: O Elo Necessário
O debate buscou conectar as iniciativas comunitárias à esfera pública e ao financiamento.
Adayse Bossolani, do Ministério da Pesca, destacou o papel fundamental do Estado em reconhecer essas vozes:
“Se não houver esse reconhecimento pelo Estado, realmente, essas pessoas não existem.”
Ela ressaltou que a criação de políticas públicas estruturantes que se mantenham independentemente da gestão do momento só é possível com participação social. Adayse celebrou a recuperação do Ministério da Pesca e a criação da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal como vitórias dos movimentos sociais.
Claudia Gibeli, do Fundo Casa (que completou 20 anos de atuação), abordou o papel da filantropia internacional. Ela alertou que é o fortalecimento da sociedade civil que garante a resistência às dinâmicas de alternância de governos no Sul Global. O Fundo Casa atua fazendo a ponte entre os recursos internacionais e as soluções locais, como nos projetos com as Reservas Extrativistas (Resex) costeiras no Pará.
“A maior parte dos grupos e projetos têm como liderança mulheres”, destacou Claudia, explicando que o trabalho de capacitação inclui a tradução do conceito de “mudança climática” para a realidade dos territórios, reforçando a importância de fazer a ponte entre os saberes tradicionais e o discurso científico.
Foto: Odaraê Filmes











