+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Uma PBio pública pela transição energética justa

Cinco dias antes do início da COP 29 (29a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – CQNUMC/ UNFCCC), a Diretoria Executiva da Petrobrás aprovou uma medida esperada há anos: a Petrobrás Biocombustível S.A. (PBio) não será vendida tão cedo. A decisão atende ao pleito de trabalhadores do setor de energia que se mobilizam nas últimas décadas em defesa da PBio.

Artigo de Opinião

Por Renata de Loyola Prata – advogada, assistente da Diretoria Executiva da ARAYARA

 

A PBio foi fundada em 2008 como subsidiária integral da Petrobrás e, desde então, houve sucessivas iniciativas de minguar a empresa, sempre resistidas pelos trabalhadores da PBio e petroleiros. Os trabalhadores da subsidiária, assim como da Transpetro, se organizam nos Sindipetros, tendo em vista que a atividade econômica preponderante da empresa matriz é a exploração, produção, refino e transporte de petróleo e gás. Em 2021, houve uma greve nacional contra a privatização da PBio, chegando à adesão, na Bahia, de 100% dos trabalhadores da usina. A Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) ingressou com uma ação popular contra a tentativa de privatização. Além disso, o Sindipetro/MG, Sindipetro/BA, Sindipetro CE/PI, em convergência, propuseram uma ação civil pública. No bojo dessa ação judicial, o Ministério Público Federal apresentou parecer favorável à suspensão do processo de concessão.

Atualmente, a PBio é proprietária de três usinas de biodiesel: duas em funcionamento localizadas na Bahia e em Minas Gerais e uma hibernada no Ceará. Segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), a subsidiária foi pioneira no desenvolvimento de tecnologias e da produção de biodiesel no Brasil, atingindo a colocação de maior produtora de biodiesel no país, também atuando na produção de etanol.  Entretanto, em 2023, a subsidiária produziu o menor resultado em toda sua história: apenas 91 mil m³ de biodiesel. 

De acordo com a cartilha apresentada na COP 27, desenvolvida pelo Instituto Internacional ARAYARA, Sindipetro-RJ entre outras organizações de ensino e pesquisa e da sociedade civil, a empresa de economia mista é uma das melhores apostas para o Estado brasileiro de fato promover uma transição energética justa no país, mesmo após sua abertura para o investimento privado nos anos noventa, e o início dos leilões, possibilitando a venda de blocos de petróleo e gás para empresas privadas explorarem. Embora longe do cenário ideal, a empresa ainda é controlada pela União e, no início deste ano, o Estado detinha diretamente mais 50,26% de suas ações ordinárias.

A emergência climática é assunto de caráter público e coletivo, tendo em vista que gera danos para toda a população e perpetua injustiças sociais, raciais e de gênero. A necessidade de abandonar o petróleo, gás e carvão e zerar o desmatamento, como premissas para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, impõe tarefas transversais, coordenadas, robustas e que, necessariamente, reduzirão a margem de lucro do setor de combustíveis fósseis e da agropecuária insustentável e irresponsável. Inclusive, após anos de letargia desde o Rio 92, finalmente na COP do ano passado, constou no acordo aprovado no final da conferência, pela primeira vez na história da CQNUMC/ UNFCCC, que é necessária a “transição em direção ao fim dos combustíveis fósseis”. Devido a sua natureza, essas tarefas dificilmente serão orquestradas por outro ator senão o Estado imbuído de participação popular sobretudo de comunidades já afetadas pelo caos climático e poluição gerada por esses setores.

