O mês de julho foi marcado por ataques contra diversos povos indígenas do país. A violência começou contra o povo Kaingang de Pontão (RS), na Retomada Fág Nor, que reocupou o território do qual os indígenas foram expulsos em 2014, por uma ação de ruralistas articulados à parlamentares extremistas. A Retomada foi organizada na segunda-feira (08), em terra pública do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Os Kaingang foram alvo de dois ataques em menos de cinco dias de ocupação, sendo o primeiro na noite de terça-feira (09), quando criminosos armados passaram pela estrada que margeia a Retomada Fág Nor, contra a qual atiraram. A segunda investida ocorreu na madrugada de sábado (13), quando um veículo dos indígenas foi incendiado, em frente ao acampamento.
Naquela mesma noite de sábado, em Eldorado do Sul (RS), indígenas do povo Guarani Mbya relataram que um grupo armado parou no acostamento da BR 290 e disparou contra as casas da comunidade Pekuruty. A mesma comunidade já protagonizou outros casos de violência, dentre os quais destaca-se aquele ocorrido no início de maio, em meio à catástrofe do Rio Grande do Sul, quando o DNIT destruiu residências de indígenas removidos em virtude da calamidade.
A noite do dia 13 ainda foi marcada por outro atentado, na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, oeste do Paraná. Na ocasião, fazendeiros munidos de armas de fogo invadiram a Retomada dos Avá-Guarani, queimaram diversos barracos e todo o alimento e dispararam tiros contra as famílias acampadas. Na manhã daquele dia, um missionário do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) se deslocava até a comunidade, para prestar apoio aos indígenas, momento em que também foi abordado por um grupo armado. O missionário foi perseguido pelos homens, mas conseguiu fugir do local.
No domingo (14), outro ataque foi registrado, em Douradina, no Mato Grosso do Sul, contra a retomada dos Guarani Kaiowá na Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica. Enquanto que, na segunda-feira (15), ocorreram novas investidas contra esse povo, na comunidade do Tekoha Kunumi Vera, localizada na Terra Indígena Amambaipeguá I, como consta em nota divulgada pelo ARAYARA.
Foi registrado o total de seis casos de violência que se destacam pela similaridade, considerando que cinco deles envolvem ruralistas e ocorreram em um intervalo de 48 horas. Ademais, todas as ocorrências foram executadas por grupos paraestatais armados, sobre territórios ancestrais com pendências no processo demarcatório e sob disputas acaloradas. Diante disso, especula-se sobre possíveis articulações entre esses grupos criminosos.
Neste momento, (ainda) não há confirmação sobre o vínculo entre esses crimes, no entanto, há pleno entendimento sobre os fatores que motivaram tais ataques. A aprovação da Lei 14.701/23 no Congresso Nacional regulamentou a tese do Marco Temporal, em detrimento da posição do Supremo Tribunal Federal (STF) e do que prega a própria Constituição Federal de 1988. Tal fato somado à lentidão do processo administrativo de demarcação sustenta a guerra aos povos indígenas, deflagrada pela invasão européia e perpetuada pelo Congresso Nacional, pela bancada ruralista e por setores da indústria.
Também se observa aspectos similares entre os povos vitimados: Todos eles enfrentam conflitos fundiários e diversas violações de direitos humanos; todos solicitaram a demarcação de suas terras; e todos eles se encontram em territórios pendentes de reconhecimento, pela morosidade do governo. É válido ressaltar que essas mesmas condições caóticas são observadas em diversas outras Terras Indígenas, das quais cerca de 30% estão demarcadas e cerca de 40% sem nenhum tipo de providência. Em relação aos crimes e conflitos nos territórios, são registrados centenas de casos anualmente, inclusive em naqueles demarcados, e não se pode deixar de considerar casos que sequer são contabilizados, ocultos sob a sombra do racismo ambiental e da conivência do governo.
O extenso território deste país é reconhecido mundialmente pela vasta diversidade biológica e cultural, mas também por sediar uma gama incontável de conflitos, os quais não se limitam à esses descritos aqui ou à questão indígena. O Instituto Internacional ARAYARA se solidariza a todos os povos, etnias, gêneros, comunitários(as) e defensores(as) de direitos humanos que são vitimados. Mais do que isso, frente aos diversos casos de violência, este Instituto fortalece o seu comprometimento na defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e na luta pelo fim da inércia assassina do Estado, para que o mesmo efetive ações reais contra todos os tipos de violência.