Por isso, a reversão de privatizações no setor elétrico é mais comum mundo afora. Em junho do ano passado, a França concluiu a reestatização da Électricité de France (EDF), geradora de energia. Desde o ano 2000, a Alemanha reestatizou 284 empresas do setor de energia, a Austrália 13, a Holanda 6, a Espanha 19, o Reino Unido 15 e os Estados Unidos 11. Nesse sentido, a luta dos trabalhadores da PBio e petroleiros continua, tendo em vista que o horizonte é mais ambicioso do que retirar a subsidiária do rol de privatizações. A demanda é para que os empregados da PBio sejam incorporados ao Sistema Petrobrás, havendo um plano de cargos único e firmando acordos coletivos unitários, assim valorizando os trabalhadores e fortalecendo a atividade.

Medidas como essa, que trazem maior potência à PBio contribuem para que o país aprimore sua estrutura institucional na mitigação climática. A nova NDC (Contribição Nacionalmente Determinada) que a delegação brasileira apresentou na COP hoje em curso, está longe de prever todas as medidas que de fato nos afastem do precipício climático e social. Entretanto, o destaque que o Brasil dotou aos biocombustíveis é um importante passo e precisa ser materializado em uma agenda de fortalecimento da PBio, dando continuidade às boas novas sobre a subsidiária. Essa tarefa, evidentemente, deve ser trilhada com salvaguardas, compreendendo que a indústria de biocombustíveis deve ser fortalecida para a mitigação climática e justiça ambiental.

Nesse sentido, conforme idealizado desde seu início, o Programa Nacional de Biodiesel, a produção de biocombustíveis deve ser integrada à agricultura familiar, priorizando pequenos fornecedores locais produtores de óleos (mamona, macaúba, caroço de algodão, entre outras), evitando monoculturas, gerando emprego e renda, fortalecendo uma cadeia de suprimentos sustentável e estimulando uma economia regenerativa. Aliado a isso, deve haver um firme compromisso da Petrobrás para afastar definitivamente de sua política a possibilidade de privatizar a PBio e que a subsidiária, bem como a Petrobrás sejam 100% estatais.

As soluções para a mitigação climática devem ser articuladas com ampla participação de comunidades atingidas e das categorias laborais mais próximas aos setores geradores de gases de efeito estufa. Essa troca mútua historicamente rendeu bons frutos, conforme argumenta Stefania Barca em “Workers of the Earth: Labour, Ecology and Reproduction in the Age of Climate Change” (2024). Recentemente no Brasil, experiências como as mobilizações contra os leilões de petróleo e gás da oferta permanente são escolas de ação climática, agitadas por quilombolas, indígenas, trabalhadores do Sindipetro-RJ e organizações da sociedade civil. Muito também nos ensina a luta vitoriosa dos petroleiros contra a privatização da PBio.

 

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Evento em Ubatuba(SP) fortalece lideranças indígenas para participação na COP 30

Formação reuniu representantes do Sudeste e organizações de base para debater estratégias de atuação na agenda climática internacional Nos dias 29 e 30 de maio, a Aldeia Renascer, em Ubatuba (SP), recebeu a 4ª etapa do Ciclo COParente — iniciativa voltada à preparação de lideranças indígenas para a 30ª Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que

Leia Mais »

Brasil vai às ruas contra o “PL da Devastação” e o avanço de retrocessos socioambientais

No último domingo (01/06), cidades de todo o Brasil se uniram em um Ato Nacional Unificado contra o Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado de “PL da Devastação”. Centenas de organizações e movimentos sociais participaram da mobilização. A proposta, aprovada no Senado em 21 de maio, flexibiliza o licenciamento ambiental, permitindo que empreendimentos obtenham autorizações com base apenas em autodeclarações —

Leia Mais »

Organizações brasileiras enviam carta à União Europeia contra o “PL da Devastação

Na última terça-feira (28/05), um amplo coletivo de organizações da sociedade civil e comunidade científica brasileira e internacional entregou uma carta aberta a representações diplomáticas internacionais denunciando os riscos associados ao Projeto de Lei 2159/2021 — apelidado de “PL da Devastação”. O texto, que desmonta pilares da Política Nacional de Licenciamento Ambiental, propõe a flexibilização e até a dispensa da

Leia Mais